O Renascimento foi um movimento cultural que tocou toda a Europa ligada à Igreja latina ao longo dos séculos XV e XVI. Portugal cedo acompanhou este fascínio pela civilização greco-romana associado às evoluções tecnológicas (introdução das armas de fogo e do relógio, descoberta da perspectiva na pintura, invenção da imprensa de caracteres móveis) e ao desenvolvimento do humanismo que abriu caminho ao laicismo. Jan Van Heyck, um dos primeiros mestres pintores flamengos, autor de obras revolucionárias, como o Cordeiro Místico, visitou Lisboa para retratar a infanta Dona Isabel em 1428, antes do seu casamento com o duque da Borgonha, e deixou-nos um quadro do rei Dom João I, que é o retrato régio mais antigo da monarquia portuguesa. Pouco depois, em 1431, o infante Dom Henrique promovia um programa decorativo para as salas dos Estudos Gerais, em Lisboa, que obedecia aos cânones do que se fazia então em Itália e mais tarde criou em Sagres a “sua vila”, que tudo indica tratar-se de uma concepção à romana do seu lar. Os célebres painéis de São Vicente mostram-nos que, no terceiro quartel de Quatrocentos, já se pintava em Portugal ao modo dos flamengos e tanto a documentação como as colecções sobreviventes mostram-nos que os portugueses adquiriam então muita arte flamenga.
Dom João II, por sua vez, recorreu a mestres italianos para educar o seu herdeiro, o príncipe Dom Afonso, e já o humanista Piero Poggio Bracciolini elogiava os feitos do infante Dom Henrique em 1449. Diga-se, a propósito, que os Descobrimentos foram outra peça fundamental da Europa do Renascimento.
Representaram uma revolução geográfica, mudando a concepção do mundo, criando novos mercados e provocando uma circulação de gentes, plantas, animais e ideias nunca antes experimentada pela humanidade.
Dom Manuel I nasceu e cresceu neste ambiente de mudança acelerada da sua civilização, em que tradições centenárias eram desafiadas pelas novidades. Tendo subido ao trono de Portugal, inesperadamente, a 25 de Outubro de 1495, o Venturoso tornou-se um dos protagonistas do Renascimento. Monarca apegado à velha ideia de Cruzada, foi, todavia, o primeiro soberano europeu que não comandou a sua hoste num campo de batalha e foi o primeiro rei do mundo a ter homens às suas ordens em quatro continentes e três oceanos. Uma certa tradição literária e historiográfica portuguesa construiu o mito de que Portugal evoluiu ao longo dos séculos virado para o mar e de costas voltadas para a Europa, o que lhe retirava protagonismo nos grandes movimentos europeus da História. É certo que a coroa lusa assumiu uma política de neutralidade no contexto europeu que foi particularmente bem-sucedida nos séculos XV e XVI, mas isso nunca significou um alheamento em relação ao que se passava no seio do Velho Continente.
Espírito modernizador
Dom Manuel I é precisamente um bom exemplo desta realidade – o rei que dirigiu a afirmação do império ultramarino português a uma escala quase planetária foi, apesar disso, um governante que dedicou a maior parte das suas energias a modernizar o seu próprio reino e que acompanhou sempre com muita atenção a conjuntura política europeia, e em especial o turbilhão político por que passava então Castela. Apesar dos naturais particularismos “portugueses” que detectamos no modo de governar de Dom Manuel I, o estudo da sua biografia mostra-nos que o Venturoso foi, sem dúvida, um príncipe do Renascimento. A edificação do Paço da Ribeira, em Lisboa (logo mimetizada pelo seu sobrinho, o duque de Bragança, em Vila Viçosa) é um dos melhores sinais da ruptura com hábitos antigos, na medida em que representa o momento em que o monarca deixa de se colocar sob a protecção de um castelo altaneiro para passar a residir no meio do casario. As profundas reformas urbanísticas realizadas em várias cidades do reino, mas especialmente em Lisboa, são um testemunho do espírito modernizador do monarca, que deu forma ao Terreiro do Paço construindo uma galeria que ligava o palácio ao rio, seguindo um modelo já experimentado, por exemplo, em Veneza, e que também era adoptado pouco depois pela monarquia francesa, como podemos apreciar hoje em Blois ou em Fontainebleau.
O livro de horas de Dom Manuel I. O primeiro fólio do Livro de Horas explica que este projecto literário começou em 1517 e terá prosseguido nas décadas seguintes, inclusivamente mesmo depois da morte de Dom Manuel. A autoria das pinturas, notáveis pelas representações do quotidiano quinhentista português, foi muito debatida entre historiadores de arte. Existe algum consenso relativamente à autoria de António de Holanda, pintor de origem flamenga, que não deverá ter sido, porém, autor de todos os fólios da obra. Objectos luxuosos, os livros de horas da nobreza europeia apresentavam o calendário litúrgico e definiam os rituais diários de oração. Eram intervalados por fólios de ilustração de rara beleza. Nesta iluminura, correspondente à página do mês de Setembro, figura uma das mais antigas representações artísticas da vindima, com a esmerada colheita das uvas e a pisa antes do transporte em tonéis. Iluminuras de António de Holanda 1517-1538, original no Museu Nacional de Arte Antiga.
Dentro desses edifícios modernos, a corte vivia num ambiente requintado que se assemelhava muito ao que era vivido noutras cortes da Europa, incluindo a Itália. Dispomos de uma descrição das festas celebradas por Dom Manuel no Paço da Alcáçova, na tarde do dia 25 de Dezembro de 1500 que nos mostram um ambiente sofisticado, pois na grande sala em que estavam os convivas entraram artifícios variados como um monstro fumegante com várias cabeças ou um bergantim transportando peregrinos.
Desde 1502, beneficiando do génio de Gil Vicente, a corte assistiu a representações teatrais, que tiveram como primícia o Auto do Vaqueiro, apresentado à rainha pouco depois de dar à luz o herdeiro do trono e a que se seguiram dezenas de peças, muitas vezes marcadas pela sátira, pela crítica social e mesmo pela denúncia das vidas escandalosas de clérigos e prelados ou dos abusos dos nobres.
O manuelino
Dom Manuel I legou-nos um património extraordinário devido à construção intensa que promoveu por todo o reino e territórios ultramarinos. Essas iniciativas levaram mesmo a que o seu nome fosse associado mais tarde a um estilo de matriz tardo-gótica, o manuelino, com elementos específicos, como são o seu emblema pessoal, a esfera armilar, e a Cruz da Ordem de Cristo, de que era governador, bem como uma decoração profusa na pedra e a construção de igrejas-salão, como é o caso do Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, ou da matriz de Freixo de Espada à Cinta, ou ainda da Igreja de Santa Maria Madalena em Olivença, entre outras construções.
Estes edifícios distinguiam-se pelo facto de o tecto se posicionar todo à mesma altura, mesmo que fosse suportado por filas de colunas como as igrejas anteriores de estilo românico ou gótico, que estavam estruturadas em naves de alturas diferenciadas. Tratava-se de um modelo que se difundia então pela Europa renascentista, e particularmente em Itália, que também foi então adoptado pela monarquia portuguesa.
Melómano, Dom Manuel sempre teve músicos reputados ao seu serviço que lhe permitiam ouvir música nas suas mais variadas actividades, fosse enquanto comia, a sós ou com a rainha, fosse mesmo em dias de Verão em que se passeava pelo Tejo com músicos tocando numa embarcação a par da sua. Também atraiu pintores flamengos que muito contribuíram para o embelezamento de igrejas e palácios, de que nos restam quadros espalhados por igrejas e museus. E os artistas portugueses continuavam actualizados com as técnicas e as estéticas do exterior, como se comprova, por exemplo, pelas obras de Grão Vasco ou de Jorge Afonso.
O pergaminho Sharrer e a música de origem nacional. Em Julho de 1990, o investigador Harvey Sharrer des- cobriu, na Torre do Tombo de Lisboa, fragmentos de anotações musicais em galaico-português. Eram dos vestígios mais antigos de música produzida na corte portuguesa e o investigador norte-americano conseguiu atribuir os excertos de sete cantigas de amigo ao próprio Dom Dinis. Paradoxalmente, os pergaminhos só foram protegidos porque o material foi reaproveitado para encadernar livros de um cartório notarial mais tardio, mas constituíram a prova indelével de que Dom Dinis merecia figurar ao mesmo nível de outros reis trovadores da Europa medieval. Na corte de Dom Manuel I, quase dois séculos depois, produziu-se igualmente música de inegável qualidade, ligada ao espaço eclesiástico e à função litúrgica. Embora a corte manuelina não adoptasse influências dos novos mundos descobertos pelas suas naus («Enquanto as naus rumam para sudoeste e sudeste, a música busca influência para norte, na produção da escola franco-flamenga», notou o musicólogo Filipe Mesquita de Oliveira), «a corte abraça a polifonia, a conjugação de vozes que ora se intercalam ora se cruzam». É nas cortes portuguesa e castelhana que se compõem as novas produções polifónicas e pelo menos uma já foi atribuída a um compositor português – Pedro de Escobar.
Nestes anos anteriores à Reforma, a sociedade ainda não se fechara na intolerância sectária que viria a condicionar todos os europeus nas décadas seguintes.
Por isso, era um tempo em que nas relações com os povos ultramarinos se buscavam mais as semelhanças do que as diferenças, o que permitiu que Pero Vaz de Caminha escrevesse uma carta a el-rei em que dava conta da naturalidade da nudez dos homens e das mulheres descobertas do outro lado do Atlântico, ou que o próprio monarca obtivesse de Roma a sagração episcopal para um príncipe do Congo (que foi o único bispo negro da Igreja Católica durante vários séculos).
Um infante cardeal
Embora tecesse duras críticas ao modo de viver escandaloso dos papas Alexandre VI (1492-1503) e Júlio II (1503-1513) e tolerasse os textos de Gil Vicente que apontavam pela sátira o caminho do Inferno para os altos dignitários da Igreja, Dom Manuel participou no assalto despudorado da realeza europeia aos altos cargos eclesiásticos.
No dia 16 de Janeiro de 1516, obteve o breve pontifício que nomeava cardeal o infante Dom Afonso, que tinha então 6 anos. Este foi o primeiro infante português a atingir a dignidade cardinalícia. Antes havia sido outorgada a Dom Jaime, filho do infante Dom Pedro e primo co-irmão e cunhado de Dom Afonso V, e Dom João I obtivera os arcebispados de Braga e de Lisboa para dois sobrinhos-netos, mas nunca um filho do rei de Portugal tinha sido nomeado para o Sacro Colégio.
Nestes tempos do Renascimento, porém, em que todas as grandes casas italianas como os Medici, os Sforza, os Este, os Della Rovere, os Visconti ou os Gonzaga, por exemplo, tinham normalmente um seu familiar importante entre os príncipes da Igreja Dom Manuel seguia-lhes os passos e mostrava a sua capacidade de influência nos assuntos europeus.
Portugal distinguia-se pelo acesso directo aos mundos ultramarinos, matéria em que só Castela podia rivalizar. Em Lisboa, podiam avistar-se animais raros como os papagaios e as araras vindas do Brasil, mais cobras e macacos de todas as espécies, e feras que assustavam e fascinavam. No entanto, foram sem dúvida os elefantes e o rinoceronte que mais impressionaram toda a Europa. O rei teve cinco elefantes em Lisboa, e em 1515 recebeu um rinoceronte, animal nunca antes visto no espaço europeu.
O monarca exultou ao ver tal besta nunca antes sequer imaginada, pois as notícias que os gregos há muito tinham recolhido sobre um quadrúpede de um só chifre que vivia na Índia tinham-nos levado a conceber o unicórnio como um elegante equídeo. Em breve, o unicórnio desapareceu da pintura europeia, pois Albrecht Dürer fez circular logo nesse ano por todo o Velho Continente uma imagem impressa do rinoceronte, que chegou mesmo a ser um símbolo da Índia nas décadas seguintes.
Dispondo de animais tão bizarros e raros, Dom Manuel I organizou um combate entre um elefante e o rinoceronte, e diz-nos o cronista que o fez para tentar replicar os combates animalescos que eram promovidos pelos imperadores nos anos de glória de Roma. O combate não se concretizou porque o elefante preferiu fugir, correndo espavorido pelas ruas de Lisboa, mas toda a Europa pôde apreciar um e outro, pois ambos foram enviados ao papa, e em Roma havia representantes de todas as partes da cristandade que logo davam notícia aos seus senhores de tudo o que se passava na Cidade Eterna.
O elefante foi a estrela da célebre embaixada com que o rei de Portugal deslumbrou a corte papal no início de 1514; o rinoceronte foi apresentado empalhado, em 1517, porque o navio que o transportava afundou-se nas imediações da costa italiana, na Ligúria.
O exotismo ultramarino tocava mesmo os pintores deste tempo de uma forma peculiar, como podemos constatar pelo quadro da Adoração dos Magos de Grão Vasco, que apresentava o rei Baltasar como um índio do Brasil, ou pela Anunciação de Jorge Afonso, em que a Virgem recebe a notícia do Arcanjo estando sobre uma esteira africana em vez de um tapete.
Ventos orientais
Este império pluricontinental gerava admiração e auto-satisfação por ser tão extenso e por se afirmar sempre que necessário pela guerra. Se tinha uma vida pacífica no reino, Dom Manuel podia orgulhar-se dos feitos dos seus vassalos que venciam inimigos em territórios longínquos aonde nunca haviam chegado as legiões dos Césares e que nunca tinham sido calcorreados pelo exército do grande Alexandre. As vitórias em sucessivas batalhas navais no Índico contra o samorim de Calecute e os seus aliados islamitas deram-lhe o controlo do comércio da pimenta e impuseram o bloqueio ao mar Vermelho e a consequente asfixia do trato das especiarias entre egípcios e venezianos.
O colapso do Império Mameluco, sediado no Cairo, era desejado pelo monarca português, que sonhava com a Grande Cruzada libertadora de Jerusalém. No entanto, a cristandade não estava em condições de aproveitar o enfraquecimento do sultão do Cairo e foram os turcos otomanos que tomaram a iniciativa e estenderam o seu império a todo o Mediterrâneo Oriental.
Entretanto, no Índico, os triunfos das armas lusas prosseguiam e Afonso de Albuquerque conquistou as cidades de Goa e de Malaca nos anos de 1510 e 1511 e submeteu o reino de Ormuz em 1515. O Terribil criava assim os fundamentos do Estado Português da Índia, que asseguraram a viabilidade dos negócios da Ásia durante um século. As vitórias militares assentaram no uso da artilharia naval. As armas de fogo eram, como referido, uma das novidades que assinalavam a ruptura com os tempos medievais e Dom Manuel criava um império marítimo que se estendia desde a costa do Brasil até ao Sul da China beneficiando do poder dessa arma. Os canhões e a dimensão pluricontinental dos domínios lusos eram duas marcas inequívocas deste tempo de mudança que era o Renascimento.
Por ser uma época de transição os seus protagonistas, incluindo o próprio rei Dom Manuel, davam sinais de conservadorismo e de mudança que hoje podem parecer paradoxais, mas que reflectem afinal a natureza do tempo. A engenharia militar é um dos melhores exemplos, pois, apesar de ter erguido um império a tiros de canhão, o monarca continuou a apostar na construção de fortalezas segundo os cânones medievais, que incluíam altas torres de menagem, quer no reino quer na Índia. Tanto no reino como na Ásia, as fortalezas construídas no reinado de Dom João III já obedeciam aos novos tempos e dispensavam uma estrutura altaneira que era um alvo fácil.
No entanto, a renovação das fortalezas marroquinas levada a cabo por Dom Manuel I em Marrocos, e mesmo a construção de raiz da fortaleza de Mazagão, na segunda década quinhentista, já obedecia a este novo modelo, com bastiões arredondados suficientemente fortes para sustentarem o peso das peças de artilharia e bastante espessas e sem ângulos para melhor suportarem o tiro inimigo. Podemos observar ainda hoje estas estruturas em Alcácer-Ceguer, Arzila e Azamor. Havia, pois, em Dom Manuel I uma capacidade de adaptação aos tempos modernos sempre que a conjuntura o exigia, sem deixar de seguir vias mais tradicionalistas quando era possível, num exemplo paradigmático da sua condição de ser um homem de uma época de mudança.
Inovador, deixou marca própria para lá da acomodação de Portugal aos ventos do Renascimento e, além de reorganizar os hospitais do reino, criou uma irmandade assistencial única, que perdura nos dias de hoje. Trata-se das Misericórdias, cuja primeira Casa foi fundada em Lisboa, em 1499, e que logo se replicaram pelo reino, ilhas e territórios do império, tendo subsistido até aos dias de hoje com um papel assaz relevante na sociedade portuguesa, seja pelo apoio aos mais desfavorecidos seja também por se ter tornado num elemento agregador e consolidador de elites locais.
Monarca centralizador, refez as ordenações do reino e fê-las imprimir para que a legislação se tornasse acessível a todos. Durante o seu reinado, promoveu a reforma dos forais, procurando assim uma actualização das velhas práticas comunais, o que foi conseguido depois de 25 anos de trabalhos. Na Europa, a opinião pública espantou-se mais com a constatação de que existia um Novo Mundo – o continente americano, nunca antes imaginado por ninguém, do que com as descrições das terras de África ou da Ásia, mas as novidades trazidas pelos portugueses dos quatro cantos do mundo também eram difundidas por essa invenção renascentista que era o livro impresso, e os cartógrafos buscavam avidamente as informações que eram guardadas em Lisboa. O planisfério mais antigo que se conhece, e que contém o primeiro vislumbre da silhueta do oceano Atlântico e das terras do Novo Mundo é o mapa dito de Cantino e foi concluído no Outono de 1502.
Obtido por um espião, foi comprado por Hércules d’Este, duque de Ferrara, que o guardou como um tesouro, porque a Itália, envolta em guerras e intrigas e fervilhando de novidades artísticas, estava ciente das novidades extraordinárias que chegavam a Lisboa, tal como os alemães, e por isso, como referido, Dürer desenhou e divulgou em desenho impresso o rinoceronte chegado a Lisboa, enquanto Jerónimo Bosch também deixava sinais de atenção às novas de Portugal como se percebe, por exemplo, no seu célebre tríptico O Jardim das Delícias, pela perfeição do desenho do elefante, pela quantidade de animais ultramarinos existentes no Paraíso ou pela quantidade de negros representados no volante central. Refira-se que Bosch vivia em Antuérpia na mesma rua onde se situava a feitoria d’el-rei de Portugal.
O RINOCERONTE DE DÜRER. Em 1515, o alemão Albrecht Dürer produziu esta gravura de um rinoceronte-indiano que chegara a Lisboa nesse ano. Dom Manuel I ofereceu o animal ao papa Leão X, mas o rinoceronte morreu afogado durante a viagem. Terá sido o primeiro da sua espécie a chegar à Europa. Fotografia: Museu Britânico.
Reinado demasiado curto
Em 1521, Dom Manuel I estava no auge do seu poder: era cunhado do imperador e ia tecendo a teia em que o mesmo imperador acabaria por se tornar seu genro; era pai de um jovem e promissor cardeal e sogro do duque de Sabóia (o detentor do Santo Sudário); era o único monarca a residir na Hispânia e tinha acabado de impedir a revolta dos Comuneros em Castela. Tinha concluído a reforma dos forais e das ordenações, tinha renovado Santa Cruz, em Coimbra e dado novos túmulos aos fundadores do reino e, apesar de nunca ter ido à guerra, continuava a alimentar o sonho da Grande Cruzada, sobretudo agora que finalmente tinham chegado notícias do achamento da cristandade etíope nas costas do Magrebe islâmico, ao mesmo tempo que ordenara o alargamento da sua rede de fortalezas até à costa da China.
Os seus planos e sonhos foram, porém, abruptamente interrompidos por uma febre que o matou em doze dias. Ficou a sua obra intensa e multifacetada – o seu legado extraordinário, próprio de um príncipe do Renascimento.
Cronologia da Descoberta
Deve-se a Pero Vaz de Caminha o relato pormenorizado da descoberta do Brasil. Este fidalgo nascido no Porto – um dos primeiros repórteres da história de Portugal – redigiu uma crónica pormenorizada dos dez dias que decorreram entre o avistamento da costa brasileira e a decisão de Pedro Álvares Cabral de retomar a rota original. A missiva foi dirigida a Dom Manuel, relatando as circunstâncias e observações realizadas em solo brasileiro. O rei usou informações de Caminha numa carta dirigida aos reis de Castela, mas o documento de Pero Vaz de Caminha só foi publicamente divulgado noséculo XIX pelo padre Manuel Airesde Casal. Nesta semana e meia de 1500, foram produzidos outros dois relatos – um pelo piloto de uma embarcação e outro pelo mestre João Faras. Pero Vaz de Caminha faleceu em Dezembro de 1500, em Calecute.
Em 22 de Abril de 1500, uma quarta-feira, o recorte da costa brasileira foi avistado pela primeira vez pela frota de Pedro Álvares Cabral. Destacou-se um monte muito alto e redondo.
Na madrugada seguinte, dá-se o desembarque, perto do rio Frade. Avistam-se, desde logo, alguns indígenas. Os navegadores debatem ainda a identidade deste estranho novo território.
Pedro Álvares Cabral decide levantar âncora e percorrer a costa. Avista dezenas de indígenas com feições desconhecidas. Aprovi- siona água e lenha, temendo um regresso prolongado.
No dia 25 de Abril, um sábado, as naus voltam a aproximar-se de terra. Descobrem um ancoradouro privilegiado. Dão-se os primeiros contactos e trocas com os índios.
Reza-se missa na Ponta da Coroa Vermelha. Os indígenas sentam-se na praia e assistem ao espectáculo. É decidido não capturar indígenas nesta campanha para não criar antagonismos.
Com informação substancial para apresentar ao rei e recolhidos artefactos e espécimes do Novo Mundo, a frota inicia o regresso no dia 1 de Maio, dez dias depois do avistamento.