No inverno de 1769, quando dava início à sua viagem pelo Pacífico, o explorador britânico James Cook recebeu de um sacerdote polinésio chamado Tupaia um presente surpreendente: um mapa, o primeiro que qualquer europeu alguma vez encontrara, mostrando as principais ilhas do Pacífico Sul. Com este mapa, Cook passou a dispor de uma imagem do Pacífico Sul muito mais completa do que qualquer outro europeu. Mostrava todos os principais arquipélagos numa zona com cerca de cinco mil quilómetros de extensão, desde as ilhas Marquesas e estendendo-se para ocidente até às Fiji. Correspondia àquilo que Cook já vira e mostrava muito que ainda não vira. Cook pôs ao dispor de Tupaia uma cama a bordo do Endeavour no Taiti. Pouco depois, os polinésios navegaram até uma ilha desconhecida por Cook, cerca de 500 quilómetros a sul, sem sequer consultar uma bússola, um mapa, um relógio ou um sextante. Enquanto ajudava a orientar o Endeavour de um arquipélago para outro, Tupaia surpreendeu os marinheiros apontando a pedido, a qualquer hora, com o céu limpo ou nublado, na direcção exacta do Taiti.
Cook entendeu o significado da proeza de Tupaia. Os ilhéus espalhados pelo Pacífico Sul eram um povo que, muito tempo antes, exploraram, colonizaram e cartografaram este oceano sem recurso a ferramentas de navegação consideradas essenciais por Cook e transportando desde então o respectivo mapa apenas na sua cabeça.
Dois séculos mais tarde, uma rede global de geneticistas que analisava o DNA do rasto deixado pela migração humana dos tempos modernos viria a provar que Cook estava certo: os antepassados de Tupaia tinham colonizado o Pacífico há 2.300 anos. A sua migração através do Pacífico dava seguimento a uma longa marcha para leste iniciada em África 70.000 a 50.000 anos antes.
Viagem Global.
Depois de iniciarem a sua migração para fora de África, há cerca de sessenta mil anos, os seres humanos disseminaram-se por todos os cantos da Terra. A distância percorrida e a velocidade a que a percorreram dependeu do clima, da pressão demográfica e da invenção de tecnologia. Qualidades menos tangíveis também aceleraram o seu progresso: imaginação, adaptabilidade e curiosidade inata sobre o que existiria para além do próximo monte.
A viagem de Cook inseria-se num movimento para oeste pelos seus próprios antepassados, que deixaram África sensivelmente na mesma altura. Cook e Tupaia fecharam o círculo, completando uma viagem que os seus predecessores haviam começado juntos, milénios antes.
Cook morreria numa escaramuça sangrenta com os havaianos dez anos mais tarde e, para alguns, a sua morte pôs fim àquilo que os historiadores ocidentais chamam a era da exploração. No entanto, essa era dificilmente acabaria com as nossas explorações. Permanecemos obcecados em preencher os mapas da Terra, atingir os pólos mais distantes, os picos mais altos e as fossas mais profundas, navegar até todos os cantos e, depois, voar até fora do planeta. Vários países e um punhado de empresas privadas planeiam enviar seres humanos até ao Planeta Vermelho. Alguns visionários discutem até o envio de uma nave espacial à estrela mais próxima.
Médico, mergulhador e pilotos de jactos, marinheiro há 40 anos e astronauta há 12, Michael Barratt é um dos que anseia por ir a Marte e imagina-se num prolongamento da viagem que Cook e Tupaia empreenderam no Pacífico.
“Estamos a fazer o que eles fizeram”, diz. “É assim que as coisas se desenrolam a cada ponto da história humana. Uma sociedade desenvolve uma tecnologia que lhe permite fazer algo, seja a capacidade de preservar e transportar alimento, construir um navio ou lançar um foguete. Depois, descobrem-se pessoas suficientemente apaixonadas por sair dali e encontrar coisas novas para prenderem um foguete às costas.”
Nem todos anseiam por um passeio de foguete ou pela navegação no mar infinito. Contudo, somos suficientemente curiosos enquanto espécie por essa ideia para ajudarmos a pagar a viagem e aplaudir o regresso dos viajantes. É verdade que exploramos em busca de um sítio melhor para viver ou para ganhar fortuna. Mas também exploramos unicamente para descobrir o que existe além do nosso alcance.
“Nenhum outro mamífero se desloca como nós”, explica Svante Pääbo, director do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva em Leipzig, onde utiliza a genética para estudar as origens humanas. “Saltamos fronteiras. Desbravamos territórios mesmo quando possuímos recursos no local onde nos encontramos. Os outros animais não fazem isto. Nem os outros seres humanos. Os homens de Neanderthal andaram centenas de milhares de anos por cá, mas nunca se espalharam pelo mundo. Em apenas 50 mil anos, nós abrangemos o planeta inteiro. Existe uma certa loucura nisto. Navegar oceano adentro, sem ideia do que nos espera do outro lado. E agora vamos a Marte. Nunca paramos. Porquê?” Svante e outros cientistas que debatem esta questão são exploradores, caminhando sobre novos terrenos. Para aqueles que tentam perceber o que faz vibrar os seres humanos, a nossa ânsia de exploração é um campo irresistível. O que está na origem desta “loucura” de explorar?
Se a ânsia de explorar se manifestar em nós de forma inata, talvez os seus alicerces se encontrem no nosso genoma. Existe uma mutação que se destaca frequentemente nestas discussões: uma variante de um gene denominado DRD4, que ajuda a controlar a dopamina, um mensageiro químico cerebral útil para a aprendizagem e a satisfação.
Os investigadores associaram repetidamente a variante, conhecida como DRD4-7R e presente em cerca de 20% de todos os seres humanos, à curiosidade e irrequietude. Dezenas de estudos em seres humanos permitiram concluir que o 7R torna as pessoas mais propensas a correr riscos: explorar novos locais, ideias, alimentos, relações, drogas ou oportunidades sexuais e, de um modo geral, a favorecer a deslocação, a mudança e a aventura.
De uma forma mais provocante, vários estudos associam o 7R à migração humana. O primeiro grande estudo genético a fazê-lo, conduzido em 1999 por Chuansheng Chen, da Universidade da Califórnia, concluiu que a incidência do 7R é mais comum nas culturas migratórias da actualidade do que nas instaladas. Um estudo mais abrangente e com maior rigor estatístico realizado em 2011 confirmou-o, concluindo que o 7R, juntamente com outra variante, denominada 2R, tende a ser encontrado com mais frequência do que seria de esperar em populações cujos antepassados migraram longas distâncias depois de saírem de África. Ambos os estudos defendem a ideia de um estilo de vida nómada na base da selecção da variante 7R.
Entre os membros da tribo africana ariaal, os indivíduos com o 7R tendem a ser mais fortes e a alimentar-se melhor do que os seus homólogos sem o 7R, caso vivam em tribos nómadas, num provável reflexo de melhor forma física para uma vida nómada. No entanto, os detentores do 7R tendem a ser menos bem nutridos se viverem como aldeãos sedentários. O valor da variante pode por isso depender do ambiente em seu redor. Um indivíduo irrequieto pode prosperar num ambiente mutável, mas murchar num mais estável, aplicando-se o mesmo a quaisquer genes que contribuam para gerar a irrequietude.
África. No triângulo de Goualougo, em África), a ânsia de explorar um local selvagem é indissociável do desejo de ajudar a salvá-la. Em 2002, a sua caminhada de 3.200 quilómetros resultou na criação de 13 parques nacionais no Gabão.
Portanto, será o 7R o gene do explorador ou dos aventureiros, como alguns lhe chamam? Kenneth Kidd, da Universidade de Yale, especialista em genética evolutiva e demográfica, considera que essa designação sobrestima o seu papel. Kenneth fez parte da equipa que descobriu a variante 7R há 20 anos. Tal como outros cépticos, ele acha que muitos estudos que relacionam o 7R a características exploratórias sofrem de métodos ou estatística insuficiente. E também sublinha que os estudos que defendem a ligação do 7R a estas características são contrabalançadas por outros que a contrariam.
“Não podemos reduzir algo tão complexo como a exploração humana a um único gene”, diz, rindo-se. “A genética não funciona assim.”
Segundo Kenneth, seria melhor ponderar como os grupos de genes podem estar na base de tal comportamento. Nisto, ele e a maioria dos defensores do 7R concordam: independentemente da conclusão sobre o papel desempenhado pelo 7R na propensão para a irrequietude, nenhum gene ou conjunto de genes pode programar-nos para a exploração. É mais provável que diferentes grupos de genes contribuam para características múltiplas, algumas permitindo-nos explorar e outras incitando-nos a fazê-lo. Resumindo, é útil pensar não apenas na ânsia de explorar como também na capacidade, não só na motivação como ainda nos meios. Antes de satisfazer um impulso, precisamos de ferramentas ou características que possibilitem a exploração.
Felizmente para mim, bastou-me descer ao piso imediatamente situado abaixo do gabinete de Kenneth Kidd para encontrar um indivíduo que estuda essas ferramentas: Jim Noonan, especialista em genética. A sua investigação centra-se nos genes responsáveis pela construção de dois sistemas fundamentais: os nossos membros e o nosso cérebro. “Por essa razão, não sou imparcial”, afirma, quando insisto com ele para me dar a sua opinião sobre os motivos que fazem de nós exploradores. “Mas se quiser ir ao cerne da questão, direi que a nossa capacidade de explorar deriva destes dois sistemas.”
Segundo ele, os genes responsáveis pela construção dos membros e cérebros dos seres humanos são praticamente os mesmos que construíram as mesmas partes de outros hominídeos e símios. Nos seres humanos, a construção teve como resultado pernas e ancas capazes de caminharem longas distâncias, mãos versáteis e um cérebro inteligente que cresce muito mais devagar, atingindo contudo uma dimensão muito superior à dos cérebros dos outros símios. Esta tríade separou-nos dos outros símios.
Somadas, estas diferenças compõem um conjunto de características singularmente adequado à criação de exploradores, defende Jim. Possuímos grande mobilidade, uma destreza extraordinária e “cérebros capazes de pensar de forma imaginativa”.
“Imagine que tem uma ferramenta”, exemplifica Jim. “Se conseguir utilizá-la bem e com imaginação, pensará em mais aplicações para lhe dar. Se conseguir pensar em mais formas de utilizar a ferramenta, imaginará mais objectivos que esta poderá ajudá-lo a atingir.”
Este retorno de informação em circuito fechado ajudou a dar forças ao grande explorador Ernest Shackleton e salvou-o quando ele e a sua equipa ficaram encalhados na ilha Elephant em 1916. Depois de o navio ser desfeito pelo gelo polar, Shackleton, a 1.300 quilómetros de terra firme e com 27 homens exaustos a bordo, poucos alimentos e três embarcações abertas e pequenas, concebeu uma ambiciosa viagem marítima. Utilizando um punhado de ferramentas básicas para modificar um barco salva-vidas de sete metros (outra ferramenta), para uma tarefa absurdamente sobredimensionada no que se refere à sua finalidade original, Shackleton reuniu os seus instrumentos de navegação e cinco dos seus homens e empreendeu uma viagem que poucos ousariam imaginar. Conseguiu alcançar a Geórgia do Sul e, depois, regressou à ilha Elephant para salvar o resto da tripulação.
“Nenhum outro mamífero se desloca como nós”, diz Svante Pääbo, especialista em genética em evolução. “Existe uma Certa Loucura nisto.”
Segundo Jim Noonan, a aventura de Shackleton mostra, de forma clara, uma dinâmica que conduziu o progresso humano e a exploração desde o princípio: ao alavancarmos a destreza com imaginação, criamos vantagens que “apuram as duas características”.
Jim apresenta provas de que o nosso cérebro grande e as mãos versáteis construíram uma capacidade para a imaginação. Alison Gopnik, psicóloga especializada em desenvolvimento infantil na Universidade da Califórnia, afirma que os humanos possuem outra vantagem, menos evidente, que promove aquela capacidade imaginativa: uma infância longa, na qual exercitamos a nossa ânsia de explorar enquanto ainda somos dependentes dos nossos progenitores.
Paramos de ser amamentados cerca de um ano e meio antes dos gorilas e dos chimpanzés e depois percorremos um caminho muito mais lento até à puberdade. Provas recolhidas da dentição do homem de Neandertal indicam que também ele crescia mais depressa do que nós. Como resultado, desfrutamos de um período ímpar de “brincadeira” protegida, durante o qual descobrimos as recompensas da exploração.
Há vários animais que brincam, afirma Alison. Contudo, enquanto outros brincam sobretudo exercitando aptidões essenciais, como lutar e caçar, as crianças humanas brincam criando cenários hipotéticos com regras artificiais que testam hipóteses. Conseguirei construir uma torre de blocos tão alta como eu? O que acontecerá se fizermos a rampa da bicicleta ainda mais alta?
O que mudará nesta brincadeira das escolas se eu for o professor e o meu irmão mais velho o aluno? Estas brincadeiras transformam, efectivamente, as crianças em exploradoras de paisagens repletas de possibilidades diferentes.
Segundo Alison, à medida que envelhecemos, vamos agindo cada vez menos assim, mostrando menos propensão para explorar novas alternativas e ficando mais condicionados a manter as antigas. Durante a infância, construímos as ligações cerebrais e a maquinaria cognitiva para explorar; se nos mantivermos alerta na idade adulta, este treino inicial permitir-nos-á detectar situações em que é recompensador mudar de estratégia. Poderá existir uma Passagem do Noroeste? Será mais fácil chegar ao pólo em trenós puxados por cães? Talvez, só talvez, sejamos capazes de fazer aterrar um veículo de exploração móvel em Marte, baixando-o a partir de uma nave com um cabo.
“Isso fica connosco”, diz Alison. E as pessoas que mantêm o espírito de brincadeira com as possibilidades que o momento oferece, como os Cooks e os Tupaias, são os exploradores.
Na década de 1830, nas profundezas das florestas do Quebeque, no Canadá, uma população irrequieta de pioneiros deu início a uma experiência longa e arriscada. A cidade de Quebeque, construída pelos franceses, crescia rapidamente. A norte, junto ao rio Saguenay, estendia-se uma floresta vasta e praticamente intocada. Esta região rica, mas brutal, não tardou a atrair madeireiros e jovens famílias de agricultores com gosto pelo trabalho, pelo risco e pelas oportunidades. Foram progredindo vale acima, gerando uma vaga de colonização enquanto subiam o curso do Saguenay. Uma vaga migratória deste tipo pode não só concentrar tipos específicos de pessoas na sua agitada frente, como ajudar a concentrar genes que possam incentivar essas pessoas a migrar e contribuir para a expansão.
Dezenas de estudos concluíram que o gene torna os indivíduos mais propensos a correr riscos e, de um modo geral, a favorecer a deslocação, a mudança e a aventura.
Por vezes, um gene é transportado numa vaga deste tipo, de forma passiva, mais ou menos por acidente: o gene é comum entre os líderes das migrações, por isso torna-se comum nas comunidades por si fundadas. O gene não confere necessariamente uma vantagem: apenas se torna mais comum porque várias pessoas que andam na vanguarda o possuem e o reproduzem.
No entanto, uma vaga migratória também pode permitir que genes favoráveis à migração conduzam a sua própria selecção. Um exemplo notável, embora nocivo, é o sapo-boi. Introduzido no Nordeste da Austrália na década de 1930, tem agora uma população superior a duzentos milhões de espécimes e avança pelo continente a uma velocidade de 50 quilómetros por ano. Os sapos que se encontram na liderança saltam sobre patas 10% mais compridas do que as dos seus antepassados da década de 1930 e mensuravelmente mais compridas do que as patas dos sapos que os seguem até um quilómetro atrás. Como assim? Sapos irrequietos e com patas compridas deslocam-se à frente. Uma vez lá, encontram-se e acasalam com outros sapos irrequietos e de patas compridas, gerando uma descendência irrequieta e de patas compridas que passa a ocupar a vanguarda e repete o ciclo. Laurent Excoffier, um geneticista especializado em demografia, acha que aconteceu algo semelhante com os madeireiros do Quebeque. Ele e alguns colegas analisaram séculos de registos paroquiais de nascimento, casamento, povoados e óbitos e concluíram que as famílias pioneiras se comportaram e acasalaram de uma forma que propagou os seus genes, bem como as características que os conduziram até à frente. Estes casais da frente da vaga casaram e acasalaram mais cedo do que os casais que permaneceram nas suas terras natais. Isto bastou para gerar mais filhos do que as famílias “nucleares”, que ficaram para trás (9,1 por família versus 7,9 ou seja, 15% mais). Cada casal de pioneiros deixou mais 20% de descendência, uma enorme vantagem evolutiva. Neste caso, aumentou rapidamente a quota dos genes e culturas destas famílias dentro da sua população e, por conseguinte, na população mais vasta da América do Norte.
Laurent Excoffier pensa que este “surf de genes”, como alguns lhe chamam, aconteceu com frequência enquanto os seres humanos se espalhavam pelo mundo, tendo levado à selecção de vários genes que favorecerem a curiosidade, a irrequietude, a inovação e a exposição ao risco. Na sua opinião, isto poderia “ajudar a explicar algum do nosso comportamento exploratório”. A exploração pode, por isso, criar um círculo que se auto-reforça, ampliando e disseminando os genes e as características que a impulsionam.
há outra dinâmica auto-reforçada na exploração, um diálogo permanente entre cultura e genes, em que os genes moldam a cultura que criamos e a cultura molda os nossos genomas.
Falamos de cultura num sentido lato, ou seja, conhecimentos, práticas ou tecnologias partilháveis utilizadas na adaptação a um ambiente. Estas noções só existem porque as nossas características genéticas evoluíram ao ponto de podermos criá-las e porque alteramos constantemente a sua forma. Mas a cultura em mudança pode igualmente moldar a evolução genética.
Da primeira vez que um antepassado humano se serviu de uma pedra para abrir um fruto seco, nasceu uma cultura que possivelmente intensificou a selecção dos genes subjacentes à destreza e à imaginação.
O exemplo clássico da relação cultura-genes é o desenvolvimento rápido de um gene capacitado para digerir lactose. Quem não o possuir terá dificuldade em digerir leite após a infância, mas quem o tiver conseguirá fazer essa digestão ao longo da vida. Há 15 mil anos quase ninguém possuía este gene porque não conferia qualquer vantagem. Era uma simples mutação aleatória. Mas quando os primeiros agricultores da Europa começaram a criar vacas leiteiras há cerca de dez mil anos, este gene deu um acesso súbito a uma fonte de alimento fiável durante todo o ano: elas seriam capazes de sobreviver a períodos de escassez que causavam fome noutras pessoas.
A vantagem disseminou o gene pela Europa, embora ele permanecesse raro noutras regiões.
Podemos observar sinais desta dinâmica em quase todas as manifestações do comportamento humano complexo e, sobretudo, na exploração. Da primeira vez que um antepassado humano se serviu de uma pedra para rachar a casca de um fruto seco, abriu caminho a uma cultura que possivelmente intensificou a selecção dos genes subjacentes à destreza e à imaginação. Por sua vez, o reforço das capacidades de destreza e imaginação aceleraram o desenvolvimento da cultura. Como Jim observa, Ernest Shackleton baseou-se fortemente nisto, explorando uma cultura de navios, ferramentas, inovação e descoberta de trajectos para explorar novos terrenos e regressar a casa. Na sala de recreio dos exploradores de Alison Gopnik, uma antiga cultura humana de criação cooperativa das crianças maximizou o valor dos genes que permitiu um longo período de desenvolvimento cerebral. E as famílias pioneiras do Quebeque alavancaram os seus genes e características mais irrequietos criando uma subcultura que recompensava a curiosidade, a inovação, a resistência e a vontade de correr riscos, bem como uma cultura material fundamental, composta por machados, enxós, chuços e ganchos que utilizaram para construir casas, abater árvores e fabricar os trenós, vagões e canoas em que viajavam.
James Cook também alavancou a sua inteligência e curiosidade para trazer para casa o mapa de um mundo nunca antes cartografado. O seu regresso aumentou o valor da cultura da marinha imperial inglesa e as características genéticas que demonstrou na suas viagens inexoravelmente curiosas e arriscadas.
O que dizer, então, sobre tupaia? Ao que parece, os seus genes e cultura percorreram um caminho enigmático até ao encontro com os britânicos. Com efeito, a disseminação dos polinésios pelo Pacífico representa uma das mais estranhas deslocações que levaram o Homo sapiens contemporâneo a sair da África para viajar pelo mundo fora. Começou como a primeira e uma das mais rápidas, abrandou até parar e depois terminou numa corrida em tempo recorde.
A sua viagem começou há cerca de sessenta mil anos, quando uma das primeiras pulsões migratórias saiu de África, atravessando o Médio Oriente e avançando pela costa meridional da Ásia. Os viajantes chegaram à Austrália e à Nova-Guiné, mais acessíveis na altura devido ao nível baixo das águas, em apenas dez mil anos. Durante outros dez mil anos, expandiram-se pela região insular por vezes denominada Oceânia Próxima, até chegarem às cordilheiras curvas dos arquipélagos das ilhas Bismarck e Salomão. Aí pararam definitivamente. Até então, diz Ana Duggan, que estuda esta migração no Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, “as ilhas para onde se mudavam eram geralmente visíveis a partir das outras”. Ou seja, havia sempre terra à vista: a próxima ilha erguia-se no horizonte à frente antes de a anterior desaparecer lá atrás.
No entanto, uma vez ultrapassadas as Salomão, podem passar-se semanas sem se avistar terra. Nem as técnicas de navegação destes povos da Oceânia Próxima nem as suas embarcações estavam à altura desse empreendimento. Por isso, eles permaneceram no lugar onde estavam, limitados pelo alcance da sua visão.
“A parte seguinte é um pouco polémica”, afirma Ana, embora seja sustentada pela maioria dos peritos na Polinésia e uma confluência crescente de provas linguísticas, arqueológicas e genéticas. Segundo esta teoria da “saída de Taiwan”, há cerca de 3.500 anos, os povos da Oceânia Próxima receberam visitas vindas de norte: um povo costeiro conhecido como austronésios que tinham deixado Taiwan e a costa meridional da China mil anos antes para se espalharem lentamente pelas Filipinas e outras ilhas, antes de atingirem a Oceânia Próxima. Aí chegados, misturaram-se e acasalaram com a população nativa. Nos séculos seguintes, esta mistura de genes e culturas criou um novo povo denominado lapita. Pouco depois, os lapitas começaram a navegar pelo Pacífico, sempre mais para leste.
O que os levou a recomeçar? Provavelmente não foram genes novos. Os asiáticos trouxeram outra coisa completamente nova: “Trouxeram um barco melhor”, afirma Ana.
Em rigor, eram canoas compridas com velas, flutuadores laterais e uma velocidade e alcance de navegação muito superiores. Permitiram aos austronésios navegar com ventos fortes e mares encrespados. Estas embarcações devem ter maravilhado os autóctones. A excitação gerada pelos navios, ainda hoje perceptível na cultura polinésia, teria conferido um elevado estatuto aos seus proprietários. À semelhança dos astronautas da actualidade, os construtores de barcos e marinheiros do Pacífico teriam desfrutado de um prestígio social que aumentava as oportunidades de acasalamento, granjeava apoio social e económico e criava uma força motivadora capaz de estimular quaisquer genes irrequietos.
Nas palavras de Wade Davis, antropólogo e explorador-residente da National Geographic, “quando alguém se faz ao mar em busca de terras novas, é mitificado, mesmo que nunca mais regresse”. E assim terá acontecido com Tupaia que, apoiado no DNA dos seus antepassados, partiu rumo ao Oriente.
Um veleiro a sério, como o desenvolvido pelos polinésios, é quase a metáfora ideal para os poderes mais fortes adquiridos através da cultura. Ele confere aos nossos genomas maleáveis, mentes imaginativas e mãos versáteis a capacidade para transformar as forças mais fortes do nosso ambiente de ameaça em oportunidade. Para os lapita que perscrutavam o horizonte a partir da extremidade oriental das ilhas Salomão, com um vasto oceano diante de si, esta embarcação oferecia-lhes algo parecido com um novo par de pernas. Com a barra do leme na mão e ilhas novas na mente, poderiam continuar a sua viagem pelo mundo.
Isto basta para incentivar até uma geneticista do Instituto Max Planck. Ao falar-me sobre estes barcos em Leipzig, Ana Duggan confessou que não era, por natureza, do tipo navegador. Mas esta embarcação de maiores dimensões de que falávamos parecia agitar a marinheira que havia dentro de si.
“Se alguém chegasse à costa num daqueles e me dissesse ‘Olha para o meu barco, tão grande e tão bonito. Eu consigo ir bem longe’, creio que eu entraria”, gracejou.