Análises dos esqueletos de caçadores-recolectores que viveram no território de Portugal há 8.000 anos revelaram a mais antiga evidência de mumificação encontrada até agora. As descobertas antecedem em mil anos as múmias Chinchorro encontradas no Chile em 1914.

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No Vale do Sado, encontraram-se abundantes vestígios do Mesolítico tardio. Entre 1958 e 1964, o Museu Nacional de Arqueologia recuperou mais de uma centena de esqueletos pré-históricos.

Fotografias captadas na década de 1960 em dois sítios arqueológicos do vale do Sado (Poças de São Bento e Arapouco) mostram 13 sepulturas. Os esqueletos encontram-se no Museu Nacional de Arqueologia, mas até agora faltavam dados contextuais que mostrassem a sua posição no momento da escavação.

A qualidade das imagens permitiu que os arqueólogos estudassem as práticas funerárias locais, que se disseminaram no final do Mesolítico na Europa. As fotografias de dois dos sepultamentos destacaram-se porque apresentavam sinais de um tratamento mais complexo durante a fase de pré-sepultamento.

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Rita Peyroteo-Stjerna da Universidade de Uppsala, na Suécia, liderou o projecto que descobriu as provas de mumificação na era Mesolítica em Portugal.

Os casos anteriores de mumificação artificial ainda preservam em muitas situações os tecidos moles. Por força do clima mais húmido do Sado, estes esqueletos não os preservaram.

Preparação dos mortos

Os investigadores concentraram-se em saber se é “possível inferir se um corpo foi mumificado antes do sepultamento, mesmo que os tecidos moles não estejam preservados no momento da escavação”, disse Rita Peyroteo-Stjerna, da Universidade de Uppsala, na Suécia, à revista “História”. A investigadora liderou o estudo, publicado no“European Journal of Archaeology”, juntamente com as universidades de Lineu, de Lisboa e Aberta de Lisboa.

Um dos sepultamentos do Sado destacou-se pela hiperflexão das articulações do corpo. Os membros estavam flectidos numa amplitude anormal, mas as articulações ainda estavam intactas, um indício de mumificação. Para testar a sua teoria, os investigadores integraram a técnica da arqueotanatologia – o estudo das relações espaciais dos osso num túmulo – com trabalho experimental no laboratório de Antropologia Forense da Universidade Estadual do Texas.

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O deserto de Atacama, o mais seco do mun- do, ajudou a preservar os corpos mumificados da cultura de Chinchorro, no Norte do Chile, durante milhares de anos. Muitas das trezentas múmias de Chinchorro encontram-se enterradas in situ, mas o aumento da chuva e da humidade – consequências das alterações climáticas – provocou uma rápida degradação dos vestígios dos tecidos moles, bem como das fibras vegetais usadas para preencher os corpos mumificados. A erosão, os sismos e as pilhagens agravam o problema, lamenta Bernardo Arriaza, da Universidade de Tarapacá. Na imagem, uma rapariga mumificada da cultura caçadora-recolectora do Chile, que prosperou entre 5500 e 3000 a.c.

Este estudo pode apurar de que forma os cadáveres se decompõem nas diferentes posições quando foram mumificados e quando não o foram. A análise concluiu que o esqueleto flexionado do vale do Sado foi de facto depositado como uma múmia. Os investigadores acreditam que a mumificação neste caso foi alcançada pela drenagem dos fluidos do corpo e pela secagem por proximidade com o fogo.

Rita Peyroteo-Stjerna acredita que o uso da arqueotanatologia acompanhado por trabalho experimental poderá “fornecer evidências para práticas de cura dos mortos na pré-história”, incluindo a possibilidade de descobrir múmias com mais de oito mil anos.