A National Geographic atribuiu à fotógrafa portuguesa Violeta Santos Moura uma bolsa ao abrigo do projecto internacional “Covid Fund” para cobertura jornalística das repercussões da pandemia em vários países do mundo.
No início da pandemia, os números de infecção por coronavírus (COVID-19) eram quase inexistentes nas áreas do interior do Norte de Portugal, fazendo com que o vírus parecesse um perigo distante. Mas, a partir de Outubro de 2020, o vírus começou a aproximar-se das pequenas aldeias e o que se tornaria a segunda onda da pandemia no país trouxe consigo o inevitável para essas áreas remotas: infecções crescentes, confinamento, medo.
A chegada tardia do vírus e a sua propagação intermitente nessas áreas, o que provavelmente salvou muitas vidas, é, na verdade, consequência de problemas de longa data que assolam essas comunidades isoladas. Embora algumas das razões para esta propagação mais lenta e esparsa do vírus possam ser atribuídas a medidas implementadas pelo governo e autoridades locais, outras razões, alheias ao seu controlo, revelaram-se decisivas para proteger as comunidades mais vulneráveis no interior de Portugal.
Distanciamento, pobreza, baixas taxas de natalidade, envelhecimento da população, emigração para as zonas costeiras do país e para o estrangeiro mantiveram estas aldeias e seus habitantes, na sua maioria idosos - relativamente isolados do vírus, mas também, em certa medida, do seu desenvolvimento económico. Portugal está entre os cinco países com as populações mais idosas do mundo, juntamente com a Itália, Japão e Alemanha ou Finlândia.
Aldeias isoladas, cada vez mais pequenas, com menos de cinco e até mesmo dois ou um único habitante, com casas em ruínas, sem jovens e escolas abandonadas são uma característica comum desta zona de Portugal. Algumas destas aldeias fantasmas estão paradas no tempo e em tal isolamento que as forças policiais têm, entre outras tarefas, visitar regularmente os residentes e certificar-se de que permanecem seguros. É esse isolamento extremo que manteve o interior rural, com sua população envelhecida - um grupo de risco de Coronavírus - a salvo de grandes surtos que, na sua maioria, afetou as grandes cidades e capitais de distrito.
Este ensaio fotográfico lança luz sobre como as medidas de contenção COVID-19, projetadas principalmente para centros urbanos, afectaram comunidades rurais remotas, confinadas em Trás-os-Montes e Alto Douro. Também revela como a pandemia, agravada por condições de vida dificeis, tem impacto nesta população. O que mudou? Como os confinamentos afetam as ligações sociais e económicas frágeis? A pandemia representa um agravamento da desertificação das aldeias num mundo rural com caractristicas únicas? Os esforços de vacinação chegaram a tempo para os mais idosos, às vezes únicos habitantes de aldeias centenárias e últimos conhecedores de tradições antigas?
Estas e muitas outras perguntas são respondidas em seis capítulos:
Capítulo I: Perigo de extinção
Muitas aldeias do interior de Portugal estão em vias de uma lenta extinção, à espera que os últimos habitantes se mudem ou morram e a sua história desapareça no esquecimento. Para essas comunidades, o isolamento não é nenhuma novidade, a vida é basicamente como era antes do Covid 19, talvez um pouco mais solitária.... Como é o dia a dia nestas zonas mais remotas e isoladas do país? A imagens que se seguem procuram responder a algumas destas questões.
Capítulo II: O começo
Os primeiros dias e meses de pandemia no interior norte de Trás-os-Montes e Alto Douro foram marcados principalmente pelas notícias de surtos nas capitais de distrito e municípios. Posteriormente, começaram a também a aparecer surtos em casas de repouso, centros de dia e centros de apoio à terceira idade, aumentando a apreensão dos idosos destas zonas.
Capítulo III: Proteger os mais vulneráveis
A pandemia COVID-19 deu azo a novos métodos de burla, com muitos casos relatados de venda de supostas curas e falsas vacinas para o vírus ou de indivíduos fazendo-se passar por profissionais de saúde com o intuito de roubar os habitantes mais isolados.
Perante disso, as forças policiais, organizações sem fins lucrativos e autoridades locais incluíram nas suas visitas regulares de monitorização a aldeias remotas e despovoadas, informações sobre como evitar o contágio e fraudes relacionadas com a epidemia.
Além de ajudar residentes vulneráveis com doações de alimentos e realizar exames regulares de saúde ao domicilio para evitar que os idosos viajem e corram o risco de contágio, a Cruz Vermelha fornece apoio psicossocial, ainda mais importante numa época de medo, incerteza e isolamento mais profundo com as restrições de movimento.
A Guarda Nacional Republicana, também possui várias equipas no terreno a trabalhar com as populações mais vulneráveis, entregando muitas vezes correio, remédios e alimentos.
Capítulo IV: Tradições
O interior rural do Norte de Portugal é o lar de tradições culturais únicas, que foram mantidas vivas pelos seus habitantes através de festivais e encontros locais. A região de Barroso, por exemplo, foi declarada Património Mundial da Agricultura pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura devido às técnicas agrícolas ancestrais e agricultura comunitária. No entanto, cada vez menos pessoas permanecem nesta zona a trabalhar na agricultura.
O Norte também é o lar dos últimos guardiões vivos das actividades tradicionais locais e formas de arte, como, por exemplo, os “alfaiates de palha” que fabricam as tradicionais capas de chuva de palha. Muitos desses costumes já corriam o risco de desaparecer com o envelhecimento e diminuição das comunidades. Com a pandemia, a situação agravou-se. As iniciativas para preservar e reabilitar essas actividades ganharam um novo sentido de urgência.
Capítulo V: A vida encontra um caminho
Conforme o tempo passa as pessoas começam a aceitar, lidar e a adaptar-se a esta nova realidade e os habitantes das áreas rurais do interior norte de Portugal não são excepção.
Num sector habitualmente de baixo rendimento, muitos agricultores tiveram um enorme prejuízo nos negócios desde o início da pandemia devido ao cancelamento de feiras e o fecho prolongado dos mercados. Perante isso, sem outras opções, e incentivados por plataformas de vendas online criadas por municípios, e apesar de e alguma desconfiança e cepticismo iniciais, alguns produtores foram obrigados a aventurarem-se no mundo até aqui para eles desconhecido das vendas online.
Outro desafio a superar era como, durante o fecho das escolas aquando do confinamento com vista à redução dos números de contágio por COVI-19, fornecer educação online às crianças de pequenas aldeias com pouca ou nenhuma infraestrutura de Internet ou provenientes de famílias sem ligação à Internet, sem computadores ou mesmo eletricidade nestas zonas mais rurais e remotas. Tudo isto representou uma série de novos problemas com crianças, já vulneráveis em termos de recursos, a arriscarem-se a ficarem em desvantagem relativamente às crianças dos centros urbanos, estas com mais facilidade de acesso a meios audiovisuais. Perante tudo isto algumas autoridades locais encontraram soluções criativas para o problema, conforme foi possível documentar.
Mas enquanto alguns aspectos da vida tiveram que mudar, outros mais tradicionais provaram ser essenciais para suportar estes tempos extraordinários. A inexistência de comércio local em algumas povoações por exemplo, ajudou a prevenir o contágio. A ausência de comércio nunca foi um problema durante a pandemia, pois houve sempre distribuição e venda de pão, mantimentos ou carne através de carrinhas que fazem um circuito predefinido por muitas aldeias, tornando desnecessário para os residentes aventurarem-se em supermercados em áreas urbanas populosas para comprar bens essenciais.
Capítulo VI: Esperanças amargas
Em Janeiro e Fevereiro de 2021, a pandemia por COVID-19, em Portugal, apresentava valores muito elevados quer em número de contaminações quer em número de mortes. Apenas no final de Fevereiro os números dos contágios começaram a diminuir e o início de Março trouxe, com um alívio agridoce, um menor número de mortes.
Para a zona Norte do país esta diminuição teve como marco simbólico os primeiros dias em que a casa mortuária do segundo maior hospital do país, o São João, no Porto, voltou pela primeira vez em meses a cuidar apenasdos corpos de falecidos devido a causas mais comuns de morte. O dia 11 de Março, quando foram tiradas as fotos no necrotério daquele hospital, foi um dos primeiros dias de relativa normalidade, sem mortes a registar resultantes da doença de COVID-19 naquele que é o maior centro hospitalar da zona Norte.
Foi também por esta altura que o plano de vacinação contra a COVID-19 entrou em ação em Portugal. No entanto, as zonas do território de menor acesso e idosos para quem a deslocação a uma clínica distante para vacinação é dissuasiva ou até proibitiva, representaram um desafio para este esforço de vacinação. Foi neste contexto que uma antiga iniciativa da fundação filantrópica Calouste Gulbenkian, que a partir da década de 1950 doou e mobilizou carrinhas como bibliotecas móveis para chegar a comunidades remotas, foi retomada e reformulada para uma campanha de vacinação móvel. Depois de meses de incerteza, medo e perda, profissionais de saúde exaustos foram recebidos com alívio palpável por pessoas em condições de difícil acesso e mobilidade reduzida para quem uma vacina foi o primeiro sinal de esperança em muito tempo.
Saiba mais sobre a autora Violeta Santos Moura aqui: https://www.violetamoura.eu/