Sabia que os XV Jogos Olímpicos, em Helsínquia, estiveram para acontecer doze anos antes? Em 1940, quando a cidade de Tóquio se recusou a receber a décima edição durante a Segunda Guerra Mundial, a capital finlandesa ofereceu-se para substituí-la. Entretanto, o conflito prolongou-se mais do que o desejável e quando a Europa se começou a reerguer das ruínas, os Jogos voltaram em 1948, na cidade de Londres. 1952 foi então o ano do regresso a uma certa normalidade olímpica, numa Europa estabilizada.
Esta normalidade verificou-se, por exemplo, na primeira participação de dois novos países em competição: Israel e a União Soviética (URSS) – ainda que, em 1912, o Império Russo já tivesse entrado nas Olímpiadas de Estocolmo. A tensão da Guerra Fria esteve presente, com as delegações dos EUA e da URSS albergadas em aldeias olímpicas separadas. No entanto, o espírito da competição prevaleceu e os soviéticos, nos últimos dias de competição, abriram as portas da sua aldeia a todos os outros atletas que quisessem visitá-la.
Domínio Público
Em plena Guerra Fria, os Jogos de 1952 marcam a primeira participação da União Soviética nas Olimpíadas. Da esquerda para a direita, as três medalhistas do arremesso de peso: Klavdiya Tochonova (URSS, bronze), Galina Zybina (URSS, ouro), Marianne Werner (Alemanha, prata).
Estes Jogos marcaram também o regresso da Alemanha e do Japão, depois de em 1948 terem sido proibidos de participar em virtude daquilo que fora visto como o seu papel principal na Segunda Guerra Mundial. No caso da Alemanha, apenas a parte ocidental disse presente. A Alemanha Oriental não foi autorizada pelo Comité Olímpico Internacional e apenas surgiria em 1956. No campo desportivo, no entanto, os Jogos foram marcados mais pelo sucesso do que por polémicas: até aos Jogos de 2008, em Pequim, Helsínquia 52 detinha a honra de maiores recordes do mundo batidos numa só edição. Na cerimónia de abertura, mesmo sem ir a jogo, Paavo Nurmi, lenda maior do atletismo olímpico finlandês acendeu a tocha com fanfarra. Ficaram ainda na história desta edição nomes como Emil Zatopek, sobre-humano que se tornou num único homem a ganhar medalhas de ouro nos cinco mil e dez mil metros e na Maratona numa Olímpiada; Maria Gorhosvskaia, russa que estabeleceu o recorde à altura de mais medalhas ganhas uma edição olímpica; a grande selecção húngara do “magiares voadores”, que com a habilidade de Puskas, Czibor, Kocsis ou Boszik deleitou a Europa dos anos 50; ou Lash Hall, carpinteiro sueco que se tornou num primeiro não-militar a vencer o pentatlo olímpico.
Francisco de Andrade (esquerda) e Joaquim Fiúza (direita) em 1952.
BRONZE PARA JOAQUIM FIÚZA E FRANCISCO DE ANDRADE
Foi em 1952 que Portugal aumentou o seu pecúlio medalheiro com grande brio e na tradição histórica que o regime da altura mais valorizava: no mar. Até 1984, esta será a melhor participação olímpica nacional, com vários atletas a entrar no Top 10, principalmente em Hipismo.
No entanto, o destaque óbvio vai para a medalha de bronze conquistada por Joaquim Fiúza e Francisco de Andrade na classe Star. Apenas superados por italianos, que venceriam o ouro, e os EUA, no lugar seguinte do pódio, Fiúza e Andrade deram continuidade ao sucesso dos irmãos Duarte e Fernando Bello, que quatro anos antes venceram a prata em Londres – a primeira do género numa participação portuguesa.
Fiúza era o veterano da dupla, já com participações em 1936 e 1948. Ainda assim, tanto Fiúza como Andrade eram apenas amadores, treinando ao fim de semana; e eram dois entre quase setenta atletas nacionais que nesse 1952 se dirigiram a Helsínquia. Quase todos amadores, com ambições moderadas. O orçamento olímpico português era muito modesto. Os atletas foram transportados de barco, no “Serpa Pinto”, que também lhes serviu como aldeia olímpica durante o tempo que durou a competição. Foram oito dias de viagem, tendo os atletas portugueses de partilhar o transporte com turistas.
Pode parecer-nos estranho a falta de apoio aos atletas portugueses pelo Estado Novo, que ainda hoje tem fama de se ter apoiado no prestígio desportivo para se projectar. Outros regimes não-democráticos, como o de Itália ou de Alemanha, usaram este instrumento: Mussolini com a selecção italiana de futebol da década de 30 e Hitler com a pompa Olímpica dos Jogos de 1936, em Berlim. E se bem que Salazar tenha ainda hoje a fama de se colar ao Benfica e aos seus sucessos europeus dos anos 60, a verdade é que detestava futebol. Todo o desporto português estava sob o controlo do Estado e era obrigatoriamente amador. O seu grande objectivo era incutir a disciplina e a moralidade e também prolongar os valores físicos de Portugal. Assim, as modalidade de eleição eram a Ginástica e principalmente, a Vela, associada à vangloriada expansão ultramarina, tão central no imaginário salazarista. Todas as medalhas conquistadas por Portugal até 1952 foram em desportos que dependiam da carolice e até de uma certa folga financeira por parte dos praticantes – a Esgrima, o Hipismo ou a Vela eram modalidades cujo material e o tempo de treino eram pouco acessíveis à maioria da população portuguesa da primeira metade do século XX.
Os dois heróis de 1952 eram desportistas no amor que tinham pela competição e pelos valores do esforço físico. Joaquim Fiúza faleceu em 2010, mas Francisco Rebello de Andrade cumpre hoje um centenário e, ainda que tão esquecido pela História do Desporto Português na proporção em que desapareceu da esfera pública e na dificuldade que é encontrar informações sobre a sua vida e carreira, merece ser lembrado, juntamente com o seu colega de bronze.
Francisco Manuel Vieira Rebelo de Andrade, nascido a 15 de Julho de 1923, venceu esta medalha aos 29 anos e, segundo a Olympedia, "retirou-se da competição activa após este feito, alegando o seu desejo de passar mais tempo com a família e viver uma vida tranquila longe dos holofotes". Apesar disso, após os Jogos de 1952, "dirigiu uma série de escolas de vela que fundou".
Domínio Público
O "Serpa Pinto" foi um navio de passageiros de dois hélices operacional entre 1940 e 1955. Em Julho de 1952, transportou Joaquim Fiúza, Francisco de Andrade e os restantes atletas até Helsínquia. Também lhes serviu como aldeia olímpica durante o tempo que durou a competição. Foram oito dias de viagem e os atletas portugueses tiveram de partilhar a embarcação com turistas.