Por volta do século XI a.C. o esplendor alcançado pela sociedade micénica eclipsou-se depois da invasão dos dórios, provenientes da Europa Central, que mergulharam os territórios helénicos num longo período de declínio, conhecido como “Idade das Trevas”. Quatro séculos nos quais as cidades foram arrasadas, as rotas comerciais foram encerradas, as escritas hieroglífica e linear, utilizadas até então, desapareceram e retrocedeu-se para um tipo de sociedade bélica e uma economia rural de subsistência. O início destes séculos sombrios seria, precisamente, a época em que tiveram lugar os acontecimentos relatados na Ilíada e na Odisseia, obras cuja composição é atribuída a Homero.

Sob o halo do mistério

O fim desta Idade das Trevas ocorreria no século VIII a.C., que é precisamente quando se considera que nasceu Homero. Esta data foi estabelecida a partir dos actuais estudos filológicos realizados por especialistas de diferentes universidades, que, com base na evolução da linguagem utilizada na Ilíada e na Odisseia determinaram que seria essa a época em que teriam sido escritas. Acredita-se que terá nascido nos territórios jónicos da Ásia Menor, sem que seja possível afirmar, no entanto, se tal ocorreu na ilha de Chios ou na cidade de Esmirna, embora a descrição que faz da costa do mar Egeu leve a crer que conheceria bem o território, apesar de haver outros lugares que disputam também esse privilégio. Se nada se sabe ao certo sobre a sua vida, o mesmo se passa relativamente à data da sua morte, embora seja tradicionalmente aceite que terá falecido na ilha grega de Ios, uma das Cíclades.

Odisseia

Na Odisseia, aparecem seres fantásticos como as sereias (em cima, num mosaico do século III d.C.) ou a ninfa Escila (em baixo, cerâmica do século IV a.C.).

ninfa

A partir do século VIII a.C., teve início uma série de mudanças políticas, económicas e culturais que devolveram à Grécia a sua relevância passada, dando lugar à criação de estruturas organizativas tao importantes como as primeiras cidades-estado, à recuperação das relações comerciais ao longo do Mediterrâneo e à implementação de um novo sistema de escrita, já alfabético. É neste contexto de ressurgimento da escrita e do aparecimento de novos sistemas de vida em torno das cidades, que se situa Homero. Este parece responder à figura do aedo, um cantor que recitava poemas épicos lendários nas praças destas cidades, fazendo-se acompanhar por um instrumento musical de cordas, e que, em determinada altura da sua vida adulta, ficou cego na sequência de um acidente. Nada disto se sabe com total fiabilidade, e as poucas reconstruções biográficas da sua vida baseiam-se na especulação. Desta forma, a sua existência continua envolta em mistério e colocam-se em causa aspectos tão básicos como o seu nome. Tendo em conta a etimologia e o significado da palavra “Homero” em grego, poderão ser-lhe atribuídas diferentes acepções: uma poderia derivar de um termo que significa “refém”, o que vincularia o poeta a uma família de prisioneiros resultantes de alguma contenda bélica; e outra que “Homero” poderia ser uma simples contracção das palavras gregas ho me horon (“o que não vê”), o que reforçaria a ideia de que era efectivamente cego.

A questão homérica

A tarefa fundamental de colocar por escrito a tradição oral foi iniciada, no século VIII a.C. por poetas como Hesíodo e Homero, cujo estilo e linguagem eram semelhantes; o primeiro com uma lírica austera e intenção didáctica, o segundo com um acentuado carácter épico. Ambos recolheram o conhecimento lendário da sua tradição cultural, que até então era transmitido oralmente de pais para filhos, e colocaram-no por escrito, deixando para a posteridade as crenças, mitos e tradições da cultura clássica grega.

Desta forma, as obras de Homero registaram o que, até àquela altura, relatos anónimos de aedos narravam há séculos de umas cidades para as outras. Nestas obras épicas, os deuses têm uma presença crucial na vida real e infiuenciam o destino e a forma de agir dos homens. Estavam inclusive unidos entre si por laços familiares e mostravam sentimentos e traços de personalidade humanos: expressavam tristeza e alegria, rivalizam ou associavam-se para atingir os seus propósitos e sentiam amor, ódio, dor e ira. Compostas para ser m recitadas ou cantadas, estas obras têm características estilísticas próprias da narração oral.

tróia

Quem foi o verdadeiro descobridor de Tróia?

O protagonismo da descoberta de Tróia recaiu sempre sobre Heinrich Schliemann, um empresário de origem prussiana, apaixonado pela arqueologia. Depois de fazer fortuna em 1868, Schliemann decidiu dedicar-se a demonstrar a existência de Tróia, seguindo as descrições feitas por Homero na Ilíada e contando com as inestimáveis informações do primeiro descobridor de Tróia, Frank Calvert.

A localização aproximada de Tróia fora mencionada por autores da Antiguidade, como Heródoto e Estrabão, e os romanos sustentavam que o seu Ilium Novum se encontrava sobre a cidade homérica. Porém, esta caiu no esque- cimento depois de um terramoto no ano 500 e chegou a pensar-se que nunca teria existido. No entanto, as descrições de Homero continuaram a parecer cre- díveis a certos eruditos do século XIX. A primeira pista para a sua descoberta foi proporcionada pelo escocês Charles McLaren, jornalista e presidente da Sociedade Geológica de Edimburgo, que assinalara em 1822 o local preciso na cidade romana de Ilium Novum, no monte Hissarlik, embora não obtivesse, na altura, a atenção que merecia. Defendeu a sua tese num artigo e num livro que terá ido parar às mãos de Frank Calvert, um arqueólogo amador que trabalhava no consulado britânico da Turquia quando McLaren visitou a zona em 1847. Calvert desviou, então, a sua busca para onde McLaren apontava e descobriu que o escocês não estava errado. Comprou vários terrenos para explorar a colina e não tardou a encontrar os primeiros vestígios arqueológicos, mas era necessário aprofundar as sondagens e, para isso, precisava de fundos. Nesta altura, apareceu o abastado Schliemann, que foi persuadido de que se encontrava sobre a verdadeira Tróia. A partir de então, todo o protagonismo recaiu sobre o alemão.

Nelas são repetidos epítetos ou adjectivos épicos para designar ou identificar as suas personagens, como “Aquiles, o dos pés velozes” ou “semelhante aos deuses”, o que contribui para transmitir uma imagem detalhada do carácter e qualidades. Também se emprega o recurso da comparação para definir as personagens ou narrar os factos, e a mudança de voz narrativa, passando do diálogo para a descrição e para o monólogo.

O estudo sobre a autoria da obra de Homero, denominado “A questão homérica”, tem vindo a ser realizado por eruditos e especialistas desde o tempo da Grécia clássica até aos nossos dias.

Historicamente, os narradores apresentaram duas teorias opostas: uns consideraram que as obras de Homero eram uma mera compilação de cantos épicos anteriores compostas por diversos autores; por outro lado, outros defendiam que ambas as obras foram escritas por Homero, baseando-se na qualidade poética e na própria estrutura da narração. Actualmente, aceita-se que foram escritas, a partir de uma tradição oral anterior, por um único poeta, conhecido como Homero.

O início da literatura ocidental

Como em qualquer poema épico, na Ilíada e na Odisseia, não é fácil identificar quais os elementos históricos e quais os míticos ou lendários. No entanto, a partir das investigações que têm vindo a ser feitas até à actualidade, poderá afirmar-se que Tróia era uma cidade muito próspera, com uma excelente localização estratégica próxima do estreito de Dardanelos, pelo que não seria de estranhar que, por volta dos séculos XIII-XII a.C., se tivesse visto afectada por conflitos bélicos desencadeados pelos que ambicionavam exercer o poder sobre ela. Talvez na Ilíada, o que realmente foi narrado tenha sido este facto, disfarçando-o, segundo a tradição mítica, como uma guerra provocada pelo rapto de Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta, pelas mãos do príncipe troiano Páris. Perante tal afronta, todos os reis gregos, sob as ordens de Agamémnon, irmão de Menelau e rei de Micenas, marcharam com os seus soldados contra Tróia. Esta guerra duraria dez anos e terminaria após o estratagema urdido por Odisseu, rei de Ítaca, com o qual conseguiram enganar os troianos e introduzir um gigantesco cavalo de madeira na sua cidade, repleto de soldados gregos que, ao anoitecer, abriram as portas das muralhas ao seu exército e a arrasaram.

tróia

Este mapa, pertence à edição de 1901 do atlas mundial publicado pelo professor e cartógrafo alemão Friedrich Wilhelm Putzger. O atlas apresentava a singularidade de conter a descoberta de Tróia e situar no mapa a localização da lendária cidade.

Por sua vez, a Odisseia narra as apaixonantes e perigosas aventuras do herói grego Odisseu (Ulisses, em latim), rei de Ítaca, desde que sai de Tróia, ao terminar a guerra, até regressar à ilha da qual é soberano. Nesta viagem, que dura mais dez anos, conta com a inimizade e a ira de Posídon, deus do mar, porque Odisseu cegara o seu filho, o ciclope Polifemo. Nesta obra, destaca-se o  aparecimento  de  um  herói  moderno,  no  qual a força, a coragem e a honra já não são os seus únicos valores, revelando-se  também  inteligente, previdente e astuto, em conjunto com outras qualidades que o tornam mais próximo e humano, como a saudade da sua casa e da sua família na distante ilha de Ítaca, à qual no final regressa depois de vinte anos de ausência.

A meio caminho entre a história e o mito, os acontecimentos narrados em ambos os poemas homéricos, e a forma de enfrentar as vicissitudes dos seus protagonistas, tornaram-se uma referência na Antiguidade, e constituíram uma das bases fundamentais da educação e da cultura da Grécia e Roma clássicas, e até hoje são marcos incontornáveis na literatura de todas as épocas e culturas.

Tróia de Homero

Uma jóia do tesouro encontrado por Schliemann em Tróia, uma descoberta polémica desde o momento em que foi publicada.

Os extensos poemas épicos que compõem estas obras atribuídas a Homero foram escritos empregando o modelo de narrativa de batalhas e a descrição das personagens, bem como pela utilização de recursos expressivos próprios da narração oral. A sua forma métrica é o hexâmetro dáctilo, que é o verso épico grego por excelência. Estes poemas, constituídos por 24 cantos, foram objecto de estudo desde a Antiguidade, a cargo de linguistas e gramáticos de Alexandria que produziram edições críticas dos mesmos. Embora a história lhe tenha dispensado mais elogios do que críticas, importa referir, entre os seus detractores, o apelidado por Estrabão como “o flagelo de Homero”, Zoilo de Anfípolis. Este filósofo, gramático e crítico grego chegou a escrever cerca de nove livros contra a obra de Homero, e foi este facto, mais do que os seus próprios trabalhos, o que lhe mereceu a atenção de autores e pensadores que acudiram em defesa do pai da poesia épica grega, atacando o seu raciocínio, que, no melhor dos casos, consideravam ser motivado pela inveja.

Foi inimigo de Platão e, segundo os seus contemporâneos do século IV a.C., de todo aquele que ultrapassasse a mediocridade. Tal defesa não é exagerada, pois em poucos temas a história revelou mais unanimidade do que na valoração da Ilíada e da Odisseia como as primeiras obras da literatura ocidental.