Tudo começou como um movimento de contracultura em 2001.

Depois de vários anos de estudos na Academia de Belas-Artes de Kinshasa, seguindo os conselhos dos professores sobre a forma de criarem obras de arte com materiais “adequados” como resina e gesso, alguns alunos da República Democrática do Congo (RDC) decidiram fazer algo diferente. Criaram arte com o que existia à sua volta, incluindo pneus, tubos de escape, espuma, garrafas de plástico, antenas, latas de leite ou tinta, penas, CD, chinelos de borracha e outros objectos descartados. Esta obra, na opinião dos artistas, pareceria familiar a um público congolês e abordaria um aspecto incómodo da vida congolesa: os resíduos. Resíduos gerados localmente pelos cidadãos. Resíduos provenientes de países hiperconsumistas. Resíduos criados pela extracção interminável de recursos da RDC ou da sua voraz recolecção acima do solo.

Em Kinshasa, as sarjetas estão a abarrotar de garrafas de plástico não-recicladas. Os mercados apresentam-se cheios de peças em segunda e terceira mão, refugo de países ricos e, cada vez mais, da China. Em zonas onde as empresas internacionais extraem cobalto (um componente precioso para as baterias de smartphones), descargas frequentes poluem sistemas fluviais e contaminam a vida em redor.

Ao reutilizarem resíduos para criarem esculturas e arte performativa, os artistas pretendiam reforçar a sensibilização do público para uma situação de emergência. Em 2015, construíram os alicerces de um colectivo para institucionalizar a arte: Ndaku Ya Life Is Beautiful, liderado por Eddy Ekete. Artista e activista social nascido em Kinshasa, Eddy também fundou o festival KinAct, uma exposição anual das criações mais provocatórias. Cada vez mais, os resíduos proporcionam aos artistas oportunidades para comentarem questões tensas de natureza sociopolítica.

Robot Annonce, uma escultura-fato criada por Jared Kalenga, é feito de peças de rádio avariadas e pretende sensibilizar para o alcance cada vez maior das notícias falsas. Femme Électrique, a criação de Falonne Mambu, feita com fios eléctricos, tem uma dupla finalidade. Aborda a escassez de energia eléctrica na RDC e, em simultâneo, aquilo que acontece no escuro: agressões sexuais e raptos. Para esta obra, Mambu inspirou-se em períodos da sua vida em que não tinha casa.

Estes criadores com consciência social transformam refugo em arte de protesto e “estão a explorar os limites”, comenta Yvon Edoumou, fundador da Galerie Malabo, em Kinshasa. “Não costumamos ver muito disso.”