Uma passagem do Enuma Elish, o mito da criação da Babilónia, conta como Anu, o deus do céu, “criou os quatro ventos” e ofereceu-os a Marduk, dizendo-lhe: “para que o meu filho se divirta!”. Se os deuses da antiga Mesopotâmia encontravam momentos para se divertirem e jogar, o mesmo sucedia sob a cúpula celeste, no mundo terreno, entre os homens e mulheres ansiosos de escapar à rotina e ao cansaço do trabalho diário.

Vejamos o que aconteceria numa família composta por um casal e alguns filhos de diferentes idades que vivesse, por exemplo, em Nínive, a capital assíria, no século IX a.C.

BRINQUEDOS E DADOS

Um dia normal começaria ao som dos brinquedos das crianças. A mãe tenta acalmar o choro do seu bebé com um chocalho: uma bola de barro com uma pega e pedrinhas no interior. O deus Marduk brincava com os Quatro Ventos que o seu pai lhe ofereceu e as crianças também brincavam, mas com objectos em miniatura feitos em barro ou madeira, que poderiam ser armas (fundas, arcos e flechas, bumerangues…), carros ou barcos, objectos do lar, como camas, mesas, louça e talheres, ou bonecos em forma de pessoas ou animais. Também não faltavam os piões, cordas de saltar, arcos, bolas…

Uma forma de entretenimento muito habitual entre jovens e adultos era jogar com dados. Este jogo derivava de uma antiga prática divinatória e mágica que consistia em atirar pedrinhas ou astrágalos de animais para ver de que lado caíam.

Estes objectos evoluíram ao longo da primeira metade do III milénio a.C. até se transformarem em dados e, embora não tenham deixado de ser usados na área da divinação, começaram a ser amplamente utilizados num contexto lúdico. Eram feitos em diversos materiais – barro, pedra, madeira, marfim ou osso – e tinham diferentes formas – disco, cubo, tetraédrico ou triangular, entre outras – em função do jogo e das suas regras.

Ouriço sobre rodas. Brinquedo da época suméria.
Cordon Press

Ouriço sobre rodas. Brinquedo da época suméria.

UM JOGO COM FICHAS PARA ADULTOS

Se os pais conseguissem ter os filhos entretidos, poderiam dedicar-se a jogar um jogo de salão muito popular. Era jogado sobre um tabuleiro de madeira decorado com casas quadradas, fichas e dados. Na verdade, havia diversas modalidades em função do número de casas ou buracos do tabuleiro.

Existia o jogo da serpente (conhecido no Egipto como mehen), o das vinte casas (conhecido actualmente como “Jogo de Ur”), o das trinta casas (conhecido no Egipto como senet) e o dos 58 buracos. Na Mesopotâmia, o mais popular era o jogo das vinte casas, que está documentado desde a I dinastia de Ur (2600-2400 a.C.).

Um jogo muito popular era jogado sobre um tabuleiro de madeira decorado com casas quadradas, fichas e dados. 

Embora se conservem imagens de casais jogando estes jogos, não sabemos ao certo como a partida decorria. Tudo o que sabemos deriva de uma tabuinha cuneiforme fragmentada do Período Selêucida (177 a.C.), conservada no Museu Britânico, que explica que o jogo das 20 casas consistia numa corrida, na qual dois jogadores participavam com cinco fichas cada um. O objectivo era chegar ao fim do tabuleiro. Os jogadores deslocavam-se em função dos dados, com um adversário a tentar travar o avanço do outro.

Tabuleiro de jogo da época suméria descoberto nos túmulos reais de Ur. Museu Britânico, Londres.
Domínio Público

Tabuleiro de jogo da época suméria descoberto nos túmulos reais de Ur. Museu Britânico, Londres.

A tabuinha também especifica os nomes e o número de fichas e indica que as cinco casas decoradas com uma roseta davam, aparentemente, sorte se a ficha caísse numa delas. No entanto, desconhecem-se as regras do jogo, por isso não sabemos como as fichas se deslocavam. Talvez se parecesse com o gamão, um dos jogos mais populares em todo o Próximo Oriente na actualidade e que é, sem dúvida, descendente directo dos jogos de tabuleiro mesopotâmicos.

MÚSICA, DANÇA E LUTA

Também havia muitas oportunidades de diversão fora de casa, embora não restem registos arqueológicos ou documentais da maioria delas. Num passeio pela cidade, a nossa família depara-se com um grupo de pessoas reunidas num círculo que lhe chama a atenção. No centro, acrobatas demonstram as suas habilidades e dançarinos mexem-se ao som de uma música tocada por liras, harpas, tambores e flautas. Trata-se de um espectáculo muito parecido com o que poderia acontecer durante um rito religioso ou até um funeral. Só o contexto e o tipo de música seriam diferentes.

Pormenor da chamada Cara da Paz do Estandarte de Ur
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Pormenor da chamada Cara da Paz do Estandarte de Ur, na qual figura um harpista. Museu Britânico, Londres.

Fora de casa também havia muitas oportunidades de diversão, embora não haja registos arqueológicos da maioria delas.

Continuando o seu passeio, a família terá oportunidade de entrar por uma porta aberta até ao pátio de uma casa, onde dois homens se golpeiam e agarram, tentando atirar o seu adversário ao chão. A luta, tanto na forma de boxe como de luta livre, era um dos desportos mais populares da Mesopotâmia, como é visível em várias placas de argila e pequenas estatuetas de bronze que foram encontradas.

JARDINS FRONDOSOS

Os nossos protagonistas prosseguem até chegarem a uma das portas de Nínive, situada em baixo do palácio. Dali, podem ver como a família real se diverte, de formas mais dispendiosas e sofisticadas do que as suas. Muitas diversões decorrem num local privilegiado: os jardins reais, autênticos paraísos para fruição da realeza, povoados por árvores exóticas, plantas e animais trazidas das suas expedições a locais distantes.

Tiglath-Pileser I escreveu: “Colhi os cedros, a madeira de buxo e os carvalhos de Kanesh [Cultepe, na actual Turquia], do país que venci. Nenhum dos reis anteriores plantara estas árvores. Eu plantei-as nos jardins do meu país. Colhi os frutos estranhos dos jardins que não existiam no meu país e semeei-os em todos os jardins da Assíria”. E Senaquerib: “Criei um pântano onde plantei canas e coloquei garças, porcos selvagens e búfalos. As canas crescem bem e os pássaros do céu e as garças vêm de longe para fazer os seus ninhos. Os porcos selvagens e os búfalos também se reproduzem ali”.

“Colhi os frutos estranhos dos jardins que não existiam no meu país e semeei-os em todos os jardins da Assíria” 

Relevo assírio que mostra uns jardins frondosos em Nínive.
Domínio Público

Relevo assírio que mostra uns jardins frondosos em Nínive.

Transposta uma porta, a nossa família dirige-se a uma zona não muito distante, perto do rio Tigre, onde abundam patos, veados e outros animais. Ali, o pai e dois dos filhos mais velhos dedicam-se durante umas quantas horas a um dos passatempos preferidos dos mesopotâmicos: a caça.

CAÇADAS DE TODO O TIPO

Na cultura mesopotâmica, a caça tinha, por vezes, um carácter mágico-simbólico e estava muito ligada à realeza, sobretudo sob a forma da caça de leões. Independentemente disso, não há dúvidas de que uma grande parte da população deveria praticá-la como entretenimento.

Os textos falam sobre caçadas em campo aberto e mencionam vários tipos de animais, como relatado pelo rei Assurnasirpal II: “Naquela ocasião, matei cinquenta touros selvagens para lá do Eufrates e capturei oito vivos. Também matei vinte avestruzes e capturei outras vinte vivas”. Embora os textos e os relevos não mencionem a pesca, é muito provável que essa fosse outra forma de passar o tempo.

Relevo assírio que mostra o rei Assurbanipal caçando leões.
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Relevo assírio que mostra o rei Assurbanipal caçando leões. Museu Britânico, Londres.

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Os textos falam sobre caçadas em campo aberto e mencionam todo o tipo de animais.

Enquanto os homens caçam, a mãe e as crianças mais pequenas regressam a casa. Cansados de tantas emoções, ainda poderiam desfrutar de uma última diversão antes de dormir: ouvir um mito ou epopeia sobre deuses e heróis ou as aventuras épicas de reis longínquos. A mãe tê-las-ia aprendido na sua juventude, ouvindo-as em récitas de jograis, cantores e “contadores de histórias”, que amenizavam as noites passadas em volta de uma fogueira, na esperança de captar a atenção dos espectadores, fazendo-os esquecer os seus afazeres diários por um instante e desfrutar de um momento de tranquilidade nas margens do Tigre e do Eufrates.