Regressam habitualmente de mãos a abanar... Se regressarem. Por vezes, contudo, a demanda de um mito conduz a uma descoberta real. No dia 18 de Fevereiro de 2015, um helicóptero militar descolou de uma pista degradada junto da cidade de Catacamas, nas Honduras, voando para nordeste, na direcção das montanhas de La Mosquitia. Lá em baixo, os campos agrícolas deram progressivamente lugar a encostas íngremes aquecidas pelo sol, florestas tropicais cerradas e áreas desflorestadas para criação de gado. O piloto encaminhou-se para uma fenda em forma de V numa cumeeira distante. Do outro lado, avistava--se um vale rodeado por picos serrilhados: uma paisagem prístina dourada e verde-esmeralda, salpicada pelas sombras das nuvens. Bandos de garças voavam abaixo de nós e as copas das árvores agitavam-se com os movimentos de macacos invisíveis. Não havia sinais de civilização. O piloto desceu o helicóptero, apontando para uma clareira na margem de um rio.
Entre as pessoas que desembarcaram do helicóptero encontrava-se o arqueólogo Chris Fisher. O vale situa-se numa região há muito mencionada em rumores como o local da “Ciudad Blanca”, uma metrópole mítica de pedra branca, também conhecida como a Cidade Perdida do Deus Macaco. Chris não acreditava nessas lendas, mas acreditava que o vale (designado por ele e pelos seus companheiros como T1) continha as ruínas de uma verdadeira cidade perdida, abandonada há pelo menos meio milénio. Aliás, Chris tinha a certeza da sua existência.
A região de la Mosquitia divide-se entre as Honduras e a Nicarágua e contém a maior floresta tropical da América Central, albergando cerca de cinquenta mil quilómetros quadrados de vegetação densa, pântanos e rios. De cima, pode parecer convidativa, mas a aventura pelo seu interior implica vários perigos: serpentes mortíferas, jaguares esfaimados e insectos nocivos, alguns dos quais portadores de doenças mortais. Boa parte do mito da Cidade Branca oculta fica a dever-se à natureza perigosa desta região bravia. A origem da lenda, porém, é obscura. Exploradores, prospectores e alguns dos primeiros aviadores registaram avistamentos dos baluartes brancos de uma cidade em ruínas erguendo-se acima da selva; outros repetiram histórias, registadas pela primeira vez por Hernán Cortés em 1526, sobre cidades fabulosamente ricas no interior hondurenho. Antropólogos que conviveram com os índios miskito, pech e tawahka de La Mosquitia ouviram histórias sobre uma “Casa Branca”, um local onde os indígenas se refugiaram da conquista espanhola e nunca mais foram vistos.
Quando os arqueólogos começaram a explorar La Mosquitia na década de 1930 descobriram alguns povoados, sugerindo que a zona fora em tempos ocupada por uma cultura sofisticada e disseminada.
La Mosquitia situa-se na fronteira da América Central, adjacente ao reino dos maias. Paradoxalmente, enquanto os maias são uma das culturas antigas mais estudadas do continente, o povo de La Mosquitia é um dos mais misteriosos. Ao longo do tempo, o mito integrou a cultura hondurenha. Na década de 1930, a Ciudad Blanca captou igualmente a imaginação do público dos EUA. Foram realizadas várias expedições para encontrá-la, incluindo três sob iniciativa do Museu do Índio Americano de Nova Iorque, financiadas por George Gustav Heye, um ávido coleccionador de artefactos indígenas. As duas primeiras missões regressaram com rumores de uma cidade perdida contendo a estátua gigante de um deus macaco, à espera de ser desenterrada.
A terceira expedição organizada pelo museu foi liderada por um jornalista excêntrico chamado Theodore Morde e aterrou nas Honduras em 1940. Theodore emergiu da selva cinco meses mais tarde com caixas repletas de artefactos.
“A Cidade do Deus Macaco estava murada”, escreveu. “Acompanhámos uma muralha até esta desaparecer sob montículos que tudo indica terem sido outrora grandes edifícios.” O repórter recusou-se a revelar o local, segundo ele por medo de que fosse saqueado, mas prometeu regressar no ano seguinte para iniciar as escavações. Nunca o fez e, em 1954, enforcou-se numa cabina de duche. A sua cidade, se existia, permanece por identificar.
Nas décadas seguintes, a arqueologia em La Mosquitia foi prejudicada pela dureza das condições, mas também pela convicção geralmente aceite de que os solos da floresta tropical eram demasiado pobres para sustentarem mais do que um punhado de caçadores-recolectores dispersos e certamente demasiado pobres para manterem a agricultura intensiva necessária para desenvolver sociedades com hierarquias complexas. Esta convicção correspondia efectivamente à verdade, mas quando os arqueólogos começaram a explorar La Mosquitia na década de 1930 descobriram alguns povoados, sugerindo que a zona fora em tempos ocupada por uma cultura sofisticada e disseminada. A conclusão não surpreendia, pois a região situava-se numa encruzilhada de comércio e viagens entre os maias e outros povos, que viviam a norte e a oeste, e as poderosas culturas de expressão chibcha, instaladas a sul.
O povo de La Mosquitia absorvera aspectos da cultura maia, concebendo as suas cidades com um estilo vagamente maia. Adoptou provavelmente o famoso jogo de bola, uma competição ritual que por vezes envolvia sacrifícios humanos. Contudo, a relação exacta com os vizinhos dominantes permanece desconhecida. Alguns arqueólogos propuseram a seguinte explicação: um grupo de guerreiros maias oriundos de Copán pode ter conquistado o controlo de La Mosquitia. Outros crêem que a cultura local se limitou a acolher as características da impressionante civilização vizinha.
Uma das diferenças importantes entre ambas as culturas traduzia-se nos materiais de construção escolhidos pelo povo de La Mosquitia. Ainda não foram encontradas provas de que utilizassem a pedra talhada nas suas construções.
Os seus edifícios públicos eram construídos com seixos do rio, terra, madeira e taipa. Depois de decorados e pintados, estes edifícios poderiam parecer tão impressionantes como alguns grandes templos maias, mas, uma vez abandonados, dissolviam-se sob a chuva e apodreciam, deixando atrás de si modestos montículos de terra e detritos rapidamente engolidos pela vegetação.
O desaparecimento desta esplêndida arquitectura talvez explique a razão pela qual esta cultura permaneceu tão “marginalizada”, segundo Christopher Begley da Universidade Transylvania, em Lexington (EUA), que realizou levantamentos arqueológicos na região de La Mosquitia. A cultura continua tão pouco estudada que ainda nem recebeu nomenclatura formal. “Sabemos pouco sobre esta grande cultura”, contou Oscar Neil Cruz. Mexicano de nascimento, Oscar é o director do departamento de arqueologia do Instituto de Antropologia e História das Honduras (IHAH).
Quando se sabe pouco, tudo é possível. Em meados da década de 1990, o realizador de documentários Steve Elkins ficou fascinado com a lenda da Cidade Branca e desenvolveu esforços para encontrá-la. Passou anos a estudar relatórios de exploradores, arqueólogos, prospectores de ouro, traficantes de droga e geólogos. Cartografou a região de La Mosquitia, identificando as zonas exploradas e por explorar. Contratou cientistas do Laboratório de Propulsão a Jacto (JPL) da NASA para analisar os dados recolhidos pelo Landsat e as imagens de radar de La Mosquitia em busca de indícios de povoados antigos.
O relatório do JPL revelou aquilo que poderiam ser características “rectilíneas e curvilíneas” em três vales, que Steve apelidou de T1, T2 e T3. T significa “target” (alvo). O primeiro era um vale fluvial inexplorado, circundado por cumeeiras, formando uma depressão natural. “Dei por mim a pensar: se eu fosse rei, este seria um sítio perfeito para esconder o meu reino”, contou o cineasta. Mas as imagens eram inconclusivas. Ele teria de encontrar uma maneira de espreitar entre o denso dossel florestal.
Em 2010, Steve Elkins leu um artigo na revista “Archaeology” que descrevia a utilização de uma técnica denominada Lidar (abreviatura de light detection and ranging) para cartografar a cidade maia de Caracol, no Belize. O Lidar projecta centenas de milhares de emissões de raios laser infravermelhos sobre a floresta tropical, registando a localização exacta de cada reflexo devolvido. A “nuvem de pontos” tridimensional assim gerada pode ser manipulada através de aplicações informáticas para remover as emissões que atingem árvores e vegetação arbustiva, deixando uma imagem composta apenas pelas emissões que atingiram o terreno subjacente, incluindo contornos arquitectónicos. Em apenas cinco dias de processamento, o Lidar revelou que Caracol era sete vezes maior do que se pensara após 25 anos de sondagens no terreno.
"As cidades possuem funções cerimoniais especiais e estão associadas à agricultura intensiva”
Uma das desvantagens do processo é o custo. O levantamento de Caracol fora realizado pelo Centro Nacional de Mapeamento Aéreo por Laser (NCALM). A digitalização de 143 quilómetros quadrados dos três vales custaria cerca de duzentos mil euros ao NCALM. Felizmente, por esta altura, a ânsia de Steve Elkins por encontrar a Cidade Branca já contagiara outro realizador, Bill Benenson, que decidiu financiá-lo do seu próprio bolso.
Os resultados iniciais foram impressionantes. Parecia haver uma sequência de ruínas ao longo de vários quilómetros do vale T1. Outro sítio, com o dobro do tamanho, era evidente em T3. Embora as estruturas maiores fossem imediatamente visíveis, uma análise mais pormenorizada teria de ser realizada pelo olho de um arqueólogo especialista em Lidar. Steve e Bill recorreram a Chris Fisher, da Universidade Estadual do Colorado.
E foi assim que Chris veio a encontrar-se na margem de um rio sem nome no T1, em Fevereiro de 2015, olhando para a muralha de selva que se erguia do outro lado, ansioso por lá entrar.
Desde o instante em que viu as imagens, Chris ficou cativado. Utilizara esta tecnologia para cartografar Angamuco, uma cidade antiga do feroz povo purépecha (Tarascos), que rivalizou com os aztecas no México central desde cerca de 1000 d.C. até à chegada dos espanhóis, no início do século XVI. Enquanto as comunidades das terras altas da América pré-colombiana viviam em elevada densidade demográfica, as dos trópicos tendiam a disseminar-se pela paisagem. Apesar disso, os sítios T1 e T3 pareciam substanciais e eram certamente os maiores povoados até à data cartografados em La Mosquitia. A zona principal de T3 tinha quase quatro quilómetros quadrados, pouco menos do que a zona central de Copán, a cidade maia a oeste. O centro de T1 era mais pequeno mas mais concentrado, aparentando ser composto por dez grandes praças, dezenas de montículos associados, estradas, socalcos agrícolas, canais de irrigação, um reservatório e uma possível pirâmide. Devido à arquitectura cerimonial, aterros e praças, Chris não teve dúvidas de que os dois locais correspondiam à definição arqueológica de uma cidade: um povoado com organização social complexa. “As cidades possuem funções cerimoniais especiais e estão associadas à agricultura intensiva”, disse. “E costumavam implicar uma reconstrução monumental da paisagem.”
Entre os artefactos descobertos conta-se um rosto esculpido (parte jaguar, parte humano) do tamanhode um punho. A escavação poderá fornecer mais indícios sobre uma cultura ancestral tão mal conhecida que nem sequer tem nome.
Na sua demanda pela localização da Cidade Branca, Steve e Bill tinham aparentemente encontrado duas cidades antigas bastante reais. Com a ajuda do governo das Honduras, criaram uma equipa capaz de entrar na selva e confirmar “a verdade ao nível do solo” daquilo que as imagens do Lidar haviam identificado. Além de Chris Fischer, mais experiente do que qualquer outra pessoa no uso da tecnologia, a equipa contava com dois outros arqueólogos, incluindo Oscar Neil Cruz do IHAH, um antropólogo, um engenheiro, dois etnobotânicos, um geoquímico e um geógrafo. Acompanhava-os a equipa de filmagem de Steve e uma equipa da National Geographic.
As questões logísticas eram assustadoras. Além de nos debatermos com serpentes, insectos, lama e chuva, arriscávamo-nos a contrair malária, dengue e outras doenças tropicais.
“É tal como eu esperava”, disse. “Todo este terreno foi modificado por mãos humanas.”
Para facilitar a viagem, Steve e Bill contrataram três antigos oficiais do Special Air Service (SAS) britânico que tinham formado uma empresa especializada na condução de equipas de filmagem até zonas perigosas. Foram os primeiros homens largados no local para limparem o mato e desimpedirem áreas para aterragem e acampamentos utilizando catanas e serras eléctricas enquanto o helicóptero regressava a Catacamas para transportar Chris e os restantes. Andrew “Woody” Wood, líder da equipa de apoio, disse--me mais tarde que, enquanto trabalhavam, um bando de animais andava à sua volta ou juntava-
-se nas árvores acima deles, sem mostrar qualquer medo. “Nunca vi nada assim”, disse. “Acho que estes animais nunca viram seres humanos.”
Andrew escolhera um socalco elevado atrás da zona de aterragem como local para montar o acampamento de base, entre árvores gigantescas, cujo acesso se fazia através de uma ponte de troncos construída sobre uma grande poça de lama. Devido ao risco de serpentes, Andrew proibira os membros do grupo de saírem do acampamento sem escolta. Mas Chris estava impaciente. Habituado a trabalho de campo, ameaçava iniciar a exploração sozinho. Ao fim da tarde, Andrew acedeu a fazer um reconhecimento rápido das ruínas. A equipa reuniu-se na margem do rio, vestindo protecções contra serpentes sobre as pernas e tresandando a repelente de insectos. O GPS Trimble, para o qual Chris Fisher descarregara os mapas do Lidar, mostrava a localização exacta em relação às presumíveis ruínas.
Consultando o GPS, Chris transmitiu indicações a Andrew, que abriu um trilho através de arbustos de helicónia. A floresta ressoava com o som das aves, rãs, sapos e insectos. Atravessámos a pé dois grandes charcos de lama, um deles com água até à altura da coxa, subimos os penhascos acima da planície de aluvião e chegámos à base de uma proeminência íngreme e revestida de selva. “Vamos até ao topo!”, anunciou Chris. As confirmações no solo tinham começado.
Agarrados a lianas e raízes, subimos a encosta escorregadia e coberta de folhas. No alto, entre a vegetação densa, Chris apontou para uma depressão rectangular subtil, mas inconfundível, que lhe parecia o contorno de um edifício. Ajoelhando-se para ver melhor, Oscar destapou aquilo que aparentava ser evidência de uma construção de taipa, substanciando a teoria de uma pirâmide de terra. Chris estava exultante. “É tal como eu esperava”, disse. “Todo este terreno foi modificado por mãos humanas.”
Chris e Andrew conduziram a equipa pela pirâmide abaixo até aquilo que se esperava ser uma das dez “praças” da cidade, ou grandes espaços públicos. Quando entrámos na área, encontrámos um pedaço de floresta tropical tão artificialmente plano como um campo de futebol. Uma fila de montículos contornava a floresta por três lados, os restos de paredes e edifícios. Um canal corria pela praça, expondo uma superfície pavimentada com pedras. Ao atravessar a praça, descobrimos do outro lado uma fila de lajes, com aspecto de pedras de altar, empoleiradas em tripés de pedra branca. No entanto, a densidade da vegetação continuava a impedir-nos de formar qualquer ideia sobre a disposição ou escala da cidade antiga. O Sol começou a pôr-se e regressámos ao acampamento.
Acordámos na manhã seguinte e partimos para nova exploração, sob um nevoeiro espesso reverberando com os chamamentos de macacos-uivadores. Tapetes de trepadeiras e pingentes de flores pendiam na obscuridade verde. Rodeado por árvores enormes e pelos montes silenciosos, senti a ligação ao presente desvanecer-se. Passaram vários minutos antes de a chuva chegar ao solo. Pouco depois estávamos encharcados.
Brandindo uma catana, Chris caminhou para norte com Oscar e Juan Carlos Fernández-Diaz, engenheiro da equipa do Lidar, para cartografar mais praças da cidade. Anna Cohen, aluna de doutoramento da Universidade de Washington, e Alicia González, a antropóloga da expedição, ficaram para trás para limpar a vegetação da fila de lajes. À tarde, Chris e o seu grupo regressaram depois de terem cartografado mais três praças e vários montículos. Todos beberam uma caneca de chá quente com leite sob a chuva torrencial. Andrew ordenou o regresso ao acampamento, temendo que as águas do rio pudessem subir. A equipa partiu em fila indiana. De repente, o operador de câmara Lucian Read, que caminhava perto do fim da fila, chamou por nós.
“Olhem, há aqui umas pedras estranhas.”
Na base da pirâmide, espreitando do solo, estavam os rebordos superiores de dezenas de esculturas maravilhosamente entalhadas em pedra. Vislumbrados entre folhas e trepadeiras e cobertos de musgo, os objectos ganharam forma sob o crepúsculo da selva: a cabeça de um jaguar a rosnar, um vaso de pedra decorado com uma cabeça de abutre, jarros enormes com serpentes gravadas e um conjunto de objectos que pareciam tronos ou mesas decorados, baptizados como metates pelos arqueólogos. Todos os achados estavam provavelmente intactos desde que ali tinham sido depositados séculos antes.
Ouviram-se gritos de assombro. O grupo juntou-se em círculo. Chris tomou rapidamente conta da situação, pedindo a todos que se chegassem para trás e vedando a área com fita de sinalização. Ele estava tão entusiasmado como os outros ou talvez mais. Embora objectos semelhantes oriundos de outras zonas de La Mosquitia fossem bem conhecidos, a maioria eram peças isoladas há muito descobertas por Theodore Morde e outros ou desenterradas e removidas descuidadamente por autóctones ou saqueadores. Não havia certamente registo de um tesouro assim na literatura arqueológica. Havia mais 52 objectos visíveis à superfície e quem sabe quantos mais jazeriam debaixo de terra?
“É uma manifestação ritual poderosa retirar de circulação símbolos de riqueza como estes e deixá-los aqui, talvez como oferenda”, lembrou Chris.
Nos dias que se seguiram, a equipa registou cada objecto in situ. Utilizando um dispositivo portátil do Lidar montado sobre um tripé, Juan Carlos digitalizou os artefactos, criando imagens 3D de cada um. Nada foi tocado, nem removido: isso ocorreria noutra altura, quando a equipa pudesse regressar com o equipamento certo e com tempo para proceder a uma escavação meticulosa.
“Mesmo neste ambiente florestal longínquo, em lugares onde as pessoas não esperariam, havia grandes populações em cidades, milhares de pessoas”
No momento em que escrevo estas palavras, outra expedição, de maior envergadura, está a ser planeada com o patrocínio completo do governo hondurenho. Atormentadas pelo tráfico de narcóticos e pela violência que o acompanha, as Honduras são um país pobre com grande necessidade de boas notícias. Ciudad Blanca, a Cidade Branca, pode ser uma lenda, mas um achado que aproxime essa história da realidade é motivo de grande entusiasmo. Trata-se de uma questão de orgulho colectivo, uma afirmação da ligação do povo ao seu passado pré-colombiano. Ao tomar conhecimento da descoberta do tesouro, Juan Orlando Hernández, o presidente das Honduras, ordenou a instalação de uma unidade militar a tempo inteiro no local para defendê-lo de saqueadores. Várias semanas mais tarde, voou de helicóptero até ao local para vê-lo com os próprios olhos e jurou que o seu governo faria “tudo o que fosse necessário” não só para aprofundar a investigação e protecção do legado cultural do vale, mas também do património ecológico da região envolvente.
A investigação está a começar. A maior parte do vale T1 está por examinar e as ruínas ainda maiores de T3 não foram ainda abordadas. E quem sabe o que se esconderá sob o dossel florestal que cobre o resto de La Mosquitia? Nos últimos anos, houve uma mudança fundamental na forma como os arqueólogos encaram a ocupação das paisagens tropicais pelos povos pré-colombianos. No passado, os povoados humanos de baixa densidade demográfica eram meros pontos num terreno maioritariamente desabitado. Segundo a nova perspectiva, os povoados tinham densidade elevada e havia muito menos espaço vazio entre eles.
“Mesmo neste ambiente florestal longínquo, em lugares onde as pessoas não esperariam, havia grandes populações em cidades, milhares de pessoas”, resumiu Chris.
Ainda há múltiplas questões sobre os antigos habitantes de La Mosquitia, mas as respostas podem tardar. Em Fevereiro, poucos quilómetros depois de sairmos de T1 de regresso a Catacamas, a floresta tropical ininterrupta deu lugar a encostas marcadas por clareiras abertas para criação de gado – retalhos feios e puídos num manto luxuriante. Virgilio Paredes, director do Instituto de Antropologia e História das Honduras, sob cujos auspícios foi realizada a expedição, calculou que, ao ritmo actual, a desflorestação chegará ao vale T1 em oito anos, ou menos, destruindo possíveis tesouros culturais e deixando outros expostos a saques desenfreados. O presidente Hernández jurou proteger a região da desflorestação e do saque, parcialmente através da criação da Reserva do Legado Patrimonial de La Mosquitia, uma zona com cerca de 2.030 quilómetros quadrados circunscrevendo os vales cartografados pelo Lidar. Mas o assunto é delicado. Embora o abate de árvores seja ilegal, pois a zona encontra-se supostamente protegida pelas reservas de biosfera de Tawahka Asangni e de Río Plátano, a criação de gado acarreta vantagens económicas e é uma tradição acarinhada nesta região das Honduras.
Se os achados de T1 desequilibrarem o prato da balança a favor da preservação, então não importará se a Cidade Branca é real ou um mito. A demanda do mito já produziu riquezas.