Embora se costume dizer que os gregos antigos desprezavam as matérias técnicas, na verdade esta atitude era própria de uma minoria intelectual, não do conjunto da população. Com efeito, há muitos indícios que mostram que a destreza manual e o trabalho especializado eram apreciados e admirados pela maioria dos helenos. Até existia uma categoria de inventores chamados prôtoi heuretaí, “primeiros descobridores”, que eram tidos em grande conta, ao ponto de alguns serem considerados divinos, como no caso de Apolo, o inventor da lira.
Os gregos inventaram muitas técnicas e máquinas. A maioria era de uso prático, sendo utilizadas na construção, na carpintaria, na navegação ou na guerra. Muitas chegaram a ser notavelmente complexas: incorporavam alavancas, rodas, eixos, roldanas e até parafusos, sendo accionadas não só pela força humana ou animal, mas também por energia hidráulica ou ar comprimido. No entanto, a expressão máxima da inventividade grega talvez se encontre em dispositivos que não tinham uma função económica específica, tendo sido idealizados para maravilhar os espectadores com a sua capacidade de se mexerem sozinhos e imitarem as acções de um ser vivo: os autómatos.
O interesse dos gregos por estes mecanismos remonta a tempos muito antigos. Homero, por exemplo, já mencionava os autómatos criados por Hefesto, o deus do fogo e da forja, na Ilíada. Sabemos que existiram obras dedicadas a estas matérias, mas quase todas se perderam, por isso só conhecemos os feitos dos inventores mais antigos através das histórias que se contam.
iStock
Arquimedes de Siracusa, um dos maiores sábios inventores da Grécia Antiga, desenvolveu o seu trabalho na Sicília. Na imagem, o templo da Concórdia, em Agrigento.
É o caso do primeiro inventor documentado, o pitagórico Arquitas de Tarento que, à semelhança de muitos dos grandes inventores gregos, combinou a sua dedicação à matemática teórica com a engenharia entre os séculos IV e III a.C. Para além da invenção do parafuso, atribui-se a Arquitas, o fabrico de uma pomba de madeira que chegou a voar, “suspensa por contrapesos e que se deslocava à base de ar armazenado no seu interior”.
O SÉCULO DAS INVENÇÕES
O século III a.C. foi, sem dúvida, o “grande século das invenções” gregas. Arquimedes, o grande matemático de Siracusa (na Sicília), idealizou sistemas de roldanas para deslocar grandes cargas, o seu famoso parafuso – que facilitava o transporte da água acumulada no fundo das minas até a superfície – e diversos dispositivos de guerra, incluindo poderosas catapultas.
Em Alexandria, Ctesíbio construiu o primeiro órgão hidráulico e o primeiro relógio de água preciso e foi também o primeiro a utilizar a força do ar e da água comprimida nos seus mecanismos, dando assim os primeiros passos no desenvolvimento da hidráulica. Dele derivam muitas das ideias básicas desenvolvidas pelo seu discípulo Fílon de Bizâncio e, mais tarde, por Heron de Alexandria no século I d.C.
Wikimedia Commons
Arquimedes. Retrato a óleo do grande matemático por Domenico Fetti, 1620, Galeria de Pinturas dos Mestres Antigos, Dresden.
Não é por acaso que Ctesíbio, Fílon e Heron desenvolveram a sua actividade em Alexandria. Desde a sua fundação por Alexandre Magno em 332 a.C. que a cidade se converteu na grande capital cultural do Mediterrâneo e atraiu uma longa série de estudiosos que trabalharam nas suas famosas bibliotecas e no museu. Em simultâneo, o ambiente alexandrino teve muito a ver com o interesse destes mesmos cientistas pelo desenvolvimento dos autómatos. Muitos foram criados ex profeso para festas públicas com o objectivo de entreter, surpreender e mostrar a magnificência e poder dos governantes que organizavam os eventos.
ALEXANDRIA, DESTINO DE SÁBIOS
Demétrio de Falero foi um político e filósofo ateniense que se mudou para Alexandria no início do século III a.C., onde se dedicou, entre outras coisas, a organizar procissões que “eram precedidas por um caracol mecânico que se deslocava sozinho e cuspia baba”, segundo um relato do historiadorPolíbio (embora alguns interpretem que cuspia água perfumada). O rei Ptolomeu II Filadelfo organizou um grande desfile dionisíaco em Alexandria, no qual, segundo Ateneu, participaram, ricamente vestidos às custas do rei, cortejos de silenos, sátiros, vitórias com asas de ouro, crianças com incenso e mirra, bacantes… e um autómato que representava Nisa, a ninfa que amamentou Dioniso, sentada num carro.
A figura, com cerca de dois metros de altura, estava “revestida com uma túnica amarela bordada a ouro e envolta num manto lacónio. Punha-se em pé mecanicamente, sem que ninguém a segurasse com as mãos e, depois de fazer uma libação de leite com uma pátera de ouro, sentava-se novamente. Segurava um tirso atado com ligaduras na mão esquerda e usava uma coroa de folhas de hera em ouro e cachos de pedras preciosas muito valiosos”.
Wikimedia Commons
Capa do tratado sobre autómatos de Heron de Alexandria. 1589.
Tal como muitos outros sábios, Ctesíbio também idealizou dispositivos mecânicos destinados aos espectáculos públicos. Mais especificamente, atribui-se-lhe o fabrico de um ritão – um recipiente ritual para libações – que representava o deus egípcio Bes e emitia um som de trombeta ao ser aberto. Foi-lhe encomendado pelo almirante Calícrates, que pertencia ao círculo ptolemaico, e estava depositado como oferenda no templo de Arsínoe-Afrodita, perto de Alexandria. Contudo, quem nos deixou mais destas invenções espectaculares foi Heron de Alexandria, considerado o inventor por excelência da história grega.
AS CRIAÇÕES DE HERON
Não nos chegou muita informação sobre a vida de Heron. Só sabemos que nasceu em Alexandria e que alguns manuscritos lhe dão a alcunha de mechanikós, termo que se aplica a pessoas astutas, engenhosas ou com talento para inventar ou construir instrumentos para determinado fim. Até a sua época foi discutida, embora hoje se considere, de forma praticamente unânime, que viveu em meados do século I d.C.
Matemático e engenheiro como os seus predecessores, Heron não foi um grande criador. Reconhecendo a sua dívida para com aqueles que vieram antes dele, escreveu no prólogo da sua Pneumática “que é preciso ordenar aquilo que os antigos nos transmitiram e acrescentar aquilo que nós próprios descobrimos”. Escreveu tratados de teor prático sobre instrumentos, como o dedicado à dioptra – um instrumento utilizado para medir distâncias angulares em topografia e astronomia – ou a construção de máquinas de tiro. No entanto, os mais recordados hoje em dia são os que dedicou à pneumática e à construção de autómatos, nos quais descreveu diversos mecanismos por si idealizados ou aperfeiçoados a partir de modelos anteriores.
Wikimedia Commons
Aves canoras accionadas por um pistão a vapor. Página de uma cópia da Pneumática de Heron. Biblioteca Marciana, Veneza.
Muitos pretendiam causar surpresa e assombro nos espectadores, razão pela qual Heron tinha o cuidado de esconder o mecanismo. Como já dizia Aristóteles, na sua Mecânica, “os artesãos […] fabricam o instrumento ocultando o seu princípio para que se veja apenas a parte admirável do mecanismo, enquanto a causa permanece invisível”. Heron tinha muita consciência do efeito surpresa.
Num dos seus tratados escreveu: “Temos, necessariamente, de usar as medidas indicadas, pois se forem maiores, haverá suspeitas de que há alguém lá dentro a mexê-lo. Por isso, tanto nos autómatos fixos como nos que caminham, há que ter cuidado com os tamanhos, por causa das suspeitas”.
Wikimedia Commons
Medeia assiste à morte do gigante de bronze Talos, vencido por Castor e Pólux, nesta cena reproduzida numa cratera ática.
Entre os seus projectos encontramos “ritões mágicos” dos quais jorrava água, vinho ou uma mistura de ambos, aves que emitem os seus trinados quando se aproximam para beber, ou jarros que “cantam” quando se enchem. Heron desenhou um método para que a abertura da porta de um templo fizesse soar uma trombeta e um sistema para abrir automaticamente as portas de um templo quando o sacerdote pegasse fogo a um altar para fazer um sacrifício; quando o fogo se apagava, as portas fechavam-se. Até idealizou uma espécie de “slot machine”: uma vasilha que deixava fluir a água para as abluções quando recebia uma moeda.
brinquedos SOFISTICADOS
Alguns investigadores pensam que todas as invenções de Heron tinham uma função religiosa, mas o ritão do qual jorrava ora água, ora vinho, parece uma brincadeira pouco piedosa e ter que pagar pela água das abluções raia o desrespeitoso. Quanto às “portas automáticas” dos templos, é impensável que o mecanismo tenha sido idealizado para portas e edifícios de verdade. Com efeito, Heron não fala em “templos” (naoí), mas em “maquetas de templos” ou “templos pequeninos” (naískoi).
Cordon Press
Autómatos accionados por água corrente numa forja desenhada por Heron.
Podemos supor que as peças descritas por Heron foram concebidas para imitar os grandes autómatos que se viam nos eventos públicos patrocinados pelos governantes: eram encomendadas por personagens das classes abastadas que queriam exibi-las perante os seus convidados num banquete. Como só seriam vistas por grupos pequenos, as peças não deveriam ser grandes e poderiam ser mecanismos delicados e com proporções agradáveis à vista.
Tal como os grandes autómatos das procissões, deveriam despertar assombro nos espectadores e sublinhar a magnificência do dono da casa. Eram, portanto, de certo modo, brinquedos, mas brinquedos extremamente sofisticados, ilustrativos do extraordinário nível alcançado pelos gregos na mecânica, hidráulica e no artesanato de alta precisão.