Os muçulmanos estão a dar as boas-vindas ao mês sagrado do Ramadão – a altura mais sagrada do ano para a cultura islâmica. Observado em todo o mundo como um mês de jejum e oração, há séculos que o Ramadão também é caracterizado por um conjunto único de tradições que reflectem o espírito de solidariedade entre as pessoas do mundo islâmico.
Desde os disparos de canhão, anunciando a quebra do jejum, às noites festivas iluminadas por lanternas, conheça alguns rituais acarinhados do Ramadão.
1. O disparo do canhão do iftar
O fim do dia de jejum – bem como o início do Ramadão – é anunciado com um disparo. Canhões antigos, accionados por agentes da polícia, assinalam o iftar, a quebra do jejum ao pôr-do-sol.
Embora haja várias versões contraditórias a explicar em detalhe a origem deste ritual do Ramadão, todas elas apontam para o Cairo. Um conta que um sultão da dinastia Mamlul, do século XV, testou um canhão que lhe fora oferecido, disparando-o ao pôr-do-sol durante o Ramadão. Segundo esta versão, os habitantes do Cairo presumiram que fosse um toque intencional para assinalar o iftar.
Vendo a resposta das pessoas ao seu acto fortuito, o sultão mandou disparar o canhão todos os dias ao pôr-do-sol para assinalar o iftar. Foram usadas munições verdadeiras até 1859, data em que passou a ser disparada pólvora seca sobre a cidade densamente povoada. A tradição disseminou-se primeiro para o Levante, depois até Bagdade, onde chegou no final do século XIX, acabando por alcançar finalmente o Golfo e os países do norte de África.
Um masaharati palestiniano caminha pelas ruas da faixa de Gaza, despertando os muçulmanos e avisando-os para comerem antes do nascer do Sol durante o Ramadão, um mês sagrado marcado pelo jejum. Embora a tradição do masaharati perdure em algumas partes do mundo, muitas pessoas usam os seus smartphones ou relógios. Fotografia de Ramadan Elagha, Pacific Press/Lightrocket/Getty Images.
2. Chamamento da madrugada
Antes de existirem despertadores, havia um masaharati, que entoava o chamamento para acordar. A tradição perdura. Durante o Ramadão, um masaharati é encarregue de caminhar pelas ruas, despertando os muçulmanos para o suhoor — a refeição tomada de madrugada, antes do início do jejum – tocando uma flauta ou um tambor.
O primeiro masaharati foi Utbah bin Ishaq, um governador do Egipto no século VII. Enquanto andava pelas ruas do Cairo à noite, gritava “servos de Alá, tomem o suhoor, pois existem bênçãos no suhoor.”
Com o passar do tempo, a profissão disseminou-se por outros países do mundo islâmico, adoptando diferentes nomes e melodias. Em Marrocos, um naffar sopra uma trombeta para acordar as pessoas.
No Iémen, o masaharati vai batendo de porta em porta nos bairros. No Levante, este papel era tão popular que cada bairro tinha o seu próprio masaharati que andava pelas ruas, tocando um tambor e gritando “Acordem, dorminhocos, não existe outro Deus para além de Alá, o Eterno.”
Egípcios decoram a sua rua, preparando-se para o Ramadão no bairro de Hadayek el Maadi, no Cairo, em 2020. O Ramadão é um período de auto-reflexão e socialização. Depois de jejuarem do nascer ao pôr-do-sol, os muçulmanos reúnem-se todas as noites para comerem com a sua família ou comunidade durante o mês mais sagrado do Islão. Fotografia de Khaled Desouki, Afp/Getty Images.
3. Iluminando o caminho
Há séculos que as lanternas são sinónimo do Ramadão, acendendo-se no mês sagrado para iluminarem figurativamente o caminho. A Lua crescente e a Estrela, símbolos do Islão, também figuram de forma proeminente em decorações.
Com uma mudança tão radical na vida do quotidiano, com os muçulmanos a absterem-se de comer e beber desde o nascer ao pôr-do-sol, as noites do Ramadão são preenchidas por uma vida social intensa e muito entretenimento: as pessoas encontram-se em mercados, cafés e nas ruas, onde as decorações e as luzes criam uma atmosfera festiva ao longo do mês.
Cada país tem o seu próprio estilo de decoração para o Ramadão. As ruas do Cairo são adornadas com tecidos coloridos, candeeiros e lanternas. Os designs arabescos predominam no norte de África. Nos países do Golfo, luzes coloridas e ornamentos em forma de estrelas de oito pontas e luas crescentes são pendurados nos tectos de centros comerciais e em postes dos candeeiros.
Embora o Ramadão não tenha cores formais, os tons verde, amarelo, púrpura e turquesa, que representam a paz e a espiritualidade, são comuns nas decorações.
Muçulmanos reúnem-se à volta de uma mesa do comprimento da rua para uma refeição comunitária após o pôr-do-sol no subúrbio de Matariya, no Cairo, a 16 de Abril de 2022. Fotografia de Khaled Desouki, Afp/Getty Images.
4. Banquetes de abundância…
Os banquetes comunitários realizados na maioria dos países árabes podem ser a melhor representação da fraternidade do Islão durante o Ramadão. A compaixão e a empatia pelas pessoas com menos recursos é um princípio essencial que se aprende com o jejum.
No Egipto, há banquetes caridosos em bairros residenciais, onde todos se juntam, contribuindo com comida ou mesas, ou ajudando na organização do evento nocturno.
Na Arábia Saudita, são realizados banquetes luxuriantes nos pátios da Grande Mesquita de Meca e na Mesquita do Profeta, em Medina. Nos Emirados Árabes Unidos, são montadas nos pátios das mesquitas e em tendas de Ramadão mesas improvisadas com grande abundância de comida. Os banquetes são organizados por instituições de caridade e financiados por benfeitores.
Iraquianos vendem bolos expostos numa mesa montada na rua antes do iftar. As iguarias do Ramadão variam consoante os países, mas incluem frequentemente doces como luqaimat, ou bolas de massa de donut fritas, e chebakia, uma bolacha marroquina feita de mel e sésamo. Fotografia de Matt Moyer, Nat Geo Image Collection.
5... cheios de pratos tradicionais
As mesas ficam cobertas de pratos sumptuosos associados ao mês sagrado. Os nomes de alguns pratos podem ser semelhantes em diferentes países, mas as receitas ou os ingredientes podem variar.
As tâmaras são um alimento essencial em todas as mesas, pois o profeta Maomé quebrou o jejum com tâmaras e água. Esta prática é seguida pelos muçulmanos há séculos. As tâmaras são ricas em açúcar, potássio, magnésio e fibra, sendo por isso um alimento ideal após um dia de jejum.
A maioria dos pratos do Ramadão são guisados, com muitas calorias e poucas especiarias – que podem exacerbar a sede – para manter o corpo hidratado e saciado durante o longo jejum.
Uma selecção dos pratos do iftar inclui: o thareed, um prato dos Emirados composto por pão cozinhado num caldo com borrego e vegetais; a molokhia, uma sopa egípcia à base de molokhia, uma verdura semelhante ao espinafre, geralmente servida com arroz e frango assado; e a harira, uma sopa marroquina rica cujos ingredientes incluem carne, tomate, aletria, grão e lentilhas.
São amplamente consumidos também acompanhamentos típicos do Levante como moutabal, à base de beringela, e ful, favas temperadas com um óleo aromatizado com limão e alho.
Para terminar a refeição, os doces do Ramadão incluem: chebakia, uma bolacha marroquina feita de mel e sésamo; luqaimat, bolas de massa semelhantes a donuts adoçadas com mel ou doce de tâmara e polvilhadas com sésamo; arroz doce; qatayef, uma panqueca recheada com natas ou frutos secos e frita e adoçada com mel ou xarope; e masoub, um pão de banana iemenita.
Nota: Ahmed Hammad pertence ao quadro da edição árabe da National Geographic.