Em 2018, comecei a expressar as minhas dúvidas e pensamentos através da fotografia. O meu projecto, “Another Tale by Moonlight”, apoiado pelo programa de bolsas da National Geographic e atribuído durante a pandemia de COVID-19, é uma releitura (sobretudo) dos contos de fadas europeus, justapondo as realidades histórica, cultural, ambiental e sociopolítica da Nigéria.
Com esta série, pretendo destacar as narrativas obscuras e as complexidades morais entrelaçadas por estas duas culturas, expandindo a narrativa visual e o que esta pode concretizar quando ultrapassa os padrões ocidentais.
O projecto aborda os dramas do nosso passado, do presente e do futuro próximo, explorando as formas através das quais esses conflitos, reenquadrados visualmente, podem confrontar a autoridade e exigir mudanças. O regresso às narrativas europeias é a forma de mostrar a minha história e a do meu país.
Porquê este projecto?
Gostaria de vos apresentar algumas das histórias com que cresci na Nigéria. Faziam parte de um programa de televisão chamado “Tales by Moonlight”, onde um ancião, sentado debaixo de uma árvore, contava histórias. Era a versão televisiva da antiga tradição oral. Antigamente, as fontes de luz ideais eram a lua cheia e as estrelas, que iluminavam rostos de crianças e adultos ansiosos com a sua luz azul-prateada. Talvez houvesse também o som próximo de grilos e o da brisa suave agitando as folhas das árvores.
Venho de uma família de contadores de histórias. À noite, o meu pai contava a história de como, em menino, quase se afogou num poço quando tentava içar água. Lembrava como fora atingi-do por um raio na faculdade de medicina e como lutara contra um agente do KGB com um bastão numa estação de comboios para se despedir da namorada... Eu acreditei por completo em todas as narrativas.
Talvez essas histórias tivessem o intuito de nos distrair da vida real, tal como as pilhas de livros onde enterrávamos as nossas cabeças, curvados sobre a mesa de jantar, empoleirados em cadeiras e camas, construindo mundos a partir de palavras.
Para mim, os contos de fadas eram especialmente emocionantes. Adorava aquelas histórias grandiosas e impossíveis e as imagens fantásticas que criava na minha cabeça de castelos magníficos, trajes bordados extravagantes, fadas, florestas e, é claro, lutas de espadas, enganos e sangue. Ficava encantada com o sangue fictício dessas histórias, mas havia uma violência real à nossa porta. Na década de 1990, a ditadura militar não travava os confrontos étnicos e religiosos. A justiça da selva muitas vezes resultava em corpos decapitados e queimados e o fedor impregnava as ruas enquanto as crianças caminhavam para a escola. Apertávamos o nariz e abríamos os olhos para absorver tudo.
Quando cheguei à idade adulta, com o coração devastado por essas memórias, comecei a focar-me na minha infância e na regra de silêncio que a escondia. Por que motivo não se falaria dessa violência em casa? Fui criada sobretudo pelo meu pai em Aba, uma cidade do Sudeste da Nigéria. Embora ele se identifique com orgulho como um homem de etnia igbo, o legado colonial do país e a hipervalorização dos costumes europeus levaram a que desse prioridade à língua e educação inglesas em detrimento da nossa língua e cultura. Ao fazê-lo, pensava que teríamos mais hipóteses de sermos bem-sucedidos no futuro.
JOE MCKENDRY
Para criar o seu projecto “Another Tale by Moonlight”, Yagazie Emezi demorou quatro anos a conceber, construir e compor cenários simbólicos. Recrutou amigos, modelos e activistas como colaboradores. Criou figurinos, adereços e cenários, utilizando peças carregadas de significado e, em algumas imagens, utilizou ferramentas de edição digital para eliminar imperfeições. A National Geographic Society, empenhada em destacar e proteger as maravilhas do nosso mundo, financiou o trabalho da exploradora Yagazie Emezi desde 2019.