Escultor, pintor, inventor, matemático e acima de tudo excelente arquitecto, foi um dos pioneiros do Renascimento italiano. As suas obras conseguiram definir o sistema e as leis da perspectiva.

Em 1972, durante as obras de restauro da Catedral de Santa Maria del Fiore, em Florença, foi descoberto casualmente um túmulo do século XV esquecido na cripta.

Para espanto dos arqueólogos, tratava-se da sepultura de um dos maiores arquitectos de todos os tempos, o artífice da cúpula sob a qual descansavam os seus restos mortais: Filippo Brunelleschi.

Nasceu em Florença, em 1377, e o seu nome completo era Filippo di ser Brunellesco di Lippo Lapi. Filho de um notário muito respeitado na cidade, recebeu uma boa formação, tanto em ciências como em humanidades, embora muito cedo tenha mostrado interesse pela pintura e pelo desenho, uma inclinação que o pai respeitou e incentivou, colocando-o como aprendiz na oficina de um ourives amigo, Benincasa Lotti. Ali aprendeu a técnica da fundição de metal, a trabalhar a madeira com o cinzel e a esculpir pedras preciosas, enquanto se exercitava no desenho, preparando os esboços para esmaltes e relevos.

Ciente de que se quisesse cumprir a sua vocação artística necessitava de uma preparação muito maior, mudou-se para Roma na companhia do seu amigo, o pintor e escultor Donatello, e dedicou-se a estudar aprofundadamente os grandes monumentos da Antiguidade clássica. Recolhia e anotava os seus dados e observações numa escrita cifrada, com receio de que pudessem apoderar-se das inovadoras conclusões a que estava a chegar, especialmente sobre as leis da perspectiva.

Uma personalidade difícil

Filippo Brunelleschi foi sempre de natureza desconfiada. Introvertido e pouco sociável, de físico pouco atraente – era baixo em estatura e com uma cabeça desproporcionalmente grande – longe da estética que governava as normas sociais do incipiente Renascimento, época em que o culto da beleza física era uma prioridade e um requisito inevitável para ter sucesso. Por outro lado, a viagem a Roma surgira depois de uma das maiores desilusões da sua vida. Em 1401, tinha-se apresentado para o concurso de adjudicação das obras da segunda porta do Baptistério de Florença. Tinha-o feito com um painel de bronze intitulado O sacrifício de Isaac (actualmente conservado no Museu do Bargello de Florença), mas foi Lorenzo Ghiberti quem acabou por realizar a obra. Tal foi a sua desilusão, que só retomou a prática da escultura em 1410, quando esculpiu um crucifixo de madeira para a Capela Gondi de Santa Maria Novella.

Brunelleschi

Exemplo perfeito da proporção renascentista

Em 1429, Andrea de Pazzi, membro de uma das mais ilustres famílias de Florença, encomendou a Brunelleschi a construção de uma pequena capela no convento franciscano da Santa Cruz. Uma obra aparentemente menor que acabou por se tornar um dos projectos mais emblemáticos do contributo do genial arquitecto.

A capela funerária da família Pazzi situa-se no claustro do convento, pelo que a maior dificuldade para o arquitecto teve que ver com as reduzidas dimensões do local; não obstante, a sua perícia na composição das formas permitiu-lhe superar o desafio com sucesso. A capela é um exemplo perfeito da arquitectura renascentista, em virtude da proporção das formas e a composição à base de módulos. Acede-se ao interior através de um pequeno pórtico rectangular dividido em cinco tramos mediante seis colunas, compostas e cobertas na sua zona central por uma abóbada de berço. Sobre o mesmo, ergue-se um ático decorado com pilastras coríntias e coroado por uma cornija profusamente ornamentada. O edifício é rematado por uma cúpula. O reduzido espaço interior ganha vida própria, graças à utilização de policromias e à decoração com base em medalhões em majólica. Foi a última obra de Brunelleschi. Após a sua morte, outros arquitectos como Michelozzo di Bartolomeu e Giuliano da Maiano trabalharam na finalização da estrutura da capela, enquanto a decoração foi terminada por Luca della Robbia, que também tinha colaborado com Brunelleschi no Hospital dos Inocentes. A capela serviu ainda de inspiração a Miguel Ângelo para a construção da Sacristia Nova na Igreja de São Lourenço, em Florença.

Paralelamente, continuou a estudar uma das grandes questões que os pintores pré-renascentistas não tinham ainda conseguido resolver: o problema da perspectiva. Para a sua formulação (por volta de 1416), elaborou dois painéis de imagens de edifícios florentinos, hoje desaparecidos, com os quais formulou as leis da perspectiva, partindo da medição racional do espaço. Na sua juventude, realizara estudos de óptica, uma disciplina que se revelou de grande utilidade para formular a sua teoria de um ponto de fuga único, um elemento que caracterizaria a posterior produção artística do Renascimento italiano.

A cúpula de Santa Maria del Fiore

Em 1404, Brunelleschi regressou a Florença e foram-lhe encomendados vários trabalhos, entre os quais se destaca o projecto do Hospital dos Inocentes, no qual estão já presentes as características que marcariam a sua obra posterior: a elegância das formas e a combinação de elementos clássicos com outros inovadores, que o tornariam o primeiro edifício construído segundo os cânones do Classicismo. No entanto, a obra que culminaria a sua carreira só chegou em 1418.

Nesse ano, as autoridades florentinas decidiram lançar um concurso público para construir a cobertura da catedral de Florença. O templo fora iniciado em 1296, com base nos planos do arquitecto Arnolfo di Cambio; por volta de 1334, as obras foram retomadas por Giotto e, após a sua morte, por Andrea Pisano, embora este último tenha tido de interromper a continuação das obras devido à peste negra que, em 1348, assolou a cidade. O templo permaneceu, assim, inacabado. Concretamente, faltava a cobertura do enorme espaço octogonal na qual confluíam as três naves principais. Um desafio arquitectónico que ninguém se atrevera a assumir.

Ao desafio convocado pela Signoria florentina concorreram diversos projectos, alguns tão disparatados como a elevação de uma enorme coluna central que suportaria por si só o peso da enorme cúpula prevista. É provável que Brunelleschi, conhecedor do problema que representava o enorme vazio que impedia consagrar a basílica, já tivesse trabalhado no projecto antes de o concurso ter sido lançado. De qualquer forma, sairia vencedor, na condição de que partilhasse a direcção da obra com Ghiberti.

Brunelleschi

Cúpula de Santa Maria del Fiore. A majestosa e monumental cúpula da catedral de Florença é, sem dúvida, a obra mais conhecida e controversa de Brunelleschi, e é considerada o ponto de partida para o posterior desenvolvimento de toda a arquitectura italiana do Renascimento.

O seu projecto baseava-se na construção de uma grande cúpula pontiaguda de base octogonal, coroada por uma lanterna que iluminaria todo o recinto. A base era constituída por duas estruturas sobrepostas, ma maior do que a outra, entre as quais haveria uma câmara de ar que permitiria aligeirar o peso total do conjunto. Viria a ser construída com tijolo, pedra e mármore, suportada por tirantes de madeira e ancoragens metálicas, sobre um tambor poligonal, que mais tarde seria coberto por mármore. Uma série de óculos circulares deveriam fornecer a suficiente iluminação zenital para o interior do cruzeiro. Com esta solução, Brunelleschi conseguiu desenhar pela primeira vez uma cúpula cujo aspecto interior é o mesmo que o exterior.

No entanto, a implementação do projecto foi isenta de tensões. Em 1436, com a cúpula praticamente finalizada, foi lançado um novo concurso para o projecto final da lanterna, apesar de esta já constar do projecto original que venceu o concurso. Ofendido, Brunelleschi pensou em abandonar o trabalho, mas acabou por decidir insistir no projecto original da lanterna, que, uma vez mais, acabou por ganhar o concurso. Não poderia ser de outra forma, porque a lanterna é, em pequena escala, um resumo da estrutura que a suportaria. Com uma altura de 16 metros, foi inspirada nos templos circulares da Roma imperial e apresenta uma série de aberturas que permitem a entrada de luz, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, enorme leveza de formas.

A rivalidade com Ghiberti

Trabalhar lado a lado com o seu antagonista não foi fácil. Em 1423, numa das fases mais delicadas da construção, Brunelleschi sentiu-se doente. Tanto que se retirou por uns dias, deixando a Ghiberti a responsabilidade de continuar a direcção da obra. Alguns dias depois, regressou e não teve qualquer pudor em dizer que o trabalho realizado não estava em condições e que teria de ser feito novamente. É evidente que a doença não tinha existido e que tudo não passou de um engodo para deixar Ghiberti em maus lençóis. O desentendimento acabou por conduzir à nomeação de Brunelleschi como único director da obra.

Brunelleschi

Este relevo de bronze (Museu Bargello, Florença), obra de Brunelleschi emoldurado pelo típico quadrilóbulo florentino, ficou em segundo lugar no concurso, lançado em 1401, para adjudicar a realização da porta norte do Baptistério de Florença, no qual participaram também Jacopo della Quercia e Lorenzo Ghiberti. Venceu este último, e Brunelleschi, desgostoso pelo fracasso, decidiu orientar a sua carreira para a arquitectura.

Ghiberti esperou algum tempo até lhe devolver a afronta. Em 1434, Brunelleschi foi preso na sequência de intrigas promovidas pelo seu adversário, que o denunciou por falta do pagamento de quotas devidas à Signoria. Não demorou muito tempo a cumprir a pena e, tendo-se dedicado integralmente à sua obra, no dia 25 Março de 1436, a cúpula de Santa Maria del Foire foi benzida numa cerimónia solene na presença do papa Eugénio IV e de uma assembleia de cardeais e bispos.

A criação de um estilo próprio

Paralelamente à construção da cúpula de Santa Maria del Fiore, a partir de 1420 Brunelleschi dirigiu uma série de outras obras-primas, todas elas em Florença. Entre outras, a Capela Capponi, na Igreja de Santa Felicita e a Sacristia Velha (1421-1428) na Igreja de São Lourenço, a pedido da família Médici. Esta foi a única das suas obras em que trabalhou em exclusivo sem a colaboração de outros arquitectos e para a qual se inspirou em elementos da arquitectura medieval da Toscana, que revisitou através da aplicação de soluções típicas da Antiguidade Clássica e decorando-a com esculturas de Donatello, além de ser também o responsável pela ampliação da mesma igreja (São Lourenço) sobre a anterior construção românica. Em todo o projecto Brunelleschi inspirou-se noutros edifícios da tradição medieval florentina, como Santa Maria Novella ou a Trindade. A partir destes modelos, organizou os espaços de forma inovadora e, recorrendo ritmicamente aos mesmos motivos arquitectónicos e decorativos, soube impor o estilo próprio que imprimia a todas as suas criações uma especial majestosidade. A planta é de cruz latina com três naves e capelas laterais, enquanto o tecto é adornado por uma rede de caixotões quadrados, inspirado na cobertura do Panteão de Agripa.

O prestígio de Brunelleschi era cada vez maior.

Já não era apenas a elite religiosa que reclamava os seus serviços, mas também as principais instituições da cidade. Assim, em 1420, ampliou a sede do partido guelfo, criando uma grande sala de reuniões que é ainda hoje conhecida como “Sala Brunelleschi”, e projectou o pátio principal do Palácio Busini-Bardi (1421). Além disso, o governo de Pisa pediu-lhe que estudasse a fortificação das muralhas da cidade (1424), um projecto cujos resultados aplicou também em 1430, em colaboração com Donatello, Michelozzo e Ghiberti, nas fortificações de defesa de Florença durante a guerra contra Lucca. A sua fama tinha-se espalhado por toda a Itália e, entre 1430 e 1437, viajou por Milão, Mântua e Rimini, com o objectivo de realizar projectos para as grandes famílias das cidades – os Sforza, os Gonzaga, os Malatesta – que reclamavam os seus serviços. Tinha conseguido reunir uma pequena fortuna e vivia com o seu filho adoptivo Buggiano, também escultor. No dia 15 de Abril de 1446, inesperadamente, Filippo Brunelleschi faleceu na mesma Florença que o vira nascer. Diz-se que, durante o funeral, a sua urna foi colocada mesmo por baixo da cúpula à qual dedicou grande parte da sua vida.