O papel que Watt desempenhou nas aplicações mecânicas das potencialidades do vapor apenas pode ser comparado ao de Newton na astronomia e ao de Shakespeare na poesia.” Assim definia o francês E. M. Bataille, no seu Traité des machines à vapeur (1847), a figura do escocês James Watt, a quem a História reconhece como o inventor da máquina de vapor e, consequentemente, um dos impulsionadores da Revolução Industrial que abriria a civilização ocidental a um mundo novo.
Watt nasceu em Greenock, na Escócia, no dia 19 de Janeiro de 1736. A sua delicada saúde impedia-o de comparecer na escola com assiduidade, pelo que foram os pais, James Watt e Agnes Muirhead, que se encarregaram da sua formação até à adolescência. A morte da mãe, em 1753, e a precária situação económica do pai, levaram-no, em 1754, a ser acolhido por familiares maternos na cidade de Glasgow. Ali chegado, entrou ao serviço de um óptico, enquanto um amigo comum o punha em contacto com John Anderson, um jovem professor de Física da universidade da mesma cidade, que, maravilhado com o seu profundo domínio da matemática, lhe sugeriu que fosse para Londres, a fim de poder aprofundar os seus conhecimentos.
De Londres a Glasgow
Assim o fez, e, em Junho de 1755, chegou à capital britânica, onde prosseguiu os seus estudos e conseguiu um emprego no grémio de relojoeiros e outros instrumentos de precisão. Um ano depois, regressou a Glasgow com o propósito de abrir um negócio próprio, mas a restritiva legislação do momento impediu-o, uma vez que não completara ainda os sete anos de aprendizagem exigidos pelo grémio para que se pudesse instalar por conta própria.
A máquina de expansão. James Watt melhorou a máquina atmosférica, ao dar-se conta de que o vapor era uma reserva de calor muito maior do que a água e que, portanto, se limitasse as perdas de temperatura produzidas na máquina de Newcomen, diminuiria o seu enorme consumo de combustível e aumentaria a sua eficiência.
No entanto, a sorte, sorriu-lhe. A Universidade Glasgow recebeu a doação de uma série de instrumentos astronómicos da parte de um comerciante jamaicano, chamado Alexander MacFarlane. O professor John Dick confiou-lhe, então, a tarefa de os reparar e, satisfeito com o resultado, fez com que a universidade o contratasse, em 1757, permitindo-lhe abrir uma oficina nas suas instalações.
Alguns anos depois, e já sem impedimentos legais, em 1759, Watt abriu uma oficina na cidade. Cinco anos mais tarde, em 1764, casou-se com a sua prima Margaret Miller, com a qual teve cinco filhos e de quem ficou viúvo em 1772. Posteriormente, em 1777, casou-se com Anne MacGregor, que lhe deu mais dois filhos. Entretanto, o negócio alcançara tanto sucesso que, em 1765, contava já com dezasseis funcionários, um número considerável para a época numa oficina com aquelas características. Aparentemente, naquela altura, chegou à sua oficina uma máquina de vapor atmosférica, utilizada para extrair a água das minas de carvão e estanho, inventada em 1712 por um ferreiro chamado Thomas Newcomen. A máquina de Newcomen gerava vapor de água graças ao calor do fogo produzido pela combustão de carvão ou madeira, mas arrefecia com demasiada rapidez, pelo que não conseguia gerar a quantidade suficiente de energia mecânica, e, por outro lado, requeria uma significativa quantidade de combustível.
A máquina de vapor
Apesar do sucesso da sua oficina, Watt queria abrir-se a novos horizontes e abandonou Glasgow, mudando-se para Birmingham (1775), onde se associou a Matthew Boulton, um empresário da cidade, proprietário de um negócio chamado Soho Engineering Works, com quem estabeleceu uma ligação empresarial que se manteria durante toda a sua vida. Estando em Birmingham, começou a frequentar as reuniões da Sociedade Lunar, o que lhe facilitou o contacto com poderosos industriais e homens de ciência da época, e onde nasceu o impulso definitivo para encontrar a fórmula perfeita que lhe permitiria construir a sua célebre máquina de vapor.
A bomba atmosférica. A partir da que tinha sido inventada por Thomas Savery em 1698, em 1712 Thomas Newcomen deu a conhecer a máquina que tem o seu nome. Baseava-se na bomba atmosférica, cujo funcionamento partia da criação de vácuo num depósito, através do arrefecimento de vapor de água. O seu problema era ter de aquecer e voltar a arrefecer esse depósito, o que implicava uma enorme perda de energia (Institute of Human Thermodynamics).
Watt já estudava há anos as potencialidades do vapor. De facto, aperfeiçoara a máquina de Newcomen, mas o resultado final não o satisfazia, porque, depois de três ou quatro saídas de vapor, deixava de funcionar. A solução definitiva chegou em 1765. Nas suas memórias, Watt escreveu: “Passeava pelo parque de Glasgow, numa esplêndida tarde de sábado. (...) De repente, a ideia veio-me à cabeça: como o vapor era um corpo elástico, precipitar-se-ia num vazio, e, se se fizesse comunicar o cilindro com um depósito vazio, precipitar-se-ia para o seu interior e ali condensar-se-ia sem arrefecer o cilindro. Compreendi, então, que conseguiria separar o vapor condensado e a água de injecção se utilizasse um jacto como o da máquina de Newcomen”. Experimentou várias vezes este princípio até patentear, em 1769, em associação com John Roebuck, a máquina de vapor com o condensador separado.
A patente previa um período inicial de 14 anos de exploração, mas foi de tal forma o sucesso ao descobrirem-se as suas possibilidades de utilização, que aumentou para os trinta anos, garantindo o monopólio da sua construção à empresa Boulton & Watt, fundada em 1775, após Roebuck ter transferido para Matthew Boulton os seus direitos sobre a patente.
A partir daí, a Boulton & Watt assumiu grande importância, graças aos inúmeros pedidos para fabricar máquinas de vapor, vindos de todas as latitudes. O volume de negócio foi tal que, em 1785, foi reconhecida pela Royal Society.
Outros contributos para a ciência
À máquina de vapor seguiram-se novos engenhos destinados a aperfeiçoar cada vez mais a máquina inicial. Graças à patente, Watt e Boulton puderam desenvolver outras iniciativas ligadas à sua utilização, como a locomoção. Posteriormente, aperfeiçoaram o seu invento até conseguirem a máquina de dupla acção, cujos pistões subiam e desciam alternadamente e que patentearam em 1782. A esta seguiu-se pouco depois o regulador de força centrífuga para o controlo automático do engenho e o paralelogramo articulado, uma série de propulsores conectados que guiavam o movimento do pistão.
Em 1784, Watt patenteou também a carruagem a vapor, mas abandonou o projecto por considerá-lo inviável naquele momento.
A sociedade lunar
Para a trajectória de James Watt foi fundamental o contacto com outros cientistas na Sociedade Lunar, uma entidade de discussão e partilha de conhecimentos formada em Birmingham, em 1765. A Sociedade Lunar de Birmingham começou por ser mais um dos muitos clubes privados britânicos do século XVIII. No entanto, distinguiu-se do resto dos seus homólogos, em que os seus membros tinham em comum o interesse pela ciência. Desenvolveu a sua actividade entre 1765 e 1813, primeiro com o nome de Lunar Circle e, a partir de 1775, como Lunar Society. O nome surgiu do facto de que todas as suas reuniões ocorrerem em noites de Lua cheia, quando a quantidade de luz nocturna garantia aos seus membros maior segurança no regresso a casa. Habitualmente, as reuniões tinham lugar na Soho House, propriedade do empresário Matthew Boulton. Os seus associados eram intelectuais, pensadores ou industriais do movimento iluminista das Midlands. Entre eles encontrava-se, para além de James Watt, ou o próprio Matthew Boulton, o médico e pensador Erasmus Darwin, o inventor Richard Lovell Edgeworth, o químico James Keir, os naturalistas Joseph Priestley e William Small, o industrial Josiah Wedgwood ou o relojoeiro e inventor John Whiteh rst. Ocasionalmente, assistiam convidados como o geólogo francês Barthélemy Faujas de Saint-Fond, o astrónomo William Herschel, o químico Antoine Lavoisier ou Franklin. Na imagem, estátua comemorativa em Birmingham (1956).
1. James Watt, Segurando os planos, é representado com uma régua de cálculo, uma vez que se encarregou do fabrico padronizado.
2. Matthew Boulton, O empresário, que herdou um negócio têxtil, associou-se a Watt e viabilizou a construção da máquina de vapor.
3. William Murdoch, Engenheiro e sócio da Boulton & Watt, é-lhe atribuída a invenção do motor de vapor de cilindro oscilante.
A verdade é que James Watt tinha dúvidas em relação à eficácia da diversificação das actividades da empresa e, provavelmente, nem sequer vislumbrava as possibilidades de negócios futuros que o seu invento poderia proporcionar. Daí que se tenha dedicado a explorar novos campos, oferecendo outros contributos para a ciência.
Assim, além da máquina de vapor, descobriu o calor latente e a composição da água, que, até então, se acreditava que era um único elemento, por hidrogénio e oxigénio; estabeleceu o cavalo de vapor como unidade de potência; e criou uma máquina para desenhar em perspectiva, outra para copiar documentos e uma terceira para a reprodução de estátuas em tamanho real. E, acima de tudo, criou o indicador de vapor, um dispositivo para medir a pressão no interior do cilindro, que deu nome ao “diagrama do indicador” e outras variáveis relacionadas – indicação de pressão, nível ideal de trabalho indicado, desempenho, etc. – que se utilizaram para definir os ciclos termodinâmicos no interior das máquinas alternadas de êmbolo de combustão externa, como a própria máquina de vapor, ou de combustão interna, como os motores de explosão.
Propôs também a hélice como elemento de propulsão dos navios a vapor, uma solução que se impôs depois da roda de pás. No entanto, não aceitou intervir na construção de um motor a vapor para impulsionar as rodas de pás de um navio.
Alguns anos mais tarde, William Symington construiu o primeiro navio a vapor europeu, com um enorme sucesso. Em 1807, a Boulton & Watt, na altura a cargo dos filhos dos fundadores da marca, interveio na construção do motor de Robert Fulton para o Clermont, o navio a vapor que navegou 240 km do rio Hudson, entre Nova Iorque e Albany. Da mesma forma, não aceitou intervir na proposta de William Murdoch, um funcionário da empresa e colaborador de Watt, para construir a locomotiva a vapor que desenhara.
O fim da sociedade. Os distúrbios de Priestley de 1791, em Birmingham, provocaram a queda definitiva do espírito e das actividades da sociedade. O próprio Joseph Priestley foi expulso da cidade, a casa de William Withering foi invadida pelos desordeiros e Matthew Boulton e James Watt tiveram de armar os seus funcionários para proteger a Soho Engineering Works. Nos anos seguintes, as reuniões “lunares” tentaram continuar a unir agora a geração mais jovem das famílias dos anteriores membros, sem grande sucesso. Em Agosto de 1813, a Sociedade foi dissolvida. Riots in Birmingham, 1791, numa gravura contemporânea anónima.
Watt era extremamente zeloso das suas patentes. De facto, eram tão amplas e até ambíguas, que poderiam abarcar um largo espectro de engenhos. Muitos autores consideram que a atitude de Watt e, concretamente, a sua firme recusa em permitir a exploração do condensador separado, atrasaram o avanço no desenvolvimento da locomoção a vapor e no aperfeiçoamento da própria máquina.
Um nome para a história
Em 1800, James Watt era já um homem rico. Expirada a patente da sua máquina de vapor, abandonou a vida activa e deixou o negócio nas mãos dos filhos. O mesmo fez Boulton. Em 1806, formou-se como doutor em Leis pela Universidade de Glasgow e, em 1814, foi nomeado membro da Academia Francesa das Ciências. Anos antes, Watt adquirira uma propriedade com mais de 16 hectares em Heathfield, perto de Birmingham, onde construiu a esplêndida residência de família. Reservou para si o piso superior, instalando ali a sua oficina, onde se dedicou a escrever, estudar línguas, a investigar e a inventar durante os últimos anos da sua vida.
Após a sua morte, ocorrida em 25 de Agosto de 1819, a oficina foi transferida para o Museu da Ciência de Londres. Os restos mortais foram sepultados na Igreja de Santa Maria de Handsworth, nas imediações de Birmingham, a cidade onde passara a maior parte da sua vida. Deixou atrás de si um importante legado criado num momento da história em que o desenvolvimento da ciência e da tecnologia foi fundamental.
Depois da sua morte, multiplicaram-se as homenagens. Em 1824, foi erguida uma estátua em sua memória no complexo da Abadia de Westminster, seguida por outras em Birmingham, Manchester, Greenock e Glasgow. Também foi dado o nome de “watt” ou “vátio” à unidade de potência eléctrica em sua honra. Foi baptizada com o seu apelido uma cratera lunar e o asteróide Jameswatt também mantém viva a sua memória.