Nascido em Berlim em 1769, no seio de uma abastada família de tradição militar, Alexander von Humboldt realizou estudos de mineração. Tudo apontava para que viesse a desenvolver uma próspera carreira na administração pública prussiana; havia apenas um obstáculo: era apaixonado pelas ciências naturais e o que realmente queria fazer era cruzar o oceano e investigar a natureza de outros continentes, um campo em que estava praticamente tudo por fazer. Quando o Século das Luzes já se desvanecia, Humboldt ainda não tinha podido tornar o seu sonho realidade e trabalhava no Ministério das Minas prussiano; no entanto, uma substancial herança mudou radicalmente as coisas.
Dono do seu destino, Humboldt deixou Berlim em 1798 e viajou para Paris. Ali conheceu quem viria a ser o seu grande companheiro de viagem: o naturalista francês Aimé Goujaud Bonpland, a quem esperava poder juntar-se numa expedição à volta do mundo, liderada por Nicolas Baudin e financiada pelo governo francês. No entanto, a eclosão da guerra com a Áustria arruinou os seus planos e os dois cientistas decidiram voltar os olhos para Espanha.
Naquela altura, a Coroa espanhola há décadas que não concedia nenhuma autorização a cientistas estrangeiros – o último fora Charles-Marie de la Condamine, em 1735 – que quisessem explorar o território americano. No entanto, Humboldt conheceu na corte aquele que seria o seu grande defensor: o ministro Mariano Luís de Urquijo. Graças a ele obteve a permissão necessária para empreender a exploração do continente, embora a tivesse tido de pagar do seu próprio bolso.
Coração da América do Sul
Em Junho de 1799, Humboldt e Bonpland partiram da Corunha a bordo do Pizarro. Depois de fazer uma escala de uma semana nas Canárias, não voltaram a pisar terra firme até vinte dias depois, quando chegaram a Cumaná (Venezuela). O naturalista ficou extasiado com a selva. Considerava que, quando um europeu chega pela primeira vez a uma selva sul-americana, sente que se encontra num “imenso continente onde tudo é gigantesco: montanhas, rios e massas de vegetação”.
Uma nova forma de explorar.
O grande explorador alemão foi, para além de um aventureiro, um cientista moderno. As suas notas recolhiam o que realmente viam os seus olhos, deixando à margem qualquer preconceito ou ideia preconcebida.
Humboldt foi o “primeiro” cientista europeu a explorar o interior do continente americano como se fosse um novo território, jamais pisado pelo homem. Deixou de lado qualquer descrição anterior e deixou-se guiar pela sua curiosidade, pelos seus sentidos e pela sua ecléctica formação científica. Graças a isso, pôde observar a polaridade inversa no magnetismo ou falar de ondas sísmicas; determinou que a América do Sul não era um continente geologicamente jovem; foi o primeiro a falar da composição do curare – um veneno indígena; descobriu as linhas isotérmicas do continente, confirmou que o Cassiquiare (na imagem) unia as bacias do Orinoco e do Amazonas; foi um dos primeiros a promover a construção do canal do Panamá; descobriu mudanças de temperatura nas correntes do Pacífico – daí que a corrente Humboldt tenha o seu nome; escreveu uma História da América muito mais objectiva do que as anteriores, e durante 30 anos foi a pessoa que chegou à zona mais elevada do Chimborazo.
O Chimborazo. O vulcão Chimborazo (na imagem) é, com os seus mais de 6.200 metros, a montanha mais alta do Equador. Humboldt tentou a sua subida em 1802, mas teve de desistir quando o cume já estava próximo, devido ao mal da altitude. De qualquer forma, foi o europeu que alguma vez tinha estado mais perto do seu topo.
Os dois cientistas percorreram florestas e montanhas em busca de plantas, embora “nunca fossem suficientes”. À noite, anotavam as suas observações, secavam as plantas recolhidas e desenhavam aquelas que consideravam as espécies novas. Parecia que nada poderia detê-los: a força da curiosidade levava-os a entrar em grutas sobre as quais nada sabiam, atravessar selvas profundas ou percorrer caminhos lamacentos sob a chuva da estação húmida.
Depois de cinco meses em Cumaná, chegou o momento de iniciar uma nova etapa da viagem. No dia 7 de Fevereiro de 1800, deixaram Caracas com a intenção de encontrar o ponto em que o Orinoco se une ao rio Negro e, portanto, ao Amazonas. Para isso, ainda teriam de chegar a São Fernando de Apure, na região dos Llanos, de onde desceriam, através do rio Apure, até encontrarem as águas do Orinoco no início de Abril. Os exploradores – acompanhados pelo padre Bernardo Zea, missionário de São José de Maipures – atravessaram a zona de rápidos, para a qual tiveram de arranjar uma nova embarcação – uma piroga índia de 13 metros de comprimento e um de largura. É fácil imaginá-los na sua rústica embarcação, abarrotada de instrumentos, amostras de plantas, troncos, jaulas com animais… expectantes por descobrir o que lhes revelaria aquele imenso rio, além das espectaculares cataratas de Maipures.
A partir daí, entraram numa região onde havia apenas meia dúzia de missões, o que fazia dela uma terra incógnita onde, segundo se contava, habitavam seres fabulosos. A expedição continuou durante semanas até chegar ao rio Atabapo e depois continuar ao longo do Temi. Neste troço, onde a selva fica inundada, os seus guias teriam de abrir caminho através das “passagens” – canais de pouca profundidade, utilizados como atalhos – onde encontraram um ou outro grupo de toninhas (golfinhos de água doce). Foi aquele labirinto imenso de rios e canais que lhes permitiu chegar, não sem grande esforço, ao rio Negro e dali até à foz do Casiquiare. Mas a viagem não terminara. Ainda teriam de regressar àquelas águas para chegar de novo ao Orinoco e à cidade de Esmeralda, para de seguida regressar a São Fernando de Atabapo.
Fauna Americana. Este desenho de um condor foi realizado por Louis Bouquet em 1806, a partir de um esboço de Humboldt e publicado numa das obras que compilaram as observações do explorador.
A partir daí, as águas do Orinoco conduziriam-nos rapidamente até Angostura (actual Ciudad Bolívar, na Venezuela), capital da Guiana Espanhola. Em setenta e cinco dias tinham percorrido mais de três mil quilómetros, dois terços dos quais foram feitos a bordo de uma estreitíssima piroga. Na viagem, sofreram o incessante ataque dos mosquitos, a ameaça de jaguares e crocodilos, de algumas populações indígenas e de um ou outro índio caníbal.
Depois de 16 meses em território venezuelano, Humboldt e Bonpland dirigiram-se para Cuba, onde souberam que o capitão Baudin tinha partido ao comando da sua expedição à volta do mundo. De acordo com os jornais, Baudin contornaria o cabo Horn para de seguida fazer escala em El Callao de Lima. Convencidos de que se poderiam juntar à expedição, partiram de imediato (em 5 de Março, 1801) para Cartagena das Índias, a partir de onde pretendiam chegar a Quito.
Em Santa Fé de Bogotá conheceram José Celestino Mutis, o botânico espanhol, com quem ficaram durante dois meses. De seguida, já em Quito, receberam a inesperada notícia: Baudin seguira a rota do cabo da Boa Esperança, pelo que não poderiam juntar-se a ele. Mas encontraram um novo companheiro de viagem: Carlos de Montúfar, futuro líder da independência do Equador. Foi ali também que o alemão se propôs realizar a grande façanha de subir o Chimborazo e chegar onde ninguém ainda chegara. Coroar o cume do vulcão teria representado um marco pessoal sem igual, mas por fim – e apesar do esforço físico feito – não foi possível de concretizar a missão.
O périplo continua
Depois daquela aventura em altitude, Humboldt e os seus companheiros exploraram outros pontos das montanhas equatorianas, bem como os vestígios do passado inca. O seu caminho prosseguiu lentamente em direcção ao planalto de Cajamarca, a partir de onde teriam de encontrar a passagem para o oceano. Humboldt referiu algum tempo depois, o impacto que lhe causou a chegada ao Alto de Huangamarca: “Pela primeira vez contemplámos o Pacífico; víamo-lo claramente: reflectindo uma grande massa luminosa junto à costa e avançando incomensuravelmente em direcção ao horizonte, maior do que imaginávamos.”
Depois de passar quase um ano nas alturas andinas, os exploradores chegaram a El Callao, no final de 1802, de onde seguiram para Guayaquil (Equador) e daí para o México. Durante um ano percorreram o vice-reino da Nova Espanha. Naqueles meses, o seu carácter curioso e a sua ânsia por documentar a natureza daquelas terras levaram-nos a fazer valiosíssimos desenhos, tomar apontamentos, recolher amostras e traçar um mapa detalhado da região a partir de observações astronómicas. Visitaram minas como as de Guanajuato e mediram diferentes vulcões. Em 7 de Março de 1804, Humboldt, Bonpland e Montúfar embarcaram em Veracruz.
Humboldt e os vulcões.
Ao longo da sua expedição americana, Humboldt visitou diversos vulcões, realizando todo o tipo de análises; entre eles figuram, por exemplo, o Jorullo no México, o Puracé na Colômbia e o Chimborazo, o Tungurahua ou o Cotopaxi no Equador. O ex- plorador ficou especialmente impressionado pela actividade geológica deste último país e cunhou a expressão “Avenida dos Vulcões” para se referir à cordilheira interandina do Equador. Na imagem, a expedição de Humboldt ao vulcão Jorullo numa gravura realizada no início do século XIX, pelo artista Wilhelm Friedrich Gmelin, e colorida posteriormente a partir do esboço desenhado pelo próprio explorador alemão.
1. O Jorullo, este vulcão encontra-se em Michoacán (México); Tem 1.330 metros de altitude e conta com vários cones.
2. O grupo de Humboldt chegou aqui em 1803. Acompanhavam-no Bonpland e habitantes locais.
3. Um território em ebulição. O Jorullo era, na altura, muito jovem: nascido em 1759, tinha estado 15 anos em erupção.
Depois de uma curta estada na ilha de Cuba, Humboldt e os seus camaradas viajaram até Filadélfia. Humboldt foi convidado pelo presidente Thomas Jefferson para ir a Washington, onde permaneceu durante um mês. A ligação entre ambos terá sido imediata, pois passaram horas a falar sobre a realidade da América hispânica e o seu futuro. Talvez já intuíssem que a revolução e a independência dessas terras não tardariam a chegar.
Em 18 de Julho de 1804, Humboldt e Bonpland despediram-se da América no porto de Filadélfia. Depois de várias semanas no mar, no dia 3 de Agosto chegaram ao porto de Bordéus.
O fim da aventura
Uma vez na Europa, chegara o momento de organizar e passar a limpo todas as notas recolhidas durante cinco anos de viagem. Para tal, Humboldt decidiu instalar-se em Paris, a capital científica do mundo naquela época. Foi ali que conheceu outros cientistas e livre-pensadores como Arago, Cuvier, Bougainville, Lamarck, Laplace…, uma plêiade de cientistas que poderiam considerar-se os dignos sucessores dos antigos enciclopedistas.
Antes disso, porém, era necessário voltar a casa. Depois de viajar para Roma, onde se reencontrou com o irmão Wilhelm, Humboldt regressou a Berlim após nove anos de ausência. A viagem valeu-lhe uma posição na corte de Frederico Guilherme III. Este facto, no entanto, não o reteve na sua Alemanha natal, pois, durante as duas décadas seguintes, viveu entre Paris e Berlim, onde se estabeleceu definitivamente em 1827.
Retrato de 1847. Quando Humboldt se estabeleceu em Berlim em 1827, a fotografia já estava a dar os primeiros passos, de forma que existem diversos retratos do explorador… que certamente teria gostado de poder contar com uma câmara nas suas aventuras.
Nos 30 anos seguintes, Humboldt viu como os seus sonhos de infância de viver permanentemente uma vida cheia de aventuras se desvaneciam. Depois da expedição americana, a que fora a grande viagem da sua vida, passou anos a projectar uma viagem à Ásia, que parecia nunca chegar a acontecer. No entanto, o tempo e o czar da Rússia quiseram dar a um sexagenário Humboldt a oportunidade de realizar uma viagem de exploração de vários meses – desde a Primavera a finais de 1829 – aos Urales, o maciço de Altai e à Zungaria chinesa. Depois disto, já só lhe faltava escrever e partilhar todo o conhecimento acumulado ao longo dos anos, ao mesmo tempo que formava uma mão-cheia de discípulos que desejavam replicar a sua grande viagem de juventude. Ele, por seu lado, permaneceria no seu Castelo de Tegel, nos arredores de Berlim, dedicado à redacção de obras tão importantes como Cosmos, cujo último volume foi publicado três anos depois da sua morte, em 1859. Segundo Simón Bolívar, “Humboldt foi o autêntico descobridor da América, porque o seu talento produziu maiores benefícios para o nosso povo do que todos os conquistadores”.