O nosso planeta sofreu constantes alterações climáticas no decurso da sua longa história. Essas alterações causaram destruições catastróficas em diversas ocasiões e até o desaparecimento de civilizações inteiras (como é o caso da erupção do vulcão da ilha de Tera, no Mar Egeu, que ocorreu algures entre os séculos XVII e XVI a.C., e que pode ter posto fim à civilização minóica). Os investigadores crêem que algumas actividades geológicas, como erupções vulcânicas devastadoras, chegaram a provocar alterações políticas de grande envergadura.

Terá sido o caso de uma misteriosa erupção vulcânica (os investigadores não estão de acordo quanto à sua origem) ocorrida no ano 209 a.C., que provocou uma grave seca no Egipto e obrigou os habitantes da próspera cidade de Berenice, no Mar Vermelho, a abandoná-la temporariamente. Um outro exemplo é a erupção do vulcão islandês Okmok II, no ano 43 a.C., que, segundo as últimas investigações, foi o culpado por uma inexplicável alteração climática que causou um longo período de frio extremo em todo o Mediterrâneo e pode até ter provocado a queda da República romana.
International Journal of Wood Culture
Algumas das etiquetas de madeira estudadas, provenientes da Biblioteca Nacional e Universitária de Estrasburgo.
PEDAÇOS DE MADEIRA COM informação preciosa
Esta misteriosa alteração climática está a ser investigada por um grupo de cientistas suíços a partir de um elemento singular: as etiquetas de madeira que acompanhavam as múmias no Egipto romano e que começaram a ser habituais na época helenística. Estas pequenas placas, escritas em grego e em demótico, continham informações sobre o defunto: a sua idade, ocupação, origem, o método usado para a sua mumificação e o seu local de descanso final.
Porque são tão importantes estas etiquetas funerárias em madeira? Precisamente por causa do material de que são feitas e porque, graças ao clima árido do Egipto, a madeira conserva-se em perfeito estado. Além disso, as árvores formam um anel dentro do tronco todos os anos, com características diferentes dependendo das condições climáticas no momento da sua formação.
Deste modo, como as etiquetas que acompanharam as múmias deste período da história egípcia são de madeira, contêm informações preciosas sobre o ambiente e o clima da sua época.
Todos os anos, as árvores formam um anel dentro do tronco, com características diferentes, dependendo das condições climáticas no momento da sua formação.
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Comparação de duas etiquetas de múmias. Os anéis na madeira são visíveis.
“As árvores são arquivos que guardam muita informação, como o impacto do clima no seu crescimento e os episódios de seca”, afirmou François Blondel, investigador da Universidade de Genebra e um dos directores deste projecto, cujo resultados foram publicados no International Journal of Wood Culture.
Mas como podem os investigadores reconstituir o clima do passado? Segundo Blondel, o segredo reside na largura dos anéis. Os anéis mais largos sugerem um crescimento rápido, próprio dos anos húmidos. Em contrapartida, os anéis mais estreitos evidenciam anos de seca. Perante este conhecimento, segundo o investigador, a sobreposição de padrões de anéis de crescimento de diferentes espécies de árvores pode revelar as flutuações climáticas ocorridas ao longo do tempo.
Uma investigação a longo prazo
Para realizarem o seu estudo, os investigadores analisaram mais de 1.700 placas funerárias em madeira. Em 451 casos, conseguiram identificar as espécies de árvores com que foram elaboradas. Algumas árvores eram originárias do Egipto e outras eram importadas, inclusive de locais tão distantes como a Península Ibérica. As espécies mais abundantes são cedros, pinheiros, figueiras, tamargueira, mas também se verificou a presença de abetos, ciprestes, faias e oliveiras. Os especialistas analisaram o padrão dos anéis de crescimento de 242 casos, dos quais 80 por cento contavam com menos de 50 anéis, 18 por cento com entre 50 e 100 anéis e 2 por cento com mais de 100 anéis.
Embora os autores reconheçam que a amostra é pequena para reconstituir o clima do Egipto romano e do Mediterrâneo oriental, crêem que fornece uma perspectiva muito interessante. A vantagem de estudar este tipo de material é a sua quantidade, uma vez que existem milhares de placas funerárias em madeira, distribuídas por museus de todo o mundo.
Embora cada amostra contenha poucos anéis, em alguns casos, quando se consegue determinar a origem comum de diferentes placas, é possível criar séries longas. Além disso, segundo Blondel, o estudo pode estender-se a outros elementos em madeira como “retratos de múmias, sarcófagos e diferentes objectos do quotidiano de menores dimensões, que são menos abundantes nos museus, mas proporcionam frequentemente séries de anéis maiores”.
Em alguns casos, quando se consegue determinar a origem comum de diferentes placas, é possível criar séries longas.
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Diferentes etiquetas de múmias estudadas no âmbito da investigação. Biblioteca Nacional e Universitária de Estrasburgo.
Blondel insiste que o trabalho ainda “está em curso” e que “falta estudar muita madeira para reunir as referências que estarão na base das nossas reconstruções climáticas”, razão pela qual o especialista diz que “devemos continuar a trabalhar noutras colecções de madeira do Egipto romano e alargar o nosso estudo a outros territórios, sobretudo aos locais de origem da madeira importada pelo Egipto”. Desta forma, “mesmo que não tenhamos certezas sobre o clima do Egipto naquela época, conheceremos, pelo menos, uma tendência de episódios climáticos assinaláveis numa grande parte do Mediterrâneo oriental”, conclui o investigador”.