A modelo sudanesa Alek Wek figurou na capa de Novembro de 1997 da edição norte-americana da revista “Elle”. Como muitas vezes acontece no negócio da moda, esta foi uma produção global. Com a sua pele de ébano aveludada e um ligeiro vestígio de um penteado afro, Alek foi fotografada em frente de um ecrã branco e austero. O seu simples blazer branco, de Giorgio Armani, quase se fundia com o plano de fundo. Alek, porém, estava intensamente presente. Apresentava-se de pé, na diagonal em relação à lente, mas olhando directamente para esta com um sorriso agradável que lhe enchia o rosto e não era definido por planos e ângulos, mas sim por curvas distintamente africanas, doces e amplas. Alek Wek representava tudo o que as raparigas que costumam figurar nas capas de revistas não são. 

Mais de vinte anos depois dessa edição da “Elle”, a definição de beleza continuou a alargar-se, criando espaço para mulheres de cor, mulheres obesas, mulheres com vitiligo, mulheres carecas ou mulheres com cabelo grisalho e rugas. Estamos a caminhar no sentido de uma cultura de beleza mais abrangente, para a qual todas somos bem-vindas. Todas somos belas. A versão idealizada pode ser vista em páginas de revista ou nas passerelles de Paris.

Tornámo-nos mais tolerantes porque as sociedades assim o exigiram, protestando e utilizando o púlpito intimidante das redes sociais para envergonhar os guardiões dos portões da beleza, obrigando-os a abri-los mais.

Alek Wek tem uma nova visão da beleza e essa virtude eternamente ligada às mulheres. Há muito que é um indicador do seu valor social. É também uma ferramenta para ser usada e manipulada. “Uma mulher não deve desperdiçar a sua beleza” era uma frase comum no tempo em que o futuro de uma mulher dependia de um bom casamento. A ambição e o potencial do marido deveriam ser tão espectaculares como as suas belas feições.

elle

Ver e ser visto. As revistas de moda e beleza são um paradigma de ambição, definindo frequentemente padrões de beleza para mulheres de todas as culturas. As revistas também funcionam como anúncios gigantes para as indústrias que dependem da venda destes ideais aos consumidores. 1997 “Elle” Alek Wek; 2016 “Sports Illustrated” Ashley Graham; 2018 “Vogue” britânica Vittoria Ceretti, Halima Aden, Adut Akech, Faretta Radic, Paloma Elsesser. Capas, a partir da esquerda: Publicado na Revista “Elle”, 1997, Reimpresso com autorização de Hearst Magazines, Inc., Fotografia de Gilles Bensimon; Fotografia de James Macari, “Sports Illustrated”, Contorno de Getty Images; Fotografia de Craig Mcdean, “Vogue” © The Condé Nast Publications Ltd.

A beleza é, evidentemente, cultural. Aquilo que uma comunidade admira poderá causar indiferença, ou até repugnância, a outros. Aquilo que um indivíduo considera irresistível é banal para outro. A beleza é pessoal, mas também é universal. Há belezas internacionais e são essas pessoas que se tornaram representantes do padrão.

Durante gerações, a beleza exigia uma figura esguia, mas com seios fartos e cintura estreita.
O maxilar tinha de ser definido e os malares altos e angulosos. O nariz deveria ser direito. Os lábios cheios, mas não tanto que chamassem em excesso a atenção. Os olhos, idealmente azuis ou verdes, grandes e brilhantes. O cabelo tinha de ser comprido, espesso e solto, de preferência dourado. A si-
metria era desejável. Tal como a juventude, claro. 

Esse foi o padrão nos primeiros tempos das revistas femininas, época em que a beleza foi codificada e comercializada. As grandes belezas e os “cisnes” (mulheres como a actriz Catherine Deneuve ou a princesa Grace) aproximavam-se muito deste ideal. Quanto mais se afastasse desta versão da perfeição, mais exótica a mulher se tornava. Se se afastasse demasiado, ela seria simplesmente considerada menos atraente ou desejável, logo menos valiosa. Para algumas mulheres negras ou castanhas, obesas ou idosas, a beleza parecia impossível de alcançar na cultura dominante.

No início da década de 1990, a definição de beleza imposta às mulheres começou a alargar-se com a chegada de Kate Moss e da sua figura magra e estética vagamente endiabrada. Com 1,70 metros, era baixa de mais para modelo. A adolescente britânica não era particularmente graciosa e faltava-lhe o porte aristocrático que dava uma aparência principesca a muitas outras modelos. A ascensão ao estrelato de Moss, como protagonista dos anúncios da marca Calvin Klein, implicou um grande afastamento relativamente às gazelas de pernas longas do passado.

Kate Moss perturbou o sistema da beleza, mas ainda se enquadrava na zona de conforto da indústria, com o seu conceito branco e europeu de beleza. O mesmo se aplicou aos porta-estandartes da juventude da década de 1960, como Twiggy, com o seu físico esguio, desajeitado e sem as curvas como um rapazinho de 12 anos. A década de 1970 trouxe-nos Lauren Hutton, que causou grande escândalo pelo simples facto de ter um espaço entre os dentes.

As primeiras modelos negras a quebrarem barreiras eram relativamente seguras: mulheres como Beverly Johnson, a primeira afro-americana a figurar na capa da “Vogue” norte-americana, a somali Iman, Naomi Campbell ou Tyra Banks. Tinham feições esbeltas e cabelo solto ou perucas ou madeixas que criavam a ilusão de o terem. Iman tinha um pescoço luxuriantemente comprido que fez a lendária editora de moda Diana Vreeland ficar sem fôlego. Naomi Campbell era toda pernas e ancas e Tyra Banks alcançou a fama depois de uma sessão de fotografia como rapariga normal de biquini às bolinhas na capa da “Sports Illustrated”.

Alek Wek foi uma revelação. A sua beleza era completamente diferente.

O seu cabelo encarapinhado apresentava-se cortado rente ao couro cabeludo. A sua pele aparentemente sem poros tinha a cor do chocolate negro. O nariz era largo e os lábios grossos. As pernas eram impossivelmente compridas e incrivelmente finas. Na verdade, todo o seu corpo parecia uma figurinha de madeira africana, rija e esticada, que ganhara vida. Para olhos treinados para interpretar a beleza através da lente da cultura ocidental, Alek Wek foi chocante… e os negros não foram excepção. Muitos não a consideravam bela. Até mulheres que poderiam olhar para o espelho e ver a mesma pele quase tão escura como carvão e o cabelo encarapinhado devolvidos pelo reflexo tiveram dificuldades em identificar-se com a rapariga que figurava na capa da “Elle”.

Ela foi abrupta e urgentemente transformativa. Era como se uma enorme montanha cultural tivesse sido escalada, subindo a direito por uma encosta íngreme, como se não houvesse tempo nem paciência para atenuar o esforço com ziguezagues. A aclamação de Alek Wek foi excitante e vertiginosa. Ela era o oposto de tudo o que existira anteriormente.

Hoje, estamos numa posição mais confortável do que a geração passada, mas ainda não atingimos a utopia. Muitos dos recantos mais exclusivos da beleza ainda não aceitam mulheres de maiores dimensões, com deficiências ou mais velhas.

Para ser franca, porém, não sei exactamente como será a utopia. Será um mundo onde todas recebem uma tiara e uma faixa de rainha de beleza só por comparecerem ao evento? Ou será um mundo no qual a definição de beleza é tão alargada que perde o significado? Talvez o caminho para a utopia seja reescrever a definição do próprio mundo para melhor reflectir a maneira como o entendemos hoje, algo superior ao mero prazer estético.

Sabemos que a beleza tem valor financeiro. Queremos encontrar-nos rodeados de pessoas bonitas que nos agradem, mas também porque pensamos que elas são seres humanos intrinsecamente melhores. Disseram-nos que as pessoas atraentes recebem melhores salários. A verdade é um pouco mais complexa: aquilo que obtém melhor pagamento é uma receita composta por beleza, inteligência, charme e simpatia. Ainda assim, a beleza faz parte integrante da equação.

No entanto, a um nível poderosamente emocional, o epíteto atraente significa ser-se bem-vindo ao diálogo cultural. Tornamo-nos parte do público do marketing e da publicidade. Somos desejadas. Vistas e aceites. Quando surgem questões sobre a aparência de alguém, isso traduz perguntas como: “Até que ponto é aceitável? Até que ponto é relevante? Será que ela interessa?”

Actualmente, a sugestão de que uma mulher não é bonita tem custos sociais e pode até produzir uma das típicas vagas de fundo das redes sociais. Que tipo de monstro declara que outro ser humano não é atraente? Fazê-lo é quase como considerar essa pessoa inútil. É melhor mentir. Claro que és bonita, querida, claro que és.

Chegámos a um ponto em que a beleza equivale a humanidade. Se não virmos beleza noutra pessoa, é porque somos cegos perante a sua humanidade. É assustador ver quão importante a beleza se tornou. O alcance da beleza prolonga-se até à própria alma da pessoa. A beleza tornou-se tão importante que negar que alguém a possua é equivalente a negar-lhe oxigénio.

Antigamente, havia gradações para descrever o ideal feminino: caseira, jolie laide, atraente, bonita e, por fim, bela. A mulher caseira fazia aquilo que podia com aquilo que tinha. Adaptava-se à evidência de a aparência não ser o seu ponto forte. Era aquela mulher com uma personalidade espectacular. As mulheres arrebatadoras tinham algumas características que as fazia sobressair entre a multidão: lábios grossos, nariz aristocrático, uma poitrine gloriosa. Muitas mulheres poderiam ser descritas como atraentes. Estavam a meio da curva de Bell. Ser bonita já é diferente. Hollywood está cheia de gente bonita.

Ah, mas a beleza! Beleza era uma descrição reservada a casos especiais, às vencedoras da lotaria genética. A beleza até poderia ser um fardo porque assustava os outros. Intimidava-os. A beleza era excepcional.

No seu conjunto, os avanços da cirurgia plástica, o desenvolvimento de uma nutrição mais personalizada e eficaz, o florescimento da indústria do fitness e a ascensão dos filtros das selfies nos smartphones, juntamente com o botox, preenchimentos e a invenção do Spanx, ajudaram-nos a ter melhor aspecto, aproximando-nos um pouco mais da excepcionalidade. Terapeutas, bloggers, influenciadores, estilistas e amigos cheios de boas intenções fizeram-se ouvir, num coro de mantras positivos sobre o corpo: Força, miúda!

A sua função não é dizerem-nos verdades duras, nem contribuírem para que tenhamos uma visão realista de quem somos ou para que sejamos melhores versões de nós próprias. O seu papel é animarem-nos constantemente, dizendo-nos que somos perfeitas tal como somos.

E a globalização de tudo significa que, algures, existe alguém que irá apreciar-nos em toda a nossa magnificência… seja lá o que for.

Somos todas belas.

Em Nova Iorque, Londres, Milão e Paris (as capitais tradicionais da moda mundial), os códigos de beleza mudaram de forma mais dramática nos últimos dez anos do que nos cem anteriores. Historicamente, as mudanças ocorriam devagar. As alterações na estética não eram lineares e, apesar da reputação rebelde da moda, a mudança processava-se lentamente. As revoluções mediam-se em escassos centímetros.

Ao longo dos anos, valorizou-se primeiro uma forma angulosa, seguida da fase da forma mais curvilínea. O tamanho de roupa médio de uma modelo, representativo do ideal dos estilistas, encolheu do 38 para o 32. As louras pálidas da Europa de Leste dominaram as passerelles até as louras beijadas pelo sol do Brasil as destituírem. O corpo da alta-costura (magro, sem ancas e praticamente sem peito) pode ser observado em imagens clássicas captadas por Irving Penn, Richard Avedon e Gordon Parks, bem como nas passerelles de estilistas como John Galliano e Alexander McQueen. 

Um dia, Miuccia Prada, pioneira na promoção de uma passerelle quase homogénea de modelos magras, brancas e pálidas, adoptou subitamente a figura de ampulheta. De seguida, a modelo de tamanhos grandes Ashley Graham apareceu na capa da edição de fatos de banho da “Sports Illustrated” em 2016. Em 2019, Halima Aden foi a primeira modelo a usar um hijab nessa mesma revista. De repente, o mundo da moda debateu o pudor e a beleza de corpos mais voluptuosos…. Os progressos são vertiginosos.

Na última década, a beleza progrediu rumo a territórios anteriormente considerados nichos. Termos como não-binário e transgénero fazem agora parte da narrativa comercial da beleza. Enquanto os direitos das comunidades LGBTQ eram codificados nos tribunais, a sua estética específica foi absorvida pelo diálogo da beleza. Modelos transgénero pisam as passerelles e figuram em campanhas publicitárias. Os seus corpos são aclamados como fontes de inspiração. 

O catalisador da mudança na forma como entendemos a beleza foi uma tempestade perfeita de tecnologia, economia e uma geração de consumidores com um conhecimento estético apurado.

Quando falo em tecnologia, refiro-me às redes sociais em geral e ao Instagram em particular.
O factor económico fundamental é a concorrência implacável pelo aumento da quota de mercado e a necessidade de cada empresa aumentar o seu público-alvo de potenciais consumidores – dos vestidos de marca aos bâtons. E os líderes dos estudos demográficos, como sempre nos dias que correm, são os millennials, com uma ajuda de baby boomers que fazem tenção de morrer com abdominais bem definidos.

As redes sociais mudaram a forma como os jovens consumidores se relacionam com a moda. É difícil de acreditar, mas, na década de 1990, a ideia de os fotógrafos publicarem imagens das passerelles na Internet era escandalosa. Os estilistas viviam sob o terror de verem as suas colecções publicadas na Internet, temendo que pudessem dar origem a falsificações que lhes arruinassem o negócio. E a grande revolução viabilizada pela Internet consistiu no facto de os consumidores passarem a conseguir ver, quase em tempo real, toda a amplitude da estética da indústria da moda.

No passado, as produções eram mantidas em segredo. Não eram feitas a pensar nos consumidores, e as pessoas que assistiam aos desfiles falavam o mesmo dialecto de moda. Para elas, os conceitos ali exibidos não deveriam ser interpretados literalmente: ignoravam questões de apropriação cultural; estereótipos racistas e todas as variedades de ismos; ou estavam dispostas a ignorá-los. Os negociadores de poder do mundo da moda perpetuavam as tradições dos seus antecessores, utilizando alegremente pessoas com pele negra ou castanha como acessórios, em sessões fotográficas protagonizadas por modelos brancos.

No entanto, um grupo cada vez mais diversificado de consumidores endinheirados, uma rede de venda a retalho mais abrangente e a nova paisagem das redes sociais obrigaram a indústria da moda a pensar melhor na forma como representa a beleza. Marcas de roupa e cosmética têm agora o cuidado de levar em consideração o crescente número de consumidores da indústria de luxo em países como a Índia e a China, recorrendo a mais modelos asiáticas. 

As redes sociais ampliaram as vozes das comunidades minoritárias para que as suas reivindicações de representatividade não possam ser tão facilmente ignoradas. Além disso, o aumento de publicações digitais significa que todos os mercados se tornaram mais fluentes na linguagem da estética. Surgiu uma nova categoria de negociadores de poder: em inglês, os influencers. São jovens e independentes, obcecados com o glamour da moda.
Os influenciadores da moda não aceitam desculpas, condescendência ou pedidos paternalistas de paciência porque a mudança parece iminente.

Os padrões da beleza contemporânea no Ocidente sempre assentaram na magreza. E quando as taxas de obesidade eram menores, as modelos magras pareciam apenas ligeiramente exageradas aos olhos da população em geral. No entanto, à medida que as taxas de obesidade aumentavam, a distância entre a realidade e a fantasia aumentava. Os consumidores começaram a sentir-se impacientes perante uma fantasia que já não lhes parecia sequer remotamente tangível.

As bloggers obesas avisaram os críticos, pedindo-lhes que parassem de mandá-las perder peso e de sugerir-lhes maneiras de camuflar os seus corpos. Estavam perfeitamente satisfeitas com os seus corpos. Queriam apenas que a moda fosse melhor. Queriam que a roupa fosse do seu tamanho – não saias mais compridas ou reformulações de vestidos justos, sem mangas. 

Não exigiam que as considerassem belas. Estavam a exigir acesso ao estilo que achavam merecer. Desta maneira, a beleza e a auto-estima tornaram-se indissociáveis.

Em termos económicos, o acesso das mulheres corpulentas ao espectro de consumo fez sentido. Vinculando-se aos padrões de beleza tradicionais, a indústria da moda estava a deixar escapar oportunidades de negócio. Estilistas como Christian Siriano fizeram questão de oferecer opções a clientes mais corpulentas e, ao fazê-lo, foram louvados como inteligentes e heróis do capitalismo. Hoje em dia, é relativamente comum, até nas marcas mais exclusivas, haver modelos corpulentas nos desfiles. 

Contudo, esta nova forma de pensar não se resume a vender mais vestidos. Se a questão fosse meramente económica, os estilistas já teriam, há muito, alargado os tamanhos, porque sempre existiram mulheres grandes capazes de seguir a moda e dispostas a isso. Ser grande não era considerado belo e até Oprah Winfrey fez dieta antes de posar para a capa da “Vogue” em 1998. 

ballet

Raparigas das favelas do Rio de Janeiro têm uma aula de ballet na academia Na Ponta dos Pés, uma iniciativa de Tuany Nascimento. Bailarina também originária das favelas, Tuany acha que o ballet pode ser uma maneira de as raparigas aceitarem os seus corpos e desenvolverem autoconfiança. Ela acredita que beleza e força são indestrinçáveis.

As atitudes estão a mudar, mas o mundo da moda continua pouco à vontade com as mulheres corpulentas – por mais famosas ou ricas que sejam ou por mais bonitos que os seus rostos sejam. Elevá-las ao estatuto de ícones é um obstáculo psicológico complicado para os árbitros da beleza: eles precisam de um élan sofisticado nos seus símbolos de beleza; precisam de linhas alongadas e ângulos bem definidos; precisam de mulheres que caibam nos tamanhos das amostras.

No entanto, em vez de funcionarem no vazio, estão a funcionar no novo ambiente das redes sociais. As pessoas normais reparam se os estilistas têm um conjunto diversificado de modelos e, caso não tenham, os críticos podem verbalizar a sua ira nas redes sociais, levando um exército furioso de almas que pensam da mesma maneira a clamar por mudança. Os media digitais aumentaram a probabilidade de as notícias sobre modelos macilentas e anorécticas alcançarem o grande público e agora o público dispõe de uma forma de pressionar a indústria da moda para que não contrate essas mulheres mortalmente magras. Na Internet, o sítio Fashion Spot transformou-se num vigilante da diversidade, publicando relatórios demográficos regulares sobre as passerelles. Quantas modelos são de cor? Quantas são mulheres corpulentas? Quantas são transgénero? Quantas são modelos mais velhas?

Poderíamos pensar que, à medida que envelhecessem, as estilistas começariam a destacar as mulheres mais velhas no seu trabalho.
No entanto, as mulheres do mundo da moda pertencem ao mesmo culto de beleza que criaram. Injectam botox e fazem dieta. São adeptas dos alimentos crus e do SoulCycle. Quantas vezes se viu uma estilista rechonchuda? Ou com cabelo grisalho? As estilistas ainda usam o termo “velhota” para descrever roupas que não são atraentes. Um vestido de “matrona” é um vestido que não favorece as formas ou parece antiquado. A linguagem evidencia o preconceito. Hoje em dia, porém, as mulheres não o aceitam sem pestanejar. Revoltam-se. Usar a palavra “velho” como sinónimo de não atraente não vai durar.

A disseminação de marcas de luxo na China, na América Latina e em África forçou os estilistas a pensarem na melhor forma de venderem os seus produtos a estes consumidores, evitando simultaneamente os campos culturais minados. Tiveram de navegar entre o aclaramento da pele em algumas zonas de África, a cultura de Lolitas fofinhas do Japão, a obsessão por cirurgia às pálpebras em determinados países do Leste da Ásia e preconceitos em relação à cor em… bem, em todo o lado. A beleza idealizada precisa de uma nova definição. Quem a cunhará? E qual será essa definição?

No Ocidente, os órgãos de comunicação social convencionais partilham agora a influência com os órgãos digitais, as redes sociais e uma nova geração de escritores e editores que se tornaram maiores de idade num mundo mais multicultural, um mundo com uma opinião mais fluida de género. A geração millennial, constituída pelos indivíduos nascidos entre 1981 e 1996, não é propensa a adaptar-se à cultura dominante, preferindo destacar-se com orgulho. A nova definição de beleza está a ser escrita por uma geração de selfies: pessoas que são as estrelas de capa das suas próprias narrativas.

A nova beleza não se define pelos penteados ou pela forma do corpo, pela idade ou pela cor da pele. A beleza está a tornar-se menos uma questão de estética e mais de autoconsciência, autoconfiança e individualidade. É sobre braços esculpidos, pestanas falsas e uma testa sem rugas. Mas também é sobre ventres arredondados, cabelos prateados reluzentes e imperfeições mundanas. Beleza é uma millennial pavoneando-se pela cidade vestida de leggings e top curto, com a barriga sobressaindo sobre o cós. É um rapaz descendo pela passerelle com botas acima dos joelhos e calções pelas coxas. 

Beleza tem que ver com correcção política, esclarecimento cultural e justiça social.

Em Nova Iorque, existe um colectivo de moda chamado Vaquera que organiza desfiles em cenários dilapidados com luz dura e sem qualquer glamour. As modelos poderiam ter saído da carruagem de comboio depois de uma noite mal dormida. Trazem o cabelo despenteado. A sua pele parece coberta por uma película fina e brilhante de oleosidade nocturna. Pisam com força a passerelle. A sua maneira de andar pode ser interpretada como zangada, desastrada ou apenas ligeiramente ressacada.

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JoAni Johnson, que iniciou a carreira como modelo depois dos 60 anos, posa para um retrato na cidade de Nova Iorque. Ela já desfilou e participou em campanhas publicitárias na imprensa escrita para marcas como Fenty, Eileen Fisher e Tommy Hilfiger. As campanhas publicitárias eram, tipicamente, dominadas por modelos jovens.

Modelos com aparência masculina envergam vestidos de princesa, que lhes pendem dos ombros com todo o encanto de uma cortina de duche. Modelos com aparência feminina andam, rápida e agressivamente, com uma postura encurvada e expressão sombria. Em vez de alongarem as pernas e criarem uma silhueta de ampulheta, as roupas fazem as pernas parecer compactas e o tronco atarracado. Vaquera é uma de várias empresas que seleccionam os seus modelos na rua, o que significa escolher pessoas excêntricas e pô-las na passerelle. No essencial, a empresa decreta que são belas.

Há não tanto tempo como isso, a marca de roupa Universal Standard divulgou uma campanha publicitária com uma mulher que veste um tamanho 56. Ela posou de cuecas, camisola interior e meias brancas. A iluminação era básica, o cabelo apresentava-se ligeiramente frisado e as coxas encovadas por celulite. Não havia nada de mágico ou inacessível naquela imagem. O realismo era exagerado, o oposto de um anjo da Victoria’s Secret.

Todos os pressupostos da beleza foram subvertidos. Este era o novo normal e era chocante. Há até quem possa afirmar que era bastante feio. Por mais que peçam inclusão e aparência normal (as ditas pessoas reais), muitos consumidores continuam desalentados com o facto de isto… enfim, isto ser considerado beleza. Olham para uma mulher com 90 quilogramas e, depois de reconhecerem rapidamente a sua autoconfiança, começam a exprimir preocupações relativamente à sua saúde, apesar de nunca terem visto a sua ficha clínica. 

É um tema de conversa mais educado do que o argumento de que ela não é bonita. No entanto, o simples facto de esta modelo da Universal Standard andar de roupa interior sob os holofotes – como os anjos de Victoria’s Secret se apresentaram na geração anterior – é um acto de protesto político. Não se trata de querer ser uma pin-up, mas de querer que exista o direito de um corpo existir sem ser julgado negativamente. Enquanto sociedade, ainda não lhe reconhecemos o direito a simplesmente existir. Pelo menos, o mundo da beleza está a dar-lhe uma plataforma para ela se exprimir.

Não é apenas uma exigência das mulheres corpulentas. As mulheres mais velhas insistem em ocupar o seu lugar na cultura. As mulheres negras exigem que as mostrem com o seu cabelo natural, mas não existe um território neutro.
O corpo, o rosto e o cabelo tornaram-se políticos. Beleza significa respeito, valor e direito a existir sem precisarmos de alterar a essência de quem somos. Para uma mulher negra, o facto de o seu cabelo natural ser considerado bonito significa que os seus caracóis crespos não indicam que ela seja pouco profissional. Para uma mulher corpulenta, o facto de os seus pneus serem incluídos nas conversas sobre beleza significa que ela não será castigada por estranhos por comer uma sobremesa em público. Ela não terá de provar ao seu empregador que não é preguiçosa, que não lhe falta motivação ou autocontrolo.

Quando as rugas de uma mulher mais velha são consideradas belas, isso significa que essa mulher está a ser reconhecida. Não está a ser ignorada como um ser humano pleno: sexual, divertida, inteligente e, provavelmente, preocupada com o mundo à sua volta.

A aceitação de beleza nos músculos trabalhados de uma mulher é aceitar a sua força, mas também a rejeição da ideia de que a beleza feminina equivale a fragilidade e fraqueza. A força física  pura é deslumbrante.

“Sê quem és”, lia-se numa T-shirt do desfile de Primavera de 2020 da Balmain, em Paris. O director criativo da marca, Olivier Rousteing, é conhecido por se concentrar na inclusão na beleza. Juntamente com Kim Kardashian, ele ajudou a popularizar a noção de “magra com curvas”, a descrição do século XXI de uma figura de ampulheta, ajustada através da prática desportiva. “Magra com curvas” descreve uma mulher com um traseiro, seios e coxas proeminentes, mas um tronco esguio e tonificado. É um tipo de corpo que vendeu inúmeras cintas de treino e foi utilizado para descrever mulheres como a cantora e empresária de moda Rihanna, que não têm o físico seco de uma maratonista.

Magra com curvas poderá ser outro tipo de físico com o qual as mulheres terão obsessões. Mas também permite às mulheres cunharem um termo para descreverem o seu corpo, transformarem-no num hashtag e começarem a contar os gostos. Sê quem és. 

Muitos pontos de vista. A tecnologia proporcionou o poder de definir a beleza. Os telemóveis dão maior controlo sobre a imagem e incluem apps com filtros que podem ser usados para efeitos de diversão ou para alterar a aparência.

Quando olho para fotografias de grupos de mulheres em férias ou de uma mãe com o seu filho, vejo amizade e lealdade, alegria e amor. Vejo pessoas que parecem exuberantes e confiantes. Talvez se eu tivesse oportunidade de falar com elas, se as achasse inteligentes e espirituosas, ou incrivelmente carismáticas, se as conhecesse melhor e gostasse delas, tenho a certeza de que também as descreveria como belas.

Se eu olhar para um retrato da minha mãe, vejo uma das pessoas mais belas do mundo – não por causa dos seus malares, nem do seu físico atraente, mas porque conheço o seu coração.

Enquanto cultura, concordamos silenciosamente que aquilo que importa é a beleza interior quando, na verdade, é a versão exterior da beleza que tem valor social. A nova interpretação da beleza desafia-nos a declarar que alguém que nem sequer conhecemos é belo. Requer que nos relacionemos com as pessoas de forma quase infantil, com facilidade e à vontade.

A beleza contemporânea não nos pede que nos aproximemos da mesa sem juízos de valor. Pede-nos, simplesmente, para partirmos do princípio de que todos os presentes têm direito a estar lá. 

Nota: Robin Givhan é jornalista. Já recebeu o Prémio Pulitzer, é crítica de moda do Washington Post e autora da obra "The Battle of Versailles: The Night American Fashion Stumbled into the Spotlight and Made History".