Diz-se que Dolly Parton proferiu a frase “quanto mais alto o cabelo, mais perto de Deus”, mas o rei Luís XIV poderá ter partilhado os seus sentimentos cerca de 300 anos antes. O rei francês, famoso pelo seu estilo ostensivo, usava perucas com longos caracóis e vários os homens de todo o continente europeu – desde reis a plebeus – seguiram o seu exemplo.

Cobrindo a cabeça

As perucas já existiam há milénios na Europa e no Mediterrâneo, muito antes do reinado de Luís XIV. Algumas das perucas mais antigas da história foram usadas pela elite do antigo Egipto, tanto na vida como na morte. Foram encontradas perucas na cabeça de múmias e túmulos antigos continham caixas de perucas juntamente com outros objectos pessoais.

Na Grécia antiga, as perucas eram maioritariamente usadas por actores em peças de teatro. Alguns romanos usavam perucas como acessório de moda e as mulheres abastadas preferiam o cabelo loiro importado da Alemanha. Na Idade Média, a igreja desincentivou o uso de perucas, apelando a penteados mais simples, tanto nos homens como nas mulheres.

As atitudes em relação às perucas mudaram drasticamente durante o reinado de Isabel I de Inglaterra (1558-1603). À medida que envelhecia, a rainha escondia o seu cabelo, cada vez mais fino, com uma colecção de mais de 80 perucas ruivas. Uma das primeiras vezes que o termo inglês arcaico para peruca, periwig, derivado do francês perruque, apareceu escrito foi na década de 1590, numa das primeiras peças de William Shakespeare, Os Dois Cavalheiros de Verona.

Algumas das perucas mais antigas da história foram utilizadas pela elite do antigo Egipto, tanto na vida como na morte.

Estas origens inglesas dariam lugar ao domínio francês em meados do século XVII, quando o rei de França ficou prematuramente calvo em 1624, aos 23 anos. Antes de perder o cabelo, Luís XIII usara o seu longo e luxuriante cabelo natural, sinal de saúde e virilidade. O cabelo ralo e a calvície eram associados a doença, talvez porque os doentes com sífilis eram “tratados” com mercúrio, cujos efeitos tóxicos incluíam queda de cabelo. Para criar a aparência de cabelos longos, a peruca do rei foi concebida com três bocados de cabelo unidos. Uma vez adoptadas por Luís XIII, as perucas popularizaram-se entre a elite da corte como símbolo de estatuto.

carlos ii
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Após o seu exílio, Carlos II, representado num busto de 1684, regressou a Inglaterra vestido à moda francesa, incluindo grandes perucas.

Mechas e capachinhos

Luís XIII pode ter iniciado a tendência, mas o seu sucessor, Luís XIV, levou-a a novas alturas. O rei de quatro anos sucedeu ao seu pai em 1643, quando a capital europeia da moda era Madrid. A preferência espanhola por vestuário elegantemente escuro e austero dominava a Europa.

À medida que ia crescendo, Luís XIV usou o seu cabelo castanho em longos caracóis. Antes de começar a ficar calvo, suplementou o seu cabelo natural com extensões para lhe dar mais volume. À semelhança do seu pai, começou a perder o cabelo e a usar perucas mais regularmente para disfarçar a sua condição. Quando tinha 30 e poucos anos, Luís XIV deixou-se de meias medidas e usou uma peruca completa, cheia de caracóis bem definidos, concebida especialmente para o rei pelo seu barbeiro pessoal, Benoît Binet.

O rei tinha 48 peruqueiros no seu séquito. Eles trouxeram inovação a esta arte unindo mechas de cabelo com nós e entrelaçando-as em padrões complexos com fios de seda que criavam um efeito de madeixas fluidas. Tiras entrançadas eram cosidas a toucas têxteis moldadas à cabeça de cada utilizador. A peruca completa e pesada popularizada por Luís XIV foi uma criação deveras trabalhosa que exigiu o cabelo de cerca de 10 cabeças humanas.

O rei popularizou os sapatos com saltos vermelhos
ALBUM

Dos pés à cabeça: A extravagância de Luís XIV não se ficava pelo seu cabelo – estendia-se até aos pés. O rei popularizou os sapatos com saltos vermelhos, como se pode ver nesta reprodução de um par seu. Na França do século XVII, a tinta vermelha era cara. A sua utilização proclamava opulência e majestade.

A loucura da moda masculina

A corte de Luís XIV começou a dominar a moda da elite europeia. França estava a crescer em força económica e militar, eclipsando Espanha, a antiga grande potência da Europa. Conhecido como Roi Soleil (Rei Sol) pela magnificência das suas modas, Luís XIV transformou a peruca num acessório essencial tanto para homens como mulheres na sua corte. Aplicou o mesmo grau de exigência que impunha aos seus peruqueiros a todas as áreas do gosto e da tecnologia.

O gosto de Luís XIV por perucas espalhou-se muito para além das fronteiras de França, chegando às cortes reais de toda a Europa e tornando-se um acessório habitual da nobreza europeia. Quando Carlos II regressou ao seu trono a Inglaterra em 1660, após um longo exílio em França, levou consigo a moda francesa, incluindo grandes perucas com madeixas fluidas. Alegadamente, Carlos apreciava as perucas não para ocultar a calvície, mas outro sinal de envelhecimento: o cabelo grisalho. Por volta desta altura a palavra “bigwig” popularizou-se em Inglaterra, devido ao consumo ostensivo dos ricos. Os clientes abastados gastavam até 800 xelins numa peruca. (Se adaptarmos este valor à inflação actual, aquela peruca custaria hoje cerca de 9.500 euros.)

carlos ii
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Após o seu exílio, Carlos II, representado num busto de 1684, regressou a Inglaterra vestido à moda francesa, incluindo grandes perucas.

Cabeças pesadas

As perucas poderiam estar no auge da moda, mas acarretavam bastantes problemas para quem as usava. Os homens tinham de aprender como lidar com as perucas na corte. Segurar a peruca enquanto fazia uma vénia, por exemplo, para impedi-la de cair sobre o rosto era essencial. As perucas completas poderiam ser opressivamente quentes e pesavam cerca de 1,5 quilos. E como a iluminação interior era providenciada por velas, as perucas poderiam facilmente pegar fogo.

Havia superstições associadas às perucas. Durante a Grande Peste que assolou Londres em 1665 e 1666, as pessoas tiveram receio que os peruqueiros usassem o cabelo dos mortos. O diarista londrino Samuel Pepys teve dúvidas em relação a uma peruca que comprou em 1665 “porque a peste estava em Westminster quando a comprei.” Por fim, decidiu que se passara tempo suficiente desde a sua aquisição para poder usá-la em segurança.

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WELLCOME COLLECTION

Clientes experimentam perucas num barbeiro numa gravura de Thomas Rowlandson, do século XVIII.

Preços elevados

Uma vez chegadas à corte, as perucas tornaram-se de rigueur entre grupos profissionais de estatuto elevado como juízes, sacerdotes, financeiros, mercadores, lojistas, artesões prestigiados, serviçais domésticos respeitáveis e os próprios cabeleireiros que faziam e cuidavam das perucas. Para fazer face à procura crescente, o número de mestres peruqueiros aumentou loucamente em França durante o reinado de Luís XIV. Em Paris, o seu número subiu de 200 em 1673 para 945 em 1771. Nas províncias, peruqueiros itinerantes viajavam pelo país e, para grande consternação das classes altas, as pessoas comuns também começaram a usar perucas.

O cabelo encontrava-se no epicentro da economia das perucas. As perucas mais caras usavam cabelo feminino, devido ao seu comprimento e porque se acreditava que era de melhor qualidade do que o masculino. Nas feiras, comerciantes compravam cabelo a camponesas. O cabelo louro ou prateado era particularmente procurado, seguido pelo preto. O cabelo naturalmente encaracolado era o mais valioso de todos. Com tantas perucas para fazer, os artesões franceses compravam cabelo em toda a Europa. Em Inglaterra, foram escritos textos em defesa do cabelo humano nacional, que competia com o cabelo continental e também com o pêlo de cavalo (da crina) ou pêlo de cabra – para fabricar perucas mais baratas.

As grandes cabeleiras saem de moda

A morte de Luís XIV em 1715 anunciou o fim da loucura das grandes perucas. Quando Luís XV atingiu a maioridade, preferiu estilos mais simples na sua corte. Retratos do novo rei mostram-no com o cabelo empoeirado: alguns caracóis emolduram-lhe a face e o resto do cabelo está puxado para trás e preso num rabo-de-cavalo baixo.

As profundas alterações sociais ocorridas no final do século XVIII decretaram o fim da moda das perucas. No imaginário popular, as perucas estavam associadas aos excessos do antigo regime francês, sobretudo as perucas altíssimas associadas a Maria Antonieta e à corte de Luís XVI, que estiveram na origem à revolução francesa.

À semelhança do próprio Napoleão, os homens preocupados com a moda começaram a rejeitar as perucas. Algumas profissões, porém, ainda permitiam o seu uso. Embora os aristocratas já não as usassem, os seus empregados faziam-no. Em Inglaterra, os juízes continuaram a usar perucas como símbolo do seu papel oficial. Esse costume permanece até hoje: nos casos criminais, os juízes ingleses usam perucas com cortes mais curtos de lado e um pedaço mais comprido atrás.

COMENTÁRIO ACUTILANTE

Em 1761, o artista e sátiro inglês William Hogarth fez troça das perucas excêntricas usas na coroação do rei inglês George III e da rainha Charlotte na sua gravura “The Five Orders of Periwigs”. Imitando as cinco ordens da arquitectura clássica, Hogarth organizou as perucas e aqueles que as usavam em cinco categorias: Episcopal, Old Peerian, Aldermanic, Lexonic e Queerinthian. Cada uma das suas descrições pormenorizadas, escritas ao estilo de um tratado arquitectónico contemporâneo, satiriza as divisões da sociedade britânica, bem como a forma como acolheram as perucas pomposas e frequentemente absurdas.

OK
SCALA, FLORENCE

Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.