Enquanto uma vaga de calor continua a assolar o hemisfério Norte, os turistas estão a fazer peregrinações até ao local mais quente do planeta – o Death Valley, ou Vale da Morte, na Califórnia — na esperança de experienciarem uma temperatura máxima recordista. O vale detém o recorde da temperatura atmosférica mais alta alguma vez registada, uns escaldantes 56,6º C em 1913.

No entanto, se pensa que o vale ganhou este nome devido às suas abrasadoras temperaturas de Verão, está enganado. Na verdade, o seu nome teve origem num desastre ocorrido no Inverno. Saiba como o Death Valley ganhou o seu nome e por que razão continua a atrair visitantes com o seu clima extremo e paisagem árida.

 

Num deserto desolado

Localizado no sudeste da Califórnia, junto à fronteira com o estado de Nevada, o Death Valley está aninhado no norte do deserto de Mojave, entre quatro cordilheiras: Panamint Range a ocidente, Amargosa Range a oriente, Grapevine Mountains a norte e Owlshead Mountains a sul.

Os habitantes originais da região, os Timbisha Shoshone, viveram em harmonia com o vale durante milénios. Contudo, quando os colonos europeus se depararam com ele durante a sua migração para Oeste, ficaram desconcertados com a paisagem. Embora rodeado por cordilheiras montanhosas, o vale situa-se na altitude mais baixa dos EUA. O solo alcalino do deserto é sequíssimo e desprovido de vegetação e as montanhas em seu redor retêm o calor reflectido pelo solo desértico – tornando-o ofuscantemente quente durante o Verão e inóspito até no Inverno.

Mesmo antes da descoberta de ouro em 1849, a Califórnia atraía colonos brancos em busca de uma nova vida cheia de riquezas naturais. Muitos destes emigrantes não estavam minimamente preparados para a viagem árdua através das montanhas e do deserto – e alguns foram vítimas de pessoas que os enganaram, dizendo que conheciam as rotas mais rápidas e seguras.

Num caso particularmente famoso ocorrido em 1846, um grupo de pioneiros conhecido como Donner Party ficou preso na neve depois de seguir por um atalho divulgado por um promotor chamado Lansford Hastings. Presos em Sierra Nevadas, alguns destes pioneiros acabaram por recorrer ao canibalismo e quase metade do grupo pereceu devido a fome e exposição aos elementos.

No trilho para o Death Valley

Apesar do desastre do Grupo Donner – e do facto de não terem familiaridade com o terreno – promotores e guias de comboios de carruagens continuaram a tentar encontrar atalhos nas suas viagens até à Califórnia, sobretudo após a descoberta de ouro no local.

Em Outubro de 1849, membros da companhia de carruagens Mojave San Joaquin Company, do guia Jefferson Hunt, ficaram impacientes com o ritmo de Hunt e a sua rota de eleição, conhecida como Old Spanish Trail. Alguns temiam ficar presos nas montanhas durante o Inverno, como acontecera ao Grupo Donner, se não se deslocassem mais depressa. Conseguiram convencer Hunt a experimentar um trajecto alternativo, mas ele regressou de uma missão de reconhecimento quase morto de sede e disse-lhes que iria manter-se no Old Spanish Trail.

Alguns elementos do grupo ainda achavam que conseguiriam encontrar um caminho para o Oeste através do deserto de Mojave. Encontraram um outro grupo, mais pequeno, no trilho, cujos membros lhes mostraram um mapa desenhado à mão de um atalho que, segundo disseram, lhes fora recomendado por alguns dos mais experientes caçadores e montanhistas da região. Como Hunt se recusou a seguir pelo atalho, que lhes pouparia 800 quilómetros e potencialmente meses de viagem, grande parte do grupo separou-se para experimentar aquela rota supostamente melhor.

Ao início, pareciam ter feito a escolha certa: a viagem era fácil e estavam a avançar depressa. Em breve, porém, começaram a encontrar uma paisagem cada vez mais inóspita e as discussões sobre como prosseguir começaram a aumentar. Um grupo dirigiu-se para uma montanha nos arredores na esperança de encontrar água. O outro, um grupo de homens mais novos e solteiros, que se autodenominavam “Jayhawkers”, separou-se e tentou avançar para Oeste para encontrar o trilho divulgado pelos montanhistas – uma rota que, afinal, não existia.

À medida que ambos os grupos avançavam, a água ia-se tornando mais difícil de encontrar e muitos voltaram para trás, à procura de Hunt, em vez de enfrentarem o Inverno que se avizinhava nas serras mortíferas. “A erva aqui é escassa, a madeira é inexistente”, escreveu Jayhawker Sheldon Young sobre a paisagem. “É uma terra de aspecto dúbio.”

 

O desastre acontece

Fracos e exaustos, ambos os grupos acabaram por entrar num vale enorme, cheio de planícies de sal e rodeado por montanhas por todos os lados em Dezembro de 1849. A água era escassa no vale desértico. Só conseguiram encontrar fontes de água altamente alcalina.

Os Jayhawkers abateram muitos dos seus bois para comer e caminharam ao longo do vale, acabando por encontrar um nativo americano que os conduziu até um local seguro. O segundo grupo tentou ir na outra direcção. À medida que avançava, outro grupo de homens decidiu aventurar-se sozinho, acabando por morrer devido a exposição aos elementos ao longo do trilho que tinham escolhido.

À beira da desidratação, os membros remanescentes do grupo original foram brevemente salvos por um nevão. Ao longo do tempo, porém, os bois começaram a morrer de sede e de exaustão e vários homens faleceram. Por fim, um punhado de homens decidiu procurar um caminho através das montanhas. Os outros ficaram pacientemente à espera no fundo do vale.

Passado mais de um mês, os membros remanescentes do grupo – maioritariamente mulheres e crianças pequenas – foram salvos por dois homens que tinham partido em busca de mantimentos. Diz-se que, ao fazer a sua última travessia das Panamint Mountains, um dos membros do grupo virou-se para o vale e disse: “Adeus, Vale da Morte”. Os homens que foram em busca de atalhos demoraram, em geral, mais quatro meses a chegar à zona da Califórnia que pretendiam.

A temperatura mais alta registada na Terra?

O nome popularizou-se e, hoje em dia, o vale ainda é conhecido como um dos locais mais áridos e perigosos dos Estados Unidos da América. Em 1913, a temperatura atmosférica ascendeu alegadamente aos 56,6º C, um valor que ainda detém o recorde da temperatura atmosférica mais alta do mundo.

Meteorologistas dos tempos modernos contestam esta leitura, salientando que a temperatura não é compatível com a outros locais próximos e que nem os “pontos quentes” excêntricos do vale conseguem justificar essas variações.

“É possível demonstrar que uma temperatura de 56,6º C no Death Valley no dia 10 de Julho de 1913 era basicamente impossível de uma perspectiva meteorológica, escreveu o meteorologista Christopher C. Burt numa análise publicada em 2016. No entanto, a World Meteorological Organization, que valida as temperaturas recordistas do mundo, ainda a considera um recorde mundial.

A organização “está sempre disposta a investigar qualquer registo extremo do passado quando são apresentadas novas provas credíveis”, escreveu a WMO num comunicado de imprensa divulgado em 2020. No entanto, até à data, a análise nunca foi oficialmente invalidada.

Entretanto, perante a iminência de potenciais novos extremos, a organização disse estar pronta para examinar e validar quaisquer novos recordes. Death Valley pode não ter ganho o seu nome devido a um dia escaldante de Verão, mas 174 anos depois de ter sido assim baptizado, o vale salgado e árido continua a ser tão inóspito como em 1849.

Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.