A magia esteve presente na Antiga Roma desde o início da sua história. Nas Doze Tábuas, o primeiro documento jurídico romano, elaborado em meados do século V a.C., incluíam-se já normas contra determinadas práticas mágicas, concretamente contra “quem causar o mal através de fórmulas mágicas”,“quem através de feitiços fizer desaparecer os bens alheios”, “quem tiver roubado as colheitas de um vizinho com sortilégios”… As autoridades pretendiam reprimir actos que ameaçavam a ordem social, mas a verdade é que nunca conseguiram o seu objectivo. No mundo romano, existia a crença generalizada nas forças ocultas da natureza e na possibilidade de as invocar ou conjurar através de todo o tipo de sortilégios. Assim o demonstram tanto os testemunhos literários como um grande número de descobertas arqueológicas.

Na Antiguidade greco-latina, a magia apelava a poderes sobrenaturais, a potências invisíveis que atacavam a alma ou que fluíam no universo exterior aos humanos.

Feitiços e superstições

Conclave de feiticeiras. Este mosaico da Casa de Cícero, em Pompeia, representa uma cena teatral na qual duas jovens mulheres consultam uma feiticeira. Museu Arqueológico Nacional, Nápoles. Scala, Florença

A magia era o meio pelo qual o engenho humano tentava impor a sua própria vontade sobre a natureza ou sobre as pessoas. A religião perseguia, em parte, os mesmos objectivos, mas, ao contrário dos rituais mágicos, celebrados de forma secreta e individual, o culto dos deuses do Olimpo estava regulamentado e instituído publicamente.

Danos aos outros

As práticas religiosas mais antigas continham uma componente mágica. Invocavam-se algumas divindades menores com fórmulas repetitivas ligadas a gestos rituais, com os quais se pensava conseguir manipular a ordem natural das coisas. Conta Varrão, no seu tratado sobre agricultura, que para curar os pés tinha de se invocar Tarquínia em jejum e repetir nove vezes a seguinte fórmula ritual: “Penso em ti: cura os pés. Deixa o mal na terra e mantém a saúde nos meus pés.” Ao mesmo tempo, tinha de se tocar e cuspir no solo.

Feitiços e superstições no tempo dos romanos

Um culto muito particular. A religião tradicional dos romanos baseava-se em rituais que procuravam o favor dos deuses. Cada família tinha o seu Lar familiaris ou espírito protector, ao qual faziam diariamente sacrifícios ou pequenas oferendas num altar por norma disposto no jardim da casa. Existiam também lares protectores dos campos e das estradas. No século I a.C., os intelectuais censuraram a excessiva crença no poder destes deuses tutelares e nos rituais que lhes eram oferecidos. Cícero, por exemplo, no seu tratado Sobre a natureza dos deuses, distinguia a religião, que consistia no “culto piedoso dos deuses”, e a “superstição” perpetrada por quem, “durante dias inteiros, fazia preces para que os seus filhos sobrevivessem”.

É provável que se recorresse mais à magia para causar danos a outros. O ponto de partida era a crença de que certas pessoas podiam prejudicar as outras com um simples olhar: o mau-olhado ou, em latim, a invidia.

Plínio, o Velho, descreveu indivíduos que, ao exercerem “fascínio” ou mau-olhado, podiam não só causar doenças mas também a morte daqueles que eram trespassados pelo seu olhar. Este poder maléfico frequentemente associado a pessoas com deformidades ou a estrangeiros era atribuído com regularidade a vizinhos com os quais existiam disputas ou quezílias.

Um receio habitual entre os romanos era que alguém entrasse em suas casas e introduzisse o mau-olhado na sua família. Por isso, era habitual nas ombreiras das portas encontrar advertências contra quem vinha com más intenções. Por vezes, eram representadas em mosaicos ou em relevos nos quais um olho era atacado por deuses ou animais. Esta mesma crença levava a que se pintassem olhos na proa dos barcos, com o objectivo de os proteger das desgraças que podiam acontecer durante as travessias.

Perante o risco de ser vítima de um feitiço, os romanos protegiam-se com amuletos aos quais atribuíam propriedades profilácticas.

Feitiços e superstições no tempo dos romanos

Como livrar-se do mau-olhado. Numa casa na antiga Antioquia (actual Antakya, na Turquia), encontrou-se um mosaico que ilustra bem a obsessão do mundo antigo pelo mau-olhado. Nele, pode observar-se um olho em tamanho grande atacado por diversos animais: uma pantera, um cão, uma serpente, um escorpião, uma centopeia e um corvo. Além disso, tem cravado nele um tridente e uma espada. Na parte esquerda do mosaico, está representado um anão armado com bastões em ambas as mãos e, de costas viradas para o olho, ataca-o com o seu membro viril, o que relembra o poder apotrópico ou protector que o falo tinha nas culturas antigas. Por cima do anão, lê-se uma inscrição em grego, muito habitual neste tipo de representações: KAI SY, “tu também”. Os especialistas ainda debatem o significado desta expressão, embora geralmente se pense que seria um aviso para os visitantes mal-intencionados, sujeitos a sofrerem os mesmos castigos que o olho. O mosaico deu nome à casa na qual foi encontrado, a Casa do Mau-Olhado. Mosaico da Casa do Mau-Olhado na antiga Antioquia, na Síria Romana. Museu Arqueológico de Hatay, Antakya.

Existiam muitos e de vários tipos, mas os mais frequentes tinham a forma de falo, um símbolo de fertilidade na Antiguidade e, consequentemente, também associado à boa sorte. Usadas como amuletos, as figuras fálicas tinham, segundo os romanos, a capacidade de combater o mau-olhado. Era frequente levá-las ao pescoço como colares, mas também eram pintadas nas fachadas e nos pavimentos de mosaicos dos vestíbulos. Nas residências, eram igualmente comuns os tintinabula, “campainhas” de cerâmica ou bronze cujo badalo podia ter um formato fálico.

Crianças e mulheres

As crianças, como vítimas potenciais e indefesas da magia, eram especialmente protegidas com amuletos de diversos tipos. Nove dias após o nascimento, colocava-se-lhes à volta do pescoço a bulla, uma bola de ouro que supostamente repelia o mau-olhado. Aos 16 anos, quando o jovem atingia a maioridade, retirava-se-lhe a bulla e esta era oferecida aos deuses Lares ou a Hércules no pequeno altar doméstico. Segundo Ovídio, além de proteger contra maldições, a bulla prevenia as mortes prematuras e o aparecimento das larvae, os espectros dos mortos. As meninas e as mulheres, por seu lado, tinham um amuleto semelhante em forma de Lua crescente, a lúnula.

Feitiços e superstições no tempo dos romanos

Em Pompeia e Herculano (numa rua como a que figura na imagem), descobriram-se amuletos, mosaicos e pinturas de tema misterioso e protector. Fotografia de Michele Falzone / Awl Images.

Gestos perigosos

A invidia não era unicamente exercida através do olhar. Podia também ser desencadeada por determinados gestos das mãos.

Plínio, o Velho, escreveu que “estar sentado, com os dedos entrelaçados uns nos outros, perto de uma mulher grávida ou de uma pessoa à qual se administrava um medicamento, correspondia a uma maldição”. E acrescentava: “Mas é ainda pior se os dedos abraçarem um joelho ou os dois.

Feitiços e superstições no tempo dos romanos

Feitiço para ficar invisível. Uma fonte fundamental para conhecer as práticas mágicas da Antiguidade são os papiros mágicos encontrados no Egipto greco-romano. Neles podem ser encontradas invocações a deuses como Hélio ou Apolo para que estes concedam a capacidade de prever o futuro e até para ficar invisível. O papiro de Berlim oferece a seguinte receita: “Depois de conseguir a gordura ou o olho de uma coruja e a bola de um escaravelho e óleo de mirra verde, e depois de tudo bem misturado, besunta com isto o teu corpo.” O feitiço deveria ser pronunciado a olhar para o Sol. Embora se trate de magia branca, é óbvio que responde a desejos mágicos com fins ocultos. Na imagem, Grande Papiro de Paris contém sortilégios e fórmulas mágicas. Biblioteca Nacional De França, Paris.

Também poderá ser uma maldição se se colocar um joelho ou os dois sobre as coxas.” Da mesma forma, o mau-olhado podia ser esconjurado com gestos como o da figa, apresentando o polegar entre os dedos médio e indicador, o que evocava um acto sexual. Era habitual trazer colares com figurinhas de mãos nesta posição, como amuletos.

A magia negra

Além das diferentes formas de invidia ou mau-olhado, registavam-se práticas de feitiçaria ou bruxaria, que se poderia hoje designar por magia negra. Nesta, recorria-se a maldições, exorcismos ou encantamentos com diversos objectivos, fosse para prejudicar um adversário num processo judicial, provocar a derrota de um auriga numa corrida ou, na manifestação provavelmente mais frequente, por um motivo amoroso ou sexual.

Feitiço

Feitiço de amor e vodu. No Grande Papiro Mágico de Paris, encontra-se um método para produzir um “milagroso feitiço amoroso”. Consiste em elaborar com barro ou cera duas figurinhas — uma masculina que imite Ares, o deus da guerra, e outra feminina, sentada e com as mãos nas costas. Nesta última, escrevem-se palavras mágicas em distintas partes do corpo e em seguida fazem-se-lhe punções com treze agulhas de bronze: “Cravei uma no cérebro dizendo: ‘Eu te atravesso o cérebro’, duas nos ouvidos e duas nos olhos, uma na boca e duas nas entranhas, uma nas mãos, duas nos órgãos sexuais e duas nas plantas dos pés, dizendo a cada vez que o fazia: ‘Atravesso tal membro para que não concorde com ninguém, senão comigo’.” Fotografia de Hervé Lewandowski / Rmn-Grand Palais.

Outro possível motivo era a eliminação de um adversário político.

Os historiadores antigos evocam diversos episódios de feitiçaria que causaram sensação. Um bem conhecido é o da morte de Júlio César Germânico – filho adoptivo do imperador Tibério – em Antioquia, no ano 19 d.C. Segundo Tácito, na casa onde faleceu, foram encontrados ossos humanos calcinados, lâminas de chumbo gravadas com encantamentos e cinzas cobertas de sangue. Germânico, que antes de morrer acusou Píson, o governador da Síria, e a sua esposa Plancina de o terem enfeitiçado, morreu convencido de que fora vítima de magia negra.

Porém, a melhor prova da realidade das práticas de feitiçaria encontra-se nas chamadas tabuinhas de maldição, em latim tabellae defixionum. Encontradas em todas as províncias do Império Romano, estas tabuinhas eram pequenas lâminas com um formato rectangular, com menos de vinte centímetros no lado maior e um texto inscrito em latim ou, mais frequentemente, em grego, que continha feitiços mágicos dirigidos contra pessoas às quais se queria mal. Uma vez gravadas, eram dobradas e atadas ou atravessadas por um prego, acção pela qual têm o nome (em latim defixere, que significa pregar) e que era uma maneira figurada de consumar o feitiço. Em seguida, eram enterradas ou colocadas num local onde não fossem encontradas e, portanto, não se pudesse desfazer o encantamento: um poço, um curso fluvial, no mar, numa canalização… embora o melhor sítio fosse um túmulo, especialmente se o defunto tivesse falecido prematuramente ou de forma violenta, como alguém executado pela justiça, uma vítima de suicídio ou um gladiador morto em combate, o que explica que tenham sido encontradas dezenas destas tabuinhas em anfiteatros.

Sacrifícios propiciatórios

Por vezes, antes de cravar e enterrar a tabuinha, faziam-se determinados rituais, como o depósito de uma oferenda ou o sacrifício de animais. Assim, numa tabuinha localizada em Olbia, perto de Marselha, pode ler-se: “Da mesma forma que este pequeno gato não fez mal a ninguém, que da mesma forma não possam ganhar o processo. Da mesma forma a mãe deste pequeno gato não conseguiu defendê-lo, que assim os advogados não consigam defendê-los.”

Nas tabuinhas mágicas descobertas, emergem alguns temas recorrentes. A que acabámos de citar, por exemplo, pertence a um amplo elenco de tabuinhas de carácter judicial com as quais se tentava obter um resultado favorável num determinado processo. Chama aliás a atenção que os textos não se refiram nunca ao juiz, procurando ao invés prejudicar os acusadores, as testemunhas e os advogados. Presume-se que os feitiços seriam realizados durante o processo, antes de se anunciar a sentença.

Uma tabuinha descoberta em Bath, na costa de Inglaterra, parece rogar uma maldição contra vários membros da mesma família – “Uríalo; Docilosa, a sua mulher; Dócilo, o seu filho, e Docilina; Decentino, o seu irmão, e Alogiosa”– contra alguém que terá prestado um falso testemunho: “Ao que prejudicou. É preciso que o faças pagar por isso, deusa Sulis, com o seu próprio sangue” – termina a súplica.

Em sítios arqueológicos por toda a Europa romana, encontraram-se tabuinhas nas quais se reclamava vingança contra ladrões, mas também abundavam as de natureza amorosa ou derivadas de ciúmes.

romanos

Fresco da Casa dos Dióscoros em Pompeia que representa um viajante consultando um mago. Encontra-se no Museu Arqueológico Nacional de Nápoles.

Uma proveniente da cidade tunisina de Hadrumeto, datada do século III, contém uma passagem mágica para que “Sextílio, filho de Dionísia, não durma mais, que arda e delire, que não durma nem repouse, que não fale, mas que sonhe só comigo, Séptima, filha de Amena; que arda e delire de amor e de desejo por mim.”

As competições desportivas, como as corridas de quadrigas, eram igualmente temas habituais nas tabuinhas de maldição. Num exemplar encontrado em Hadrumeto (Sousse), pode ler-se: “Te conjuro, demónio, quem quer que sejas, e peço-te que, desde esta hora, desde este dia, desde este momento, tortures e mates os cavalos dos Verdes e dos Brancos e faças chocar e mates os aurigas Claro, Félix e Prímulo e Romano, e não deixes nem o espírito para eles; conjuro-te através deste que te libertou para sempre aos deuses do mar e do céu”. O texto terminava com um feitiço mágico: “Iao, Iasdao, oorio, aeia.

As temidas bruxas

Provavelmente, alguns destes rituais associados às tabuinhas mágicas foram realizados por particulares, mas existiram também, sem qualquer dúvida, bruxos e bruxas, embora a sua existência em Roma seja difícil de provar. Não foram preservados quaisquer documentos nos quais alguém proclame a sua condição de mago, manipulador de poções e criador de conjuros, nem de feiticeiro com capacidade de acorrentar paixões ou de provocar ódios.

bruxas

As bruxas Canídia e Ságana fazem feitiços amorosos durante a noite, óleo de J.E. Hummel. 1848. Museu Nacional Alemão, Nuremberga.

Existem somente alguns testemunhos literários nos quais aparecem retratos estereotipados de bruxas necromantes. Horácio, por exemplo, evoca em alguns dos seus poemas duas bruxas, Canídia e Ságana. Apresenta-as a rasgar com os dentes um cordeiro negro e a recolher o sangue num buraco no chão para invocar os Manes – os espectros dos defuntos – e a Hécate, a deusa da bruxaria e dos venenos.

Conta Horácio que durante a noite apanham os ossos dos mortos e plantas venenosas nos subúrbios de Roma, entre túmulos e valas comuns: “Eu mesmo vi Canídia, com um vestido negro, pés nus e cabelos desgrenhados, caminhar uivando com Ságana, a mais velha: a palidez fizera-as horrendas no aspecto.” E atribui até a Canídia o suplício de um adolescente que enterrara vivo, deixando só o rosto visível para que languidesça lentamente e morra por inanição; a seguir, extrai-lhe o fígado e a sua medula para fazer uma poção amorosa.

O testemunho de Horácio é seguramente uma recriação literária com intenção satírica, mas nem por isso carece totalmente de fundamento. Parece existir um pano de fundo de realidade na cena evocada pelo poeta ou pelo menos assim acreditavam os próprios romanos.

Uma inscrição funerária encontrada em Roma, pertencente a um menino morto ainda em tenra idade, é conclusiva:“ Quando cumpri o meu quarto ano, quando podia ser a alegria do meu pai e da minha mãe, fiquei doente e definhei, arrebatado pela mão cruel de uma feiticeira, saída sabe-se lá de onde, pois as bruxas estão em todos os sítios do mundo para fazer o mal com as suas artes más.”

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