A Piedade, o Moisés, a Capela Sistina, a romana Piazza del Campidoglio ou a cúpula da Basílica de São Pedro do Vaticano nasceram de um único génio criador: Michelangelo Buonarroti. Nascido em Caprese, nas imediações de Arezzo, no dia 6 de Março de 1475, Miguel Ângelo era o segundo dos cinco filhos varões do corregedor de Caprese, Ludovico di Leonardo Buonarroti di Simoni, descendente de uma família antiga de Florença, e de Francesca di Neri do Miniato di Siena. Em 1480, a mãe ficou gravemente doente e, em busca da sua recuperação, a família mudou-se para Settignano, uma pequena cidade onde os Buonarroti geriam uma pedreira de mármore.

Depois da morte de Francesca di Neri, a família regressou a Florença e apenas Miguel Ângelo permaneceu em Settignano, ao cuidado de outros familiares. Juntou-se ao pai e irmãos em Florença quando o pai achou oportuno que o filho fizesse uma formação académica adequada à sua linhagem. No entanto, apesar da oposição inicial de Ludovico, a vocação que o filho cedo revelou para a arte, acabou por convencê-lo e finalmente concordou em deixá-lo entrar como aprendiz no atelier de Domenico e Davide Ghirlandaio, quando tinha apenas 12 anos de idade. De facto, Miguel Ângelo familiarizara-se com o mármore durante a infância em Settignano. Repetia várias vezes: “Com o leite da minha ama, mamei também os escopros e os martelos com os quais esculpi mais tarde as minhas figuras.”

Os anos de aprendizagem

Durante a sua aprendizagem, conjugava a formação artística com longas caminhadas por Florença e pelo jardim dos Médici, onde se expunham as esculturas clássicas que estes possuíam. Segundo Giorgio Vasari, o seu primeiro biógrafo, os trabalhos que efectuou na juventude captaram a atenção de Lourenço, o Magnífico, que o incluiu no cenáculo de artistas e intelectuais que frequentavam a sua casa, entre os quais se encontravam os humanistas Giovanni Pico della Mirandola e Marsilio Ficino. Foi a sua infiuência que permitiu a Miguel Ângelo conhecer a filosofia de Platão, que se evidenciaria, ao longo da sua vida, tanto nas obras plásticas como na poesia e até na sua vida privada. Miguel Ângelo procurou sempre interiorizar e assumir as teorias neoplatónicas do amor. O seu fascínio por tudo o que era jovem e vigoroso, característico do cânone clássico, levou-o a perseguir a beleza ao longo de toda a sua vida.

Miguel Ângelo

Encomendada por Bartolomeu Pitti, a escultura circular foi realizada por Miguel Ângelo por volta de 1503 e representa a Virgem Maria com o seu filho Jesus e São João Baptista. Este relevo de mármore, de quase um metro de diâmetro, encontra-se hoje no Museu Nacional de Bargello (Florença).

Por outro lado, a sua ligação à Academia Platónica de Florença, que favorecia o diálogo intelectual entre mestre e discípulo admitindo a amizade mais íntima entre homens preparados e jovens sedentos de conhecimento, levou-o a manter relações com alguns jovens rapazes quando era já um homem maduro. Entre eles, estavam Cecchino dei Bracci, cujo túmulo desenhou após a sua morte prematura em 1544; Giovanni da Pistoia, um jovem escritor que lhe dedicou apaixonados sonetos e, acima de tudo, Tommaso Cavalieri, que conheceu em Roma, em 1532. A profunda impressão que o jovem lhe causou ficou testemunhada na carta que Miguel Ângelo lhe escreveu pouco tempo depois de o conhecer: “O céu fez bem impedindo com a escuridão que eu pudesse contemplar completamente a sua beleza. Se a minha idade ainda não me consumiu totalmente, é porque o encontro consigo, senhor, foi muito breve.” Tommaso Cavalieri era um jovem de 23 anos, cuja beleza física causava admiração em Florença. Miguel Ângelo, pelo contrário, era já um homem de 57 anos e um artista consagrado. A admiração de Tommaso e a paixão pela beleza despertada em Miguel Ângelo fez nascer entre eles uma profunda união que, partindo do campo amoroso, evoluiu para uma longa amizade que se prolongou ao longo da vida do artista.

Após a morte de Lourenço, o Magnífico, em 1492, Miguel Ângelo deixou Florença e, depois de uma breve permanência em Veneza, estabeleceu-se em Bolonha, onde pôde admirar os relevos de Jacopo della Quercia, um dos escultores mais importantes do Quattrocento, cuja infiuência marcaria o seu trabalho durante o longo ano em que permaneceu na cidade. No entanto, convencido das possibilidades que Roma lhe poderia oferecer, em 1496, viajou para a cidade dos papas.

De Florença a Roma

Bastaram poucos anos para que Buonarroti se consagrasse como o artista mais importante do seu tempo. A sua actividade era frenética. Em 1501, já esculpira a Piedade; pouco depois produziu o Tondo Pitti, o Tondo Taddei e a Virgem com o Menino, bem como o David, escultura que, após os anos sombrios em que Savonarola assumiu o domínio de Florença, foi colocada diante da Signoria, como símbolo dos ideais políticos do Renascimento, em que o povo (David) supera a tirania encarnada na personagem bíblica (Golias).

Miguel Ângelo

A Pietà. A escultura que Miguel Ângelo criou para a Basílica de São Pedro no Vaticano, em finais do século XV, constitui um dos expoentes mais belos do tema da Piedade, a cena amorosa da Virgem sustendo o corpo jazente do filho. As pregas das vestes, a idealizada beleza e juventude de Maria ou a expressão triste do rosto exaltam a beleza e a ternura da mãe. É a sua única obra assinada. Na cinta ao peito da Virgem, escreveu: “Michelangelus Bonarotus Florentinus faciebat”.

O seu reconhecimento definitivo chegou em 1505, quando o papa Júlio II lhe pediu que desenhasse o seu mausoléu. Entusiasmado, Miguel Ângelo instalou-se durante mais e oito meses em Carrara para assim poder escolher os mármores mais adequados para o monumento que iria erguer, em perfeita simbiose entre arquitectura e escultura, com o objectivo de celebrar o triunfo da Igreja. Porém, imerso no estudo dos planos de Bramante para a reconstrução da Basílica de São Pedro, Júlio II deixou e lado o projecto do seu túmulo. Sentindo-se menosprezado, em 1506, Miguel Ângelo deixou Roma e regressou a Florença, onde permaneceu durante algum tempo ocupado com diversos trabalhos de pintura; mas a insistência de Júlio II levou-o a reunir-se com o pontífice em Bolonha, onde esculpiu a sua estátua de bronze, hoje desaparecida, para a fachada da Basílica de São Petrónio. A esta, seguiu-se, também por iniciativa de Júlio II, a tarefa de decorar a abóbada da Capela Sistina (1508), uma estrutura pictórica incomparável, que terminou quatro anos depois. Após a morte de Júlio II, em 1513, Miguel Ângelo assinou um novo contrato para realizar o seu sepulcro. Com este fim, esculpiu o Moisés, mas, uma vez mais, o projecto não foi concluído, pelo menos com a grandiosidade com que o autor o imaginara: ficou reduzido a um cenotáfio presidido pelo Moisés, colocado, em 1545, na igreja romana de San Pietro in Vincoli.

Sob a autoridade de um novo papa

Na verdade, na Roma papal, Miguel Ângelo colidiu com a incompreensão de certos sectores do Vaticano que o acusavam de ser pouco respeitoso com a tradição. Por isso, fora necessária a morte de Bramante (1514) e de Rafael Sanzio (1520), mais ortodoxos, para que Buonarroti obtivesse a total confiança do papado.

Assim, foi Leão X, um membro da família Médici, que, em 1516, lhe encomendou o projecto da fachada de São Lourenço em Florença, um edifício que tinha ficado inacabado, mas do qual se conservam inúmeros desenhos e uma maqueta de madeira. Entre 1520 e 1530, Miguel Ângelo realizou na cidade do Arno a Sacristia Nova de São Lourenço, na qual transformou radicalmente o projecto que Brunelleschi concebera para a Sacristia Velha, e a Biblioteca Medicea Laurenziana. Pouco depois, logo após o saque de Roma (1527), Miguel Ângelo recebeu da nova República de Florença o pedido para supervisionar a fortificação das muralhas com o pomposo nome de “governador geral do fabrico e fortificação das muralhas” e, depois da queda da República em 1530, foi alvo de perseguição por parte da família Médici e só o perdão de Clemente VII o salvou da prisão.

Miguel Ângelo capitólio

Nos seus últimos anos, Miguel Ângelo retomou a actividade arquitectónica e encarregou-se da renovação da Piazza del Campidoglio, com uma escadaria de acesso ao espaço aberto delimitado pelo Palácio dos Senadores e flanqueado pelo dos Conservadores e o Novo, de nova construção. Ao centro, erigiu a célebre estátua equestre do imperador romano Marco Aurélio.

Perante estas circunstâncias, em 1534, regressou a Roma. A pedido do papado, trabalhou no painel frontal da Capela Sistina, realizando o magnífico Juízo Final, que terminou em 1541. Nessa época, conheceu Vittoria Colonna, uma das mulheres mais notáveis da Itália renascentista. Era viúva de Fernando de Ávalos, marquês de Pescara, um nobre ao serviço de Carlos V. A empatia entre ambos foi imediata. Miguel Ângelo afirmava estar “apaixonado pelo seu espírito divino”, enquanto ela, que admirava a sua arte, protegeu-o e abriu-lhe as portas de vários sectores da sociedade romana que até então tinham estado vedados. A morte de Vittoria Colonna em 1547 fê-lo mergulhar numa profunda depressão que o seu biógrafo, Ascanio Condivi, espelhou assim: “Não tinha tido uma dor mais profunda neste mundo do que ao tê-la deixado partir desta vida sem lhe ter beijado a sua testa, nem o rosto, como lhe beijou a mão quando a foi ver no seu leito de morte.”

A perda da sua benfeitora não impediu a sua incessante actividade romana. Durante os últimos vinte anos de vida, realizou inúmeras obras de arquitectura, como a remodelação da Piazza del Campidoglio, a Capela Sforza em Santa Maria Maior, a remodelação do Palácio Farnese e, sobretudo, a conclusão da Basílica de São Pedro do Vaticano. Esculpiu ainda a Pietà Palestrina e a Pietà Rondanini, fez inúmeros desenhos e escreveu vários poemas de temática religiosa.

A morte atingiu-o em plena actividade criativa, no dia 18 de Fevereiro de 1564, em Roma. Os seus últimos anos foram passados na companhia do seu secretário Daniele da Volterra e do fiel amigo Tommaso Cavalieri, então casado e com filhos, que cuidou dele e ficou a seu lado até ao fim. Fez um testamento, dizendo que deixava “a alma nas mãos de Deus, o corpo à terra e os bens aos familiares mais próximos”, além de expressar o seu desejo de ser enterrado em Florença.

O seu sobrinho, Leonardo Buonarroti, ficou encarregado de cumprir os últimos desejos do artista e, no dia 11 de Março de 1564, Miguel Ângelo foi sepultado na basílica fiorentina de Santa Cruz. Deixava uma obra imensa e a honra de ter sido o único artista renascentista que viu publicadas em vida duas biografias: a Vita di Miguel Ângelo Buonarroti, escrita em 1553 pelo seu discípulo Ascanio Condivi e Le vite dé più’ eccellenti pittori, scultori e architettori, de Giorgio Vasari (1550), na qual foi o único artista vivo incluído. Vasari tomou a ser cargo o projecto do seu mausoléu, inaugurado em 1570.