Na Idade Média, os banquetes eram um momento essencial da vida social. Copiosos, concorridos, luxuosos, animados por todo o tipo de divertimentos, eram festas esplêndidas onde não só se comia em boa companhia, mas também se ouvia música, se assistia a representações teatrais e, sobretudo, se prestava homenagem ao anfitrião, que se assegurava de que cada pormenor fazia sobressair o seu estatuto.

Todas as ocasiões eram boas para celebrar um festim cortesão. Podia ser um acontecimento político (uma vitória militar, a chegada de um visitante ilustre, a entrada do rei numa cidade), um acontecimento familiar (um casamento, um nascimento ou baptizado, m s também alguns funerais) ou uma das festas do calendário como a Páscoa, o Pentecostes ou, claro, o Natal.

Nessas alturas, arranjava-se uma sala ampla e bem ventilada, longe do fumo e do calor da cozinha. Podia ser o salão nobre do palácio, mas também um pátio descoberto ou um jardim onde se colocava uma cobertura temporária. Os banquetes podiam também celebrar-se ao ar livre.

Cada qual no seu lugar

Quando existia um grande número de participantes podiam ocupar-se várias salas da residência. Por exemplo, no banquete oferecido em Paris, em 1461, pelo duque de Borgonha, Filipe, o Bom, “todos os senhores aparentados com a família real e os grandes barões de França acudiram numa multidão prodigiosa”, assegurava um cronista, de modo que “todas as salas onde era possível sentar estavam cheias”. Em alguns banquetes, até havia público: burgueses e aldeãos aproximavam-se para ver o jet set da época e a expressão da sua riqueza.

Na sala, os comensais distribuíam-se de acordo com uma hierarquia preestabelecida. O anfitrião colocava-se numa mesa exclusiva, mais elevada do que as restantes, coberta por um dossel e iluminada de forma especial. De ambos os lados da mesa, sentavam-se os convidados – os de maior estatuto ficavam mais próximos do anfitrião. Habitualmente, sentavam-se apenas de um lado da mesa, em bancos cobertos com almofadas ou tapetes, e a comida era colocada à sua frente.

banquete idade média

Num banquete dos duques de Borgonha, cada serviço era composto por 44 pratos. Na imagem, prato de porcelana produzido em Málaga cerca de 1425.

As mesas eram montadas para a ocasião, com simples tábuas colocadas sobre cavaletes. As mesas fixas generalizaram-se mais tarde entre a rica burguesia das cidades italianas e flamengas. As mesas eram cobertas com luxuosas toalhas, decoradas com franjas de brocado. Por cima, era colocada uma segunda toalha, mais estreita, para os comensais limparem os lábios e as mãos, embora em alguns locais, como a corte dos reis de Aragão, já se usassem guardanapos no século XIV. Sobre a mesa também eram colocados recipientes com água-de-rosas para que os convidados pudessem lavar as mãos antes e durante a refeição, de cada vez que degustavam um vinho ou entre pratos. Um método de limpeza mais extravagante foi o idealizado por Ludovico Sforza, duque de Milão: diz-se que mandava prender coelhos aos assentos dos convidados de modo a que estes pudessem limpar as mãos no lombo do animal.

A falta de garfo

Os talheres da mesa medieval limitavam-se às colheres e facas, uma vez que o garfo só se generalizou a partir do Renascimento.

Apenas a sopa era consumida com colher porque os comensais comiam com as mãos, embora respeitando certas normas de decoro. Em Castela, por exemplo, o código legal das Partidas determinava que se devia pegar nos pedaços de carne com dois ou três dedos. Na mesa, colocavam-se outros elementos: um saleiro, uma naveta para guardar especiarias e taças ou copos, partilhados entre os convidados. Para a comida, usava-se um serviço de jantar variado: jarros, bandejas, taças, tigelas, pratos. Frequentemente cobertas de ouro ou prata, estas peças de grande valor eram expostas num aparador para serem admiradas pelos convidados. Sabe-se que em 1384, o serviço de Luís de Anjou tinha três mil peças, das quais 10% eram de ouro e as restantes de prata dourada ou branca, todas perfeitamente dispostas em aparadores. Do serviço, encarregava-se o pessoal doméstico do anfitrião, dirigido por um nobre com o cargo de mordomo: os copeiros serviam as bebidas, os escudeiros traziam os pratos, os trinchadores estavam encarregados de cortar a carne…

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A arte de comer elegantemente com os dedos.

A miniatura junto destas linhas mostra a mesa dos convidados num banquete. Estão ali sentados oito comensais. Em primeiro plano, ficava o de maior estatuto. Um escudeiro trinchador 1 serve um prato de carne de ave previamente cortada em pequenos pedaços. Os convidados retiram-nos com as mãos ou com a ponta de uma pequena faca, colocam a carne nas tábuas de cortar rectangulares 2 (normalmente de estanho ou de prata) e desfazem-na em pequenas tiras que levam à boca. Sobre a mesa, vê-se apenas um copo 3, uma vez que os criados só traziam a bebida quando lhes pediam. Banquete de casamento. Pormenor de uma miniatura do manuscrito de um romance de Philippe Camus. Século XV.

Os grandes banquetes incluíam vários serviços, normalmente três ou quatro, embora se conheçam casos em Itália que tinham dez. Por seu turno, cada serviço compunha-se de vários pratos que se colocavam na mesa de forma a que cada comensal pudesse retirar o que lhe apetecia. O desejo de ostentação por parte do anfitrião levava a uma multiplicação de pratos. O recorde talvez corresponda ao célebre banquete do faisão celebrado pelo duque de Borgonha em 1454 em Lille, no qual cada serviço era composto por 44 pratos.

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Da direita para a esquerda: Saleiro. Na Idade Média, o sal era um produto caro e por isso era guardado em saleiros luxuosos, como este, de prata dourada. Colecção Warden (Oxford). Aquamanile. Usado para lavagem das mãos. O que se vê aqui, de bronze e com a forma de um leão, foi produzido em Nuremberga cerca de 1400. OP. Este esplêndido copo, que originalmente tinha uma tampa, foi elaborado cerca de 1420 na Flandres, seguramente para os duques de Borgonha. Naveta. Usada para guardar as especiarias ou os talheres do rei ou simplesmente como decoração. Em cima, navio de Schlüsselfeld.1502.

Cisne ou javali?

Os serviços tinham uma ordem determinada de acordo com o tipo de comida. O primeiro era dedicado à fruta e outros pratos da época. Em seguida, servia-se a sopa e depois vinham os “pratos fortes” que eram principalmente de carne, mais valorizada do que o peixe. A mais apreciada era a carne de caça (veado, javali, perdiz…), reservada precisamente para os festins dado que não era consumida no dia-a-dia. Seguiam-se as aves criadas ao ar livre (capões, gansos, galinhas e até cisnes) e, em terceiro lugar, as carnes vermelhas e consistentes (vitela, carneiro). Os pratos eram temperados com molhos de especiarias e sumo de frutas ácidas. A utilização de especiarias de origem exótica (gengibre branco, açafrão, cominhos ou pimenta) era outro elemento de distinção social. Relativamente às bebidas, servia-se vinho, cerveja, sidra ou hidromel.

banquete idade média

Sopa para começar. Depois de uma entrada à base de fruta ou doces, o primeiro serviço (no fundo, o primeiro prato ou a primeira série de pratos) de um banquete costumava consistir na chamada potage que, na realidade, tanto podia ser um caldo leve como um estufado de caça. Era consumido com uma colher. Colheres de prata bizantinas. Museu Britânico, Londres.

O anfitrião procurava impressionar os seus convidados não apenas com a quantidade e qualidade da comida, mas também com uma apresentação espectacular. Por exemplo, um papa de Avignon, Clemente VI, levou para o banquete da sua coroação uma árvore de prata onde estava pendurada fruta fresca, juntamente com uma árvore natural com fruta confitada. Quanto à carne, apresentavam-se os animais assados conservando a sua forma natural, incluindo a plumagem no caso das aves. O mesmo Clemente VI encomendou um castelo comestível cujas paredes eram feitas à base de carne de aves assadas, veado cozido, javali, lebre, cabra e coelho. Amadeu VIII de Sabóia por seu turno, ofereceu em finais do século XV um gigantesco castelo com quatro torres, representadas por quatro homens, que continha um leitão assado que lançava fogo, um cisne preparado e revestido com a própria plumagem e uma cabeça de javali assado, entre outros elementos.

Música e teatro

Nos séculos XIV e XV, estavam na moda os intervalos entre cada serviço. Anunciados com toques de fanfarra (nos banquetes, também existia acompanhamento musical), eram autênticos números teatrais que transmitiam uma mensagem política concreta. Por exemplo, em 1378 o imperador da Alemanha Carlos IV organizou, durante um banquete, uma grandiosa representação da conquista de Jerusalém. Em 1385, por altura do casamento de Carlos V de França, o episódio eleito foi o cerco de Tróia. No já citado banquete do faisão, organizou-se uma complexa performance que incluía uma mulher nua atada a uma coluna que simbolizava Constantinopla capturada pelos turcos. No final, surgia um faisão com um rico colar no pescoço sobre o qual o duque Filipe de Borgonha jurou organizar uma cruzada para libertar Bizâncio. Terminado o banquete, ninguém lhe pediu que cumprisse a promessa.