O estudo das jóias que nos chegaram e dos toucadores da época romana fornecem pistas sobre estilos e modas, mas sobretudo sobre a condição da mulher neste período da Antiguidade. Através da evolução da noção de beleza e da percepção do que era entendido como um artigo de luxo, entendemos melhor as relações comerciais do mundo romano.
É curioso que um dos poucos acontecimentos em que as mulheres romanas tiveram protagonismo na vida pública se devesse às suas jóias e ornamentos. A chamada “Revolta das Matronas” é, sem dúvida, um evento único na história de Roma e foi protagonizado por mulheres que reivindicavam o direito de exibir em público as suas jóias mais preciosas.
O historiador romano Tito Lívio conta em Ad Urbe Condita (Desde a fundação da cidade), que no ano de 195 a.C. os tribunos da plebe Marco Fundânio e Lúcio Valério levaram ao Senado uma proposta para revogar a lex Oppia. As mulheres tinham saído à rua para exigir a intervenção do Senado nesta petição. A promulgação da lei ocorrera duas décadas antes e um ano após a derrota em Canas, em pleno contexto bélico da Segunda Guerra Púnica.
Segundo Lívio, a lex Oppia proibia qualquer mulher de possuir mais de meia onça de ouro, de usar vestuário de várias cores ou de ser transportada de carruagem em Roma ou qualquer outra cidade ou em distâncias inferiores a uma milha, excepto se se preparasse para participar numa celebração religiosa pública. Mais do que uma tentativa de travar o desperdício de riqueza e luxo, a lex Oppia proibia explicitamente a sua exibição pública, especificamente às mulheres.
Alguns autores sublinharam a intenção moralizadora da lex Oppia em consonância com os princípios de austeridade da República e de respeito aos mores maiorum. Também foi interpretada como uma questão política, no sentido de uma legislação destinada a fomentar um clima de rigor e austeridade face aos acontecimentos que afectavam o Estado. No entanto, a parcialidade da medida relativamente ao género é evidente, pois pedia-se às mulheres que renunciassem à exibição pública do luxo, reforçando deste modo a ideia de devassidão e frivolidade que genericamente lhes era conferida.
Recordemos que o modelo virtuoso, que respondia aos princípios de sobriedade e austeridade reverenciados na matrona, tinha como referências figuras como a infeliz Lucrécia ou a extremamente virtuosa Cornélia. As fontes recolhem este singular testemunho da mãe dos Gracchi a este respeito: Haec ornamenta sunt mea (“Os meus filhos são as minhas jóias”) (Val. Max. 4, 4, pr.).
O aceso debate no Senado foi protagonizado de um lado por Catão, defensor da manutenção da lei, e do outro pelo tribuno da plebe Lúcio Valério. O famoso censor Marco Pórcio Catão clamava aos senadores e advertia-os das trágicas consequências da cedência nesta questão: “Soltai as rédeas a uma natureza indisciplinada, a um animal indómito, e esperai que elas mesmas ponham fim ao seu desenfreio. E se não lhe puserem fim, esta é uma pequena amostra do que, imposto pelo costume ou pela lei, as mulheres suportam com relutância. O que anseiam é a liberdade total, ou melhor, se quisermos chamar as coisas pelos nomes, a libertinagem. Na verdade, conseguindo conquistar isto, o que não tentarão?” (Liv. AUC 34.2.13-14).
Por sua vez, Lúcio Valério respondeu, baseando-se no bom trabalho das matronas em tempos de crise e na importância das jóias e adornos pelo seu significado, ou seja, na construção social do género para a mulher romana: “Nelas não podem recair magistraturas, sacerdócios, triunfos, condecorações, recompensas ou despojos de guerra; a elegância, os adornos, os trajes, são os elementos de distinção das mulheres; com isto desfrutam e sentem-se orgulhosas, isto constitui o que os nossos anciãos chamavam “o mundo feminino” (Liv. AUC 34.7.8-10).
Uma torrente de luxo
Estes acontecimentos, que tiveram lugar no último século da República, juntamente com outros textos jurídicos relativos ao luxo, foram agrupados no que conhecemos como leges sumptuariae e conferem uma ideia muito próxima do valor económico dos ornamenta, o valor intrínseco das jóias – evidentemente fornecido pelos materiais preciosos que as compunham, mas também pela alta especialização do trabalho dedicado à sua criação.
As jóias são o conjunto de objectos mais requintados da esfera exclusivamente feminina, que se devem contextualizar juntamente com uma infinidade de instrumentos, recipientes e produtos que compõem um mundo inteiro, o mundus muliebris.
Faziam parte de hábitos de higiene e rituais cosméticos e de beleza da mulher romana. Aproximam-nos de um aspecto muito particular da cultura material que devemos associar à mulher daquela época, exclusivo das mulheres pelo facto de se ser mulher e que, também, de algum modo, estava oculto. Nada o expressa melhor do que as imagens da Vénus pudicitia, uma recriação magistral da atracção desse momento íntimo e reservado, em que a deusa se cobre após o banho, ruborizada e contida pelo pudor.
As palavras do poeta Ovídio também convidam a pensar na intimidade dessas práticas: “Apesar de tudo, que o amante não veja os frascos espalhados sobre a cómoda: o artifício embeleza enquanto é mantido em segredo” (Ov. Ars 3.209 210).
Na época de Ovídio e do imperador Augusto, já não era possível refrear a paixão pelas jóias e pedras preciosas em todo o Império e ainda menos em Roma. Embora o imperador tivesse também promovido uma nova reforma das leis sumptuárias, a lex Iulia sumptuaria, que estabelecia limites quantitativos ao luxo convivial, a verdade é que o dinâmico comércio de produtos de luxo e a sua democratização tinha chegado para ficar em Roma.
Um estilo para cada época. Esta réplica de gesso de outro dos bustos de Milreu sublinha a volatilidade dos estilos ao longo do Império Romano. O penteado das mulheres romanas mudou constantemente, reflectindo com frequência períodos de sobriedade ou de exuberância. Como em todos os fenómenos relacionados com a moda, as imperatrizes, princesas ou membros da família real tiveram papel determinante na implementação e difusão dos novos penteados. Por norma, estes triunfavam primeiro entre a alta sociedade da capital imperial e depressa se estendiam pelas províncias do Império através dos retratos das soberanas que figuravam nas moedas ou noutros suportes móveis. Os homens também seguiam modas, naturalmente. A fazer fé nas críticas do filósofo Séneca, estes passavam o dia no cabeleireiro e suportavam melhor a desordem na República do que na sua própria cabeleira – mais um testemunho do choque que a frivolidade de muitas elites provocava na sociedade do seu tempo. Fotografia de Nuno Zaragota/Villa Romana de Milreu.
A Lusitânia, apesar de ser a província mais ocidental do Império, foi fortemente infiuenciada na sua romanização, também no que se relaciona com os adornos das mulheres. Nas representações públicas e privadas, consegue reconhecer-se de forma muito directa a chegada das novas modas predominantes em cada época, com uma rápida assimilação, por exemplo, nas mudanças que se sucediam nos estilos dos penteados, infiuenciados pela Casa Imperial, ou na introdução de novos modelos de jóias. Com efeito, quer pelos retratos oficiais enviados ou definidos a partir de Roma, quer pelas efígies presentes nas moedas, os territórios assimilavam e reproduziam de forma relativamente fiel a evolução da moda dos penteados.
Os retratos femininos da Lusitânia são uma boa prova disso. O famoso retrato da villa de Milreu (Estói, Faro), hoje no Museu Nacional de Arqueologia, mostra o rosto de uma mulher relativamente madura, com um topete alto em forma de diadema e um carrapito grande enrolado e preso sobre si próprio – uma marca das infiuências do retrato fiaviano tardio, embora também possa ser uma versão tardia do período de Trajano.
Descoberto no século XIX, este busto da villa romana de Milreu, no Algarve, é uma das peças mais emblemáticas da arqueologia da Lusitânia. Reflecte a moda e o estilo da possível proprietária da residência. Fotografia de Hugo Marques/Museu Nacional de Arqueologia.
Mais singular é o retrato conhecido como “La Gitanilla”, preservado na colecção do Museu Nacional de Arte Romana de Mérida. Interessa destacar neste caso a singularidade demonstrada pelas oficinas de Mérida, mantendo o que provavelmente eram particularidades das modas autóctones, como os caracóis de cabelo na testa ou as patilhas a delinear o rosto da jovem. Os lóbulos das orelhas estão furados, provavelmente para se poderem colocar brincos, ornamentos que, a par da policromia, devolveriam uma imagem muito diferente da actual.
Peça escultórica notável das colecções do Museu Nacional de Arte Romana, em Mérida, "La Gitanilla" constitui também um portal para a moda da Antiguidade, revelando caracóis de cabelo na testa e patilhas que definem o rosto da jovem. Museu Nacional de Arte Romana, Mérida.
Os mosaicos ou os retratos nas pinturas murais oferecem-nos uma imagem ainda mais vívida da mulher ornamentada com adereços em que é possível distinguir a combinação e disposição das jóias.
Um exemplo excepcional é o monumento funerário dos Voconios, um recinto conhecido como Los Columbarios de Mérida. Voconia Maria, representada num dos nichos laterais, surge vestida com uma túnica e manto de cor clara. Apesar de não nos ter chegado em óptimo estado de conservação, é possível reconhecer perfeitamente um colar com diferentes pendentes colocado no pescoço. A arte em mosaico da Lusitânia deixou-nos esplêndidos exemplares. Estes pisos de pedra colorida que cobriam algumas domus e villae do Baixo Império conseguiram preservar o que foi interpretado em algumas casos como verdadeiros retratos da domina do lar e da família. É o caso das representações das Quatro Estações do Mosaico das Lojas, também no museu de Mérida, ou das figuras alegóricas da villa romana do Rabaçal.
O mosaico das quatro estações. A villa do Rabaçal, no concelho de Penela, terá sido construída no século IV d.C. e habitada até meados do século seguinte. Entre 1984 e 1992, as escavações permitiram identificar um admirável conjunto de 20 pavimentos de mosaico. O conjunto das estações do ano representa quatro figuras femininas. Fotografia de Município de Penela/Villa do Rabaçal
No entanto, são as jóias que chegaram até aos nossos dias que convidam a deter o olhar nestas obras excepcionais. As jóias eram produzidas com materiais ricos, fundamentalmente em ouro, como base metálica, e pedras preciosas e semipreciosas que se combinam, resultando numa grande variedade de formas dentro do conservadorismo típico desta arte. A Lusitânia era uma província de grande riqueza em termos de depósitos de ouro. A arqueologia mostrou que o tema literário do aurifer Tagus não era apenas um lugar-comum entre os historiadores antigos, tendo existido uma verdadeira exploração do metal mais cobiçado em terras lusitanas, embora o objectivo dessa exploração fosse a cunhagem de moeda.
Lúcio Cornélio Bocco, natural de Salacia, a actual Alcácer do Sal, foi sem dúvida uma personagem importante na Lusitânia. Exerceu diferentes magistraturas, entre as quais a de fiamen provinciae Lusitaniae, ou seja, o sacerdote que se ocupava do culto imperial sediado na capital provincial, Augusta Emerita. Era um homem culto cujos escritos não se conservaram, excepto em referências indirectas de outros autores. Assim, o historiador Plínio, o Velho, esclarece duas questões que nos interessam sobre a Lusitânia. Na sua História Natural, o autor latino afirma saber através de Bocco da existência de carbunculi (granadas) nas proximidades de Olisipo, e de crystallum (cristal de rocha) nas imediações de Ammaia.
Relativamente às granadas, Plínio afirma: “Bocco escreveu que também na região de Lisboa se extraem granadas, embora com grande dificuldade, devido ao seu solo argiloso queimado pelo sol” (Plin. HN. 37.97). Esta referência parece ter sido corroborada nas minas do monte Suímo (na serra de Sintra). A granada é uma gema complexa que apresenta grande diversidade de tons de acordo com as diferentes variedades, do laranja ao azul, passando pelo vermelho, granada e violeta.
Na sua "História Natural", Plínio destaca dois minerais importantes da Lusitânia: as granadas dos arredores de Olisipo e os cristais de rocha das imediações da cidade de Ammaia. Nas escavações ali desenvolvidas, foram encontrados vários blocos de dimensão considerável. Fotografia de Fundação Ammaia.
A sua utilização em jóias era muito comum na Lusitânia, com aplicações em pulseiras, anéis, brincos e, muito singularmente, em colares. Foram descobertos em Augusta Emerita, Faro ou Ammaia esplêndidos colares com elos de ouro e contas de granada.
Detemo-nos num dos conjuntos de joalharia mais singulares da Lusitânia, o Tesouro da Borralheira, conservado no Museu Nacional de Arqueologia. É constituído por várias peças de joalharia, várias ligulae (colheres) de prata e um conjunto de moedas de ouro que permitem, por um lado, datar o fim do uso do conjunto no início do século III d.C. e, por outro lado, interpretar o Tesouro como uma ocultação. O conjunto de jóias tem grande coerência. É composto por um colar de ouro e granadas, quatro anéis de ouro e um par de brincos de ouro cravejados de pedras preciosas. O colar é uma peça esplêndida, que se conserva completa, incluindo o sistema de fecho em forma de coração composto por gancho e elo. Os elos são simples, com contas de granada enfileiradas, esculpidas em forma de cubos com lados chanfrados.
A par destes adornos, conhecem-se outros ornamentos para pescoço, pendentes que, pelos motivos escolhidos, dizem respeito à mentalidade e superstição romanas. Relativamente às mulheres, estes adornos convertiam-se em amuletos e/ou símbolos protectores. É o caso da lunula ou crescente lunar, motivo directamente ligado às mulheres. Diz Isidoro de Sevilla: “As lunulae são adornos femininos: são bolinhas de ouro penduradas como se fossem luas” (Isid. Etim. 19.31.17).
No caso do fascinum, personificação do falo divino, o seu poder contra o mau-olhado estendeu a sua presença a diferentes esferas da vida, não exclusivamente no adorno pessoal.
A sua popularidade é visível em peças de joalharia que, de forma quase primorosa, resolvem formas reconhecíveis com dois ou três gestos, uma evidência técnica reservada apenas aos ourives. É o caso dos exemplares que se conhecem em Mérida ou do conjunto de três amuletos duplos, com uma figa e um falo, das termas da cidade romana de Ammaia. A combinação dos dois sinais aumentaria o poder profiláctico destes amuletos.
Os brincos ou inaures, por seu turno, ganharam um espectacular impulso a partir do século III d.C., quando o opus interrasile permitiu reduzir o peso dos elementos e aumentar o seu tamanho. O opus interrasile é verdadeiramente a inovação técnica da joalharia romana. Consistia em fazer entalhes e furos na lâmina de metal, o que, além de economizar matéria-prima (vantagem importante no caso do ouro), resultava num efeito dramático de claro-escuro. A habitual combinação com pedras preciosas, tanto engastadas como enfiadas em pendentes finais, é outro aspecto a destacar nestes exemplares de brincos com fecho de gancho.
Na Lusitânia, este modelo está representado pelos exemplares do já referido Tesouro da Borralheira ou pelos conhecidos brincos da colecção do Museu de Mérida. Neste caso, o estado de conservação permite admirar um fabuloso resultado técnico.
Os anéis e Ovídio
Os anéis foram a jóia mais difundida pelos romanos, também na Lusitânia. Usados tanto por mulheres como por homens, a riqueza das suas formas, bem como os entalhes que decoravam o cabochão, tornaram-nos uma jóia muito popular. Vale a pena chamar a atenção para um anel em particular, que se encontra guardado no Museu de Évora. Feito em ouro cinzelado, o cabochão apresenta em relevo duas mãos direitas entrelaçadas. Este motivo, conhecido como dextrarum iunctio, refiecte um pacto ou acordo. Estes anéis que ostentam o motivo das mãos entrelaçadas, foram relacionados com os anéis de noivado, dado estarem representados em estelas com figuras de casal com as mãos entrelaçadas. Seriam, portanto, autênticos anéis de noivado.
No início, falava-se da singularidade, enquanto evento histórico, da “Rebelião das Matronas”, mas, ao continuar a aprofundar as fontes latinas, descobre-se que a única obra destinada a uma leitora feminina é justamente um livro de receitas sobre diferentes fórmulas cosméticas, escrito por Públio Ovídio Naso. A sua obra Medicamina faciei feminae (Cosméticos para o rosto feminino), da qual se conservam apenas 100 versos, encontra-se um compêndio de receitas para cuidados do rosto, do cabelo, tratamentos para os sinais de envelhecimento, como rugas ou cabelos grisalhos, com uma descrição pormenorizada dos ingredientes e as proporções a utilizar.
Ovídio escreveu esta obra em resposta a uma necessidade do seu tempo, tal como o eram a paixão pelas jóias, perfumes e todos os requintes que o Mediterrâneo colocava à disposição de Roma. Ovídio incentivava assim a leitora no início da obra: “Vós quereis cobrir o corpo com vestidos bordados a ouro, desejais mudar o penteado dos vossos cabelos perfumados, quereis ter mãos que chamem a atenção pelas suas gemas, usais ao pescoço pedras preciosas trazidas do Oriente e tão grandes que é difícil para uma orelha suportar o peso de duas. E não é coisa indigna” (Ovid. Medic. 17-24).
Neste fresco de Pompeia, atribuído ao século I d.C. e que ornamentava uma residência particular, representa-se uma jovem a ser penteada em frente da mãe por uma ornatrix, uma escrava especializada nesta tarefa que exigia um período de aprendizagem. Fotografia de Bridgeman/ACI.
Recordemos que, além dos ornamenta, o mundus muliebris, os objectos e produtos do toucador, aproximam-nos de uma área relativamente desconhecida, mas muito rica do ponto de vista material que abrangiam desde colheres e espátulas de osso, passando por espelhos, removedores, instrumentos de bronze, partilhados com a farmacopeia e a medicina, até perfumes esplêndidos e delicados, guardados em recipientes não menos preciosos, à altura da substância que guardavam. E, de novo e pela última vez, regressamos a Lúcio Cornélio Bocco e à exploração de cristal de rocha na cidade de Ammaia. Plínio escreveu: “Cornélio Bocco conta também que nas montanhas de Ammaia, na Lusitânia, quando se cavam poços até ao nível da água, aparecem cristais de um peso absolutamente extraordinário” (Plin. 37.24). Neste quartzo cristalino, eram esculpidas pequenas peças, fiéis à tradição da arte das Pedras Duras, anforiscos e unguentários que conservavam essências, perfumes e substâncias aromáticas que mal conseguimos intuir passados tantos séculos.