Há quatro mil anos, os europeus já construíam os primeiros assentamentos urbanos, praticavam comércio de longa distância, estabeleciam hierarquias sociais e disputavam recursos, guerreando-se se preciso fosse. Tudo se torna mais claro: a sociedade que hoje conhecemos surgiu na Idade do Bronze.

Os vencidos da batalha travada junto do rio jazem num núcleo de exposições do Castelo de Wiligrad, perto da cidade alemã de Schwerin. Trata-se de uma ampla sala do primeiro piso, com quatro janelas, dois miradouros, estantes metálicas, mesas alinhadas e, por todo o lado, ossadas humanas – os restos mortais de um exército de guerreiros da Idade do Bronze.

Dezenas de crânios com as suas calotas vazias, maxilares com dentaduras assombrosamente brancas, fémures, tíbias, ossos pélvicos, omoplatas e clavículas. Juntamente com cada peça recuperada, uma saqueta de plástico com a legenda “Museu Arqueológico do Land de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental” e, acrescentados a lápis, pormenores descritivos tais como “145 – costela direita com lesão incisa recente (possivelmente de arma branca)”.

A vítima deve ter recebido uma cutilada no tórax que provavelmente lhe provocou morte rápida. Tão rápida como a do jovem morto por uma flecha que lhe atravessou a região occipital. A ponta de bronze ainda hoje se encontra alojada no seu crânio: por fora, sobressai o casquilho da haste e por dentro é possível perceber que o metal penetrou bem fundo no seu cérebro.

“Não”, diz Ute Brinker, “não tenho pesadelos”. A sua colega Annemarie Schramm nega com a cabeça, divertida. Que pergunta! Nenhuma das duas conseguiria dedicar-se à osteoarqueologia se as provas de uma morte violenta provocassem apreensão. Em pelo menos 65 casos, documentaram feridas que não chegaram a cicatrizar, quase todas causadas por flechas, juntando-se-lhes outras 27 lesões já curadas. Restos mortais pertencentes a guerreiros que, há 3.300 anos, morreram combatendo num vau fluvial e que, ao longo de várias campanhas de investigação, arqueólogos e mergulhadores têm recuperado no vale pantanoso de Tollense e no fundo do rio do mesmo nome, próximo da localidade de Weltzin, no land alemão de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental.

Vestígios de uma grande batalha: será que o maxilar encaixa no crânio? O quebra-cabeças anatómico que tentam resolver as arqueólogas Ute Brinker (à esquerda) e Annemarie Schramm no Castelo de Wiligrad, na Alemanha, é composto por milhares de peças. 

Aqueles homens viveram e morreram num período hoje conhecido como Idade do Bronze. Com esta liga metálica de cobre e estanho, fabricavam-se armas, ferramentas e jóias. Ao acrescentar-se estanho ao cobre, o metal resultante tornava-se mais resistente. Na Europa de há quatro mil anos não faltavam minas de cobre. Em contrapartida, as jazidas de estanho eram escassas. Quem desejasse fabricar e utilizar o bronze precisava de integrar-se numa rede comercial que unia lugares tão distantes como o mar Báltico e o Egipto, ou a Grã-Bretanha e os Cárpatos.

Esse comércio de longa distância revolucionou a Europa. As antigas sociedades isoladas e igualitárias abriram as portas à hierarquização social. Em breve passaram a existir a riqueza e a pobreza, a nobreza e o vulgo. Surgiram os precursores dos impostos, as alfândegas e os meios de pagamento.


 

“Na minha opinião, ali surgiu a sociedade tal como hoje a conhecemos”, afirma François Bertemes, historiador da Universidade Martinho Lutero de Halle-Wittenberg, cujas investigações se centram nas primeiras sociedades complexas, na metalurgia precoce e na história cultural do terceiro e do segundo milénio antes de Cristo da Europa Central, do Sudeste e do Egeu. “Sem hierarquias sólidas, sem diferenciação nem especialização, as populações da Idade do Bronze não teriam sido competitivas.” Durante muito tempo a historiografia deu por garantido que tamanha complexidade social era exclusiva das civilizações do Próximo Oriente. A expressão ex oriente lux sintetizava a expansão paulatina da civilização rumo a um norte supostamente bárbaro. Na realidade, porém, na Europa, essa luz já brilhava muito antes do que se pensava. Actualmente, os arqueólogos procuram, em diferentes lugares de um território que vai da Dinamarca à Roménia, provas daquelas mudanças, sabendo-se já que as comunidades da Idade do Bronze construíram, no mínimo, assentamentos que nada ficavam a dever às metrópoles orientais.

A PRINCESA DE OECHLITZ” Até 1400 a.C., viveu-se um período de prosperidade na região de Halle (actual Alemanha). Desse período, dá testemunho, entre outros objectos, a valiosa coroa desta mulher cujo esqueleto foi exumado em Oechlitz.

Os achados imprevistos feitos no vale do Tollense permitem avaliar com outros olhos o Bronze da Europa Central. “Imagine”, pede, em Schwerin, o arqueólogo Detlef Jantzen, sob cuja supervisão foram exumadas e analisadas as ossadas. “Estamos possivelmente a falar de quatro mil homens em combate. Dois exércitos disputando entre si o controlo de um entreposto de comunicações, uma passagem por onde se podia conquistar um vale que, até então, era quase intransponível.”

A estimativa do número de guerreiros feita por Detlef é impressionante. “Até à data, escavámos uma décima parte do campo de batalha”, explica. “Nesta superfície, pereceram pelo menos 77 pessoas. E se aceitarmos o facto de que sucumbiu aproximadamente uma quinta parte dos combatentes, como era habitual nas guerras travadas com arco e flecha, podemos vislumbrar a ordem de grandeza de que estamos a falar.” Portanto, é bem possível que nesta contenda morressem cerca de oitocentos guerreiros, pertencentes a exércitos muito numerosos, armados até aos dentes e decididos a tudo. “Foi uma guerra em toda a linha.”

Guerra: até há pouco, os historiadores consideravam-na exclusiva das civilizações avançadas. As primeiras grandes batalhas aconteceram no Oriente, em Megido (1457 a.C.) e Qadesh (1274 a.C.), onde os faraós egípcios defrontaram impérios e monarquias rivais. Mas a batalha do Tollense, travada cerca de 1250 a.C., teve uma dimensão semelhante. O casus belli foi um vau fluvial cujo controlo deveria representar já grande relevância desde a alvorada da Idade do Bronze.

Um pouco mais a leste, onde hoje fica a Polónia, foi então fundado um povoado que viria a transformar-se numa importante encruzilhada comercial sobre um promontório situado junto de um lago. Os seus habitantes escavaram um fosso de água e ergueram aterros com paliçadas, por detrás das quais edificaram oito a dez casas comunais – construções características da cultura de Únětice, que então dominava a região localizada entre os rios Werra e Vístula. Os investigadores deram a este assentamento o nome de Bruszczewo, uma povoação situada nas imediações, satélite da cidade polaca de Poznań.

Bruszczewo

O sítio arqueológico de Bruszczewo, perto de Poznań, é um dos assentamentos mais bem estudados do Bronze Antigo da Europa Central. Encontrava-se situado numa rota do comércio do âmbar e, entre 2100 e 1650 a.C., foi um posto avançado na região leste da cultura de Únětice.

População:

A aldeia não tinha mais de uma centena de habitantes. Construíam as casas em madeira, barro e fibras vegetais entrançadas, com telhados de palha, cana ou casca de árvore. Do lado oeste, um fosso de água com quatro metros de profundidade e 20 de largura protegia o assentamento.

Comércio:

O âmbar era exportado do Báltico até ao Mediterrâneo. Bruszczewo era um ponto de partida da rota.

Artesanato:

Eram produzidos machados, punhais, pulseiras e gargantilhas de bronze e ouro. Além disso, utilizava-se uma técnica nova para fabricar alfinetes: a cabeça e o pino eram fundidos em separado.

Habitação:

Os arqueólogos encontraram vestígios a partir dos quais concluíram que as oito ou dez casas de Bruszczewo mediam cinco a sete metros de largura por um máximo de 28 metros de comprimento. Crê-se que existiria nessas casas uma espécie de sótão alteado para armazenamento de cereais e um telhado com clarabóia que desempenharia as funções de chaminé.

Alimentação:

Dispunham de mós para cereais, como a cevada e a espelta.
Os entalhes observados em ossos de bovinos, ovinos e suínos são indicativos de um regime alimentar rico em carne, complementado com peixe e bagas. Um indício da poluição das águas do lago são os restos de meimendro negro, uma planta venenosa ingerida pelos habitantes locais para combater as dores de estômago.

Vestuário:

Segundo parece, os habitantes de Bruszczewo vestiam roupas muito simples de linho e lã. Também curtiam peles.

Bruszczewo

“No Bronze Antigo, não era um povoado grande. Teria 50 a 100 habitantes, mas era o centro fortificado do território”, explica Johannes Muller, da Universidade de Kiel. A sua equipa, juntamente com colegas da Universidade Adam Mickiewicz, de Poznań, escavou o sítio em princípios deste século. Os achados produzidos até ao momento permitem levar a efeito uma reconstrução pormenorizada do local.


 

Num texto de divulgação, Johannes descreve o assentamento como o teria visto um mercador imaginário de 1800 a.C., a partir da outra margem do lago: “Avistam-se os fogos das oficinas no alto do esporão, que se eleva sobre o lago, e os telhados das casas por detrás de uma grande fortificação.” Segundo parece, essa povoação centralizava não só a moagem e o armazenamento dos cereais para as restantes aldeias que a circundavam, mas também os metalúrgicos que trabalhavam o ouro e o bronze, provavelmente para benefício de um líder regional: nas imediações, foram encontrados grandes túmulos com ricos tesouros funerários, mais próprios de indivíduos de posição elevada do que de plebeus.

Palafitas no Lago Constança - O mercador imaginário transportava âmbar para o Sul. O comércio desta resina fóssil, de tonalidades translúcidas de amarelo-pálido e cor de laranja, alcançava o Mediterrâneo Oriental e o Egipto. Para as comunidades do Norte, o âmbar era um dos principais artigos de troca por metais e objectos fabricados a partir destes materiais. Se pegarmos num mapa da Europa Central, assinalando com pontos os lugares onde foram encontradas peças de âmbar e os unirmos, o resultado é uma rota comercial e Bruszczewo um dos primeiros assentamentos nesse percurso.

No entanto, aquela povoação morreu devido ao sucesso. Cortaram as árvores dos bosques.
Os animais defecavam por todo o lado, os nutrientes desses excrementos chegavam ao lago e provocavam a proliferação de cianobactérias tóxicas. Nos excrementos, nasciam também fungos contendo ovos de vermes tricocéfalos, parasitas que em pouco tempo infestaram os alimentos e a água potável. Tudo indica que, por volta de 1650 a.C., após um incêndio e a degradação progressiva do ambiente circundante, os habitantes de Bruszczewo abandonaram o assentamento.

À cultura de Únětice pertencia igualmente o território que rodeia a cidade alemã de Halle, com sítios arqueológicos em Leubingen, Dieskau ou Nebra, cuja descoberta apresenta uma imagem cada vez mais clara do início do Bronze na Alemanha Central. “Era a melhor região para se viver em toda a Europa Central”, afirma o arqueólogo Harald Meller, director do Museu de Pré-história do Land de Saxónia-Anhalt. “Os solos desta região ainda hoje continuam a ser extraordinariamente férteis.” A isto acrescia a existência de minas de sal. A população habitava um ponto privilegiado da rota comercial entre o Báltico e a bacia do Danúbio. Aquela prosperidade desencadeou o aparecimento, por volta de 2000 a.C., de uma comunidade que se apoderou do controlo do território. Harald utiliza propositadamente o conceito moderno de “Estado” para designar a apropriação total dos poderes por parte da elite:
“O processo de hierarquização da sociedade através do estabelecimento de uma elite governante a nível central, com aspirações de poder absoluto, atingiu o seu auge na transição para o segundo milénio. Os ritos funerários exprimem essas aspirações sob a forma de túmulos característicos, projectados de maneira elaborada.”

Há cerca de século e meio, em 1877, foi descoberto na região o local de enterramento de um nobre, o chamado túmulo principesco de Leubingen, na Turíngia. Sob um montículo com oito metros de altura, apareceu uma câmara funerária intacta: o homem jazia sobre as costas, rodeado de um magnífico tesouro funerário – anéis, alfinetes, uma espiral e um bracelete de ouro. Foi também encontrado um punhal de bronze, com a lâmina fixada perpendicularmente ao cabo, em jeito de alabarda. A datação da madeira existente na câmara, através do método da dendrocronologia, revelou o ano aproximado da morte: 1942 a.C.

Túmulo principesco de Leubinge - Sob um montículo perfeitamente visível, no actual estado alemão da Turíngia, os arqueólogos descobriram em 1877 o maior túmulo principesco da cultura de Únětice até hoje conservado. A câmara funerária, construída em madeira de carvalho (ilustração, à direita), encontrava-se intacta. A morte do indivíduo ali sepultado foi fixada, por meio de técnicas de dendrocronologia, no ano de 1942 a.C. Uma vez finalizada a escavação, a colina foi reconstruída e actualmente tem o estatuto de monumento testemunhal do Bronze Antigo. 

“Estes enterramentos principescos apresentam um padrão característico. São compostos por valiosos tesouros de ouro e armas que funcionam como símbolos do poder”, prossegue Harald Meller. “Numerosos achados de objectos importados e o processamento de ideias estrangeiras confirmam a integração desta elite em redes de trocas e de comunicação de longo alcance.”

No entanto, segundo o arqueólogo, aquele nobre ocupava um segundo lugar na sociedade de Únětice: acima dele deve ter existido outro chefe a que chamaremos “rei de Dieskau”. Os investigadores ignoram praticamente tudo acerca dele.


 

Dieskau é uma aldeia vizinha de Halle. Ali, camponeses descobriram em 1874 um tesouro de ouro muito maior do que o de Leubingen.

Exércitos de quatro mil homens no rio Tollense, armados até aos dentes e dispostos a tudo: “Foi uma guerra em toda a linha.”

Em teoria, o metal precioso apareceu enterrado em campo aberto, mas actualmente há indícios de que, na realidade, jazia sob um monte com 20 metros de altura, arrasado à época. A equipa de Harald Meller encontrou os restos de uma câmara funerária de construção parecida com a de Leubingen. Das 13 peças do achado original, oito desapareceram em circunstâncias mal esclarecidas. As cinco restantes – quatro braceletes e um machado, todos de ouro – encontram-se hoje guardadas em Moscovo.

É provável que dirigentes semelhantes ao “rei de Dieskau” exigissem oferendas substanciais da parte dos seus súbditos. Em 1937, os trabalhadores de uma mina de lenhite a céu aberto descobriram fragmentos de uma vasilha de cerâmica e de objectos de bronze, 293 machados e outras armas: no total, 45 quilogramas de metal. No Bronze Antigo, os machados eram a arma dos guerreiros de base. Quase trezentos devem ter enterrado as suas lâminas. Um facto de tais proporções só é imaginável se tivessem cumprido as ordens do seu comandante.

Na região de Halle, foram localizados 15 tesouros com estas características. Em toda a Europa Central, descobriram-se cerca de 2.200. Segundo conjecturas de peritos, aquelas oferendas materiais destinavam-se a solicitar o favor dos deuses. No entanto, Harald Meller acredita que pode levar as suas conjecturas mais longe. “O número total dos machados costuma frequentemente ser (mais peça, menos peça) um múltiplo de 15 e a historiografia militar diz-nos que 15 era o número de membros de uma unidade militar”, observa. Segundo esta interpretação, havia unidades inteiras de guerreiros que enterravam as suas armas. “Ao examinarmos a distribuição das armas nos enterramentos do Bronze Antigo, descobrimos proporções numéricas surpreendentes, que se assemelham às estruturas organizativas militares, tradicionais e modernas.” Harald continua a utilizar o termo “exército” com pontos de interrogação, mas alguns peritos começam a dar crédito à hipótese de um “proto-exército”, o qual, por sua vez, valida a hipótese de um território entendido como “Estado”.

Aquele mundo desmoronou-se. No fim do século XVII a.C., a erupção do vulcão de Santorini abalou o Mediterrâneo Oriental. O clima registou provavelmente um acentuado arrefecimento, traduzido em más colheitas. É de supor que as relações comerciais da região de Halle, com um historial de 400 anos de actividade, fossem alteradas. Os arqueólogos continuam a debater as causas e efeitos daquela decadência.

Porém, dispomos efectivamente de indícios claros do que aconteceu um dia, por volta de 1600 a.C. Um grupo de seguidores da ordem antiga partiu, levando consigo o objecto mais sagrado existente no seu reino, a fim de aplacar os deuses: um disco celeste. O seu destino era o monte Mittelberg, de Nebra. Na actualidade, o montículo apresenta-se densamente arborizado, mas é provável que, nessa época, ali existisse uma espécie de observatório astronómico. Ali, aqueles homens enterraram o seu objecto de culto e colocaram sobre ele duas espadas e outras peças de bronze. Com um tesouro destas proporções, o sítio faz lembrar o túmulo de um príncipe. Tratar-se-ia de um rito de despedida a um reino desaparecido?

O facto de este tesouro incluir duas espadas sugere, mais verosimilmente, o início de uma nova era e não tanto o fim da anterior: no Bronze Médio, as espadas substituíram os machados e os punhais alabardeiros. As espadas eram o bem mais precioso de um homem – e já não um empréstimo concedido pelo líder. Os guerreiros levavam-nas consigo para o túmulo e apresentavam-se diante da morte da mesma maneira que anteriormente era reservada apenas aos nobres: jazendo sobre as costas, sob montículos de terra.

Com o bronze, fabricavam-se armas, ferramentas e jóias. Ao juntar-se estanho ao cobre, o metal tornava-se mais resistente.

O alcance das viagens das populações humanas dessa época torna-se evidente graças a uma jovem que morreu no Verão de 1370 a.C. na península dinamarquesa da Jutlândia, antes de perfazer 18 anos de idade. Era talvez filha de um chefe ou de uma sacerdotisa. Não há dúvida de que os seus parentes colocaram muito carinho no enterro.

Pousaram o cadáver sobre uma manta de lã e pele de vaca, depositaram-no no interior de um tronco de carvalho escavado e, sobre este, erigiram um túmulo. A menina de Egtved, assim chamada em alusão ao local onde foi descoberta, vestia uma camisa tecida que lhe deixava os braços e a cintura de fora, uma saia curta de cordel entrançado e jóias de bronze. Os ossos desapareceram, mas a roupa, as jóias, o cabelo e o esmalte dentário ficaram preservados.

Menina de Egtved - A jovem sepultada nesta tumba (um tronco de carvalho escavado) morreu na Jutlândia em 1370 a.C. Trazia no cinto um disco solar de bronze. A caixa de casca de bétula depositada junto da sua cabeça contém os restos mortais incinerados de um rapazinho. No recipiente encontrado a seus pés, os arqueólogos descobriram restos de uma bebida alcoólica. 

A ciência descobriu recentemente um pormenor importante sobre esta jovem. “Quase me custa dizê-lo, porque no nosso país todas as crianças a estudam na escola, mas a verdade é que ela não era natural da região que hoje conhecemos como Dinamarca”, adverte Karin Margarita Frei, do Museu Nacional de Copenhaga. E, mais importante ainda, nos dois anos que precederam a sua morte, ela percorrera meia Europa por mais de uma vez.


 

Karin tomou conhecimento desta descoberta devido à química moderna: ao submeter amostras do enterramento a testes isotópicos, apurou a proporção de duas variantes de estrôncio. Os vegetais absorvem este elemento do solo: quando os animais e os seres humanos ingerem esses vegetais, o estrôncio é absorvido pelo organismo. A relação numérica dos isótopos Sr-86 e Sr-87 varia em função do ambiente circundante: na Dinamarca, que possui um solo calcário, ela é mais baixa do que em lugares com solos de outra natureza rochosa.

As análises permitiram retirar várias conclusões: as roupas da jovem não podem ter sido confeccionadas a partir de animais da Jutlândia e partes do cabelo, das unhas e dos dentes cresceram quando residia noutro local. As regiões mais próximas compatíveis com os valores encontrados em Egtved situam-se em Inglaterra, no Sul da Suécia e a sul do Mittelgebirge (o sistema montanhoso central da Alemanha). Ali teria sido criada a jovem e dali partiu em viagem à Dinamarca.
A sua última viagem teve lugar poucas semanas antes da morte. “As viagens talvez obedecessem a uma política de alianças”, observa Karin. “Os chefes casavam as filhas com outros senhores.”

Naquele momento, a Dinamarca era um território de importância económica, talvez enriquecido pelo comércio do âmbar. Para encontrar um noivo adequado, haveria que procurá-lo numa sociedade igualmente próspera e hierarquizada. Frei e os colegas mostram-se convictos de que essa sociedade poderia ser a Floresta Negra, que então desenvolvia um lucrativo negócio de intermediação no comércio entre o Norte e o Sul da Europa.

A jovem de Egtved morrera há apenas 40 anos quando Bernstorf, na Alta Baviera, viveu o início daquilo que seria uma época de esplendor. A partir dali, ainda se domina o tráfego de mercadorias na direcção dos Alpes. A fortificação construída na Idade do Bronze ergue-se sobre uma colina, cerca de cinquenta metros acima do vale do Amper. Alojou um assentamento humano durante 250 anos, mas, aproximadamente em 1330 a.C., os seus habitantes precisaram de proteger-se. Abateram árvores e ergueram, atrás de um fosso, um aterro com paliçada. A muralha media 1,6 quilómetros e circundava o cume da colina, fechando sobre si uma área de quase 13 hectares: trata-se, até à data, da maior fortificação da Idade do Bronze conhecida a norte dos Alpes.

A importância do local é atestada por diversas peças encontradas no sítio arqueológico, nomeadamente um diadema de chapa de ouro e objectos entalhados de âmbar que fazem lembrar a arte e os motivos micénicos da mesma época, o que sugere o papel crucial desempenhado pela fortificação nas relações comerciais com o Mediterrâneo.

A menina de Egtved, morta antes de cumprir os 18 anos de idade, atravessara meia Europa por mais de uma vez.

Ainda assim, a autenticidade das peças é objecto de polémica entre os peritos. Indiscutível é o facto de aquela imponente fortificação não ter durado muito. Escassas décadas depois de ter sido construída, a paliçada foi arrasada pelo fogo.

Igual destino aguardava outro assentamento de dimensão superior, uma cidade em toda a acepção da palavra, que nada ficava a dever às metrópoles do Oriente. Na segunda metade do século II a.C., a fortaleza de Corneşti-Iarcuri erguia-se na periferia da planície danubiana, em território hoje pertencente à Roménia.

CorneSti-iarcuri

CorneSti-iarcuri

Corneşti é o maior assentamento da Idade do Bronze descoberto na Europa. Situa-se num extremo da planície danubiana, na actual Roménia, junto dos contrafortes dos Cárpatos. A fortificação estava rodeada por quatro aterros concêntricos, que mediam um total de 33 quilómetros de comprimento e circundavam uma superfície de 1.760 hectares.

Habitação

Os arqueólogos crêem que o círculo interior poderia ser reservado à elite. A fortificação era imponente: fossos com cinco metros de profundidade máxima e aterros com paliçadas de seis metros de altura.

Comércio

Corneşti controlava uma região fértil e rica em matérias-primas. Nos Montes Metálicos da Transilvânia, 80 quilómetros a leste, continua actualmente a extrair-se ouro e cobre.

Artesanato

O aparecimento de moldes de fundição sugere a existência de uma produção metalúrgica. A avaliar pelos achados, em todos os lares havia manufactura de cerâmica. 

“As suas dimensões não encontram paralelo na pré-história europeia”, afirma Bernhard Heeb, do Museu de Pré-história e Proto-história de Berl. “E a cidade representava uma enorme concentração de poder. Até há poucos anos parecia inconcebível que existisse algo deste género na Idade do Bronze.” Também Corneşti controlava uma região fértil e uma rota comercial: no seu caso, a rota que unia os Cárpatos à Europa Central. Os arqueólogos não conseguem determinar em que datas foi construída e destruída, embora tenham a certeza de que as duas muralhas interiores foram arrasadas por um incêndio.

O continente passava então por turbulência.
A partir de 1300 a.C., impôs-se a chamada cultura dos campos de urnas. Os mortos já não eram inumados, mas incinerados, e as suas cinzas depositadas em recipientes, talvez devido a mudanças na concepção do Além. Ao mesmo tempo, a introdução de culturas e o aperfeiçoamento da metalurgia traduziram-se em colheitas mais abundantes.

Com a cultura dos campos de urnas, iniciava-se o Bronze Final na Europa Central. No entanto, na Anatólia, no Levante Mediterrânico e na Grécia, a liga de cobre e estanho em breve cedia o lugar a um novo material, o ferro, com o qual era possível forjar armas ainda mais resistentes.

Na Idade do Ferro, que na Europa Central começou aproximadamente em 800 a.C., o comércio de longa distância perdeu importância: o minério era abundante. Bastava que os artífices do metal aprendessem a avivar o fogo até este atingir as temperaturas necessárias e a forjar o metal candente a golpes de martelo, conhecimentos que se propagaram com grande rapidez.

Quando, aproximadamente em 1250 a.C., os quatro mil guerreiros do vale do Tollense se preparavam para combater, a transição para a Idade do Ferro ainda estava longe. Hoje, o campo de batalha proporciona uma imagem bucólica: um milhafre sobrevoa o vale em círculos e os moradores deixam que os seus cães corram livres pelos prados. O rio Tollense serpenteia pelos campos e, na margem ocidental, estende--se um bosque. Aqui, há quase quatro milénios, as elites lideraram uma transformação para se aproveitarem do comércio.

A investigadora Sonja Nagel festeja o achado de uma tíbia resgatada do lodo nas margens do rio Tollense. 

Segundo o registo arqueológico, na batalha travada pelo controlo daquela passagem, o ataque foi desferido a partir de oeste e a defesa armou-se a leste. Os defensores repeliram a investida e empurraram para norte os inimigos. Os atacantes sobreviventes retiraram para um promontório: tinham caído na armadilha. A água encurralava-os por três lados: na quarta frente, recebiam uma chuva de flechas. Começou então o combate corpo a corpo.

Depois de escavarem mais de quatrocentos metros quadrados do vale, os investigadores encontraram cerca de dez mil ossos, provenientes de, pelo menos, 77 homens (uma vez que há 77 fémures esquerdos localizados). Nenhum dos guerreiros jazia tal como havia tombado. Os cadáveres foram provavelmente abandonados nas margens pantanosas do rio. Mais tarde, teria ocorrido uma cheia forte que arrastou as ossadas e as misturou. Só meia dúzia dos esqueletos foram preservados relativamente íntegros. Do indivíduo 16, por exemplo, guarda-se praticamente a totalidade do esqueleto, incluindo o crânio, no Castelo de Wiligrad. Número de registo: 2011/ 1145,677. Na sua última batalha, foi ferido em três pontos: coxa, braço e omoplata. Teria pelo menos 45 anos, idade avançada para a época, e caiu juntamente com vários guerreiros jovens.

Talvez estivessem ali por obrigação e combatessem para sobreviver. Talvez se apresentassem voluntariamente, em busca das promessas da época que lhes calhou viver, num mundo em transformação rápida. Milénio após milénio, essa busca vital converteu-se na constante da história da humanidade.