No ano 48 a.C., Júlio César chegou ao Egipto para impor a ordem no reino dos Ptolemeus. O general romano depôs com facilidade o faraó Ptolemeu XIII, acto que provocou uma desesperada rebelião dos seus partidários em Alexandria. Uma vez pacificada a cidade, César confirmou no trono a irmã e esposa do monarca deposto, Cleópatra VII, que se casou com outro dos seus irmãos, Ptolemeu XIV. Para lhe agradecer, a jovem rainha, com apenas 21 anos de idade, convidou César, trinta anos mais velho do que ela, para um cruzeiro pelo Nilo, a bordo de um luxuoso palácio flutuante.
No Egipto, César ajudou Cleópatra a conseguir o trono e iniciou uma relação amorosa com ela, tal como demonstra esta pintura. Óleo de Pietro da Cortona. 1637. Museu de Belas-Artes, Lyon.
Durante dois meses, Cleópatra acolheu o seu ilustre hóspede, fazendo-o descobrir tanto os mistérios do seu país como as suas próprias inconfessáveis virtudes. A paixão que surgiu entre ambos foi tal que, quando César abandonou o país do Nilo, Cleópatra ficou grávida de um filho de ambos.
Longe de esconder o facto, Cleópatra proclamou abertamente a paternidade do romano ao dar ao seu filho o nome de Ptolemeu Cesarião, ou seja, “o pequeno César”. Em sintonia com o projecto político da rainha, os sacerdotes egípcios chegaram a assegurar aos seus fiéis que, na realidade, Amon encarnara no homem mais poderoso de Roma para gerar esta criança. A sumptuosa corte de Alexandria tinha, assim, um novo príncipe de origem divina e o futuro do território parecia agora salvaguardado.
Este relevo, descoberto numa igreja copta, representa o jovem Ptolemeu XV em frente da deusa Ísis, com a coroa azul kheprech e nas mãos instrumentos musicais chamados sistros. Museu de Belas-Artes, Lyon.
Nos finais do ano 46 a.C., Cleópatra chegou a Roma com o seu filho e com toda a pompa da sua corte a convite de Júlio César. Os romanos não queriam acreditar, não porque César, um reconhecido galã, tivesse tido uma relação com Cleópatra, mas sim porque esta chegara a Roma na companhia do seu segundo marido-irmão Ptolemeu XIV e César acolheu-a numa das suas villae suburbanas, a Horti Caesaris (onde hoje é Trastevere), com honras oficiais na qualidade de “aliada” de Roma. Dizia-se que, nas visitas que os romanos lhe faziam, “a egípcia” (como desdenhosamente se referiam a Cleópatra) carregava nos braços o seu filho e este era supostamente parecido com Júlio César. A verdade é que Marco António, o braço-direito de César, assegurou na sede do Senado que o ditador o reconhecera perante os seus mais íntimos amigos como filho.
Júlio César, por seu lado, nem sequer tentou desmentir estes rumores e não se opôs a que o pequeno ostentasse o nome de Cesarião: a aliança entre Roma e Egipto marcava o início de um ambicioso projecto imperial, com uma possível transferência da capital para Alexandria e César estava consciente de que a sua viabilidade a longo prazo ficava assegurada com Cesarião, o seu único filho varão – tinha tido uma filha, Júlia, casada com Pompeu.
Para que este plano pudesse ser concretizado, Roma tinha de deixar de ser formalmente uma república, o que levou César a ampliar ainda mais os seus já extraordinários poderes, tornando vitalício o seu cargo de ditador (dictador perpetuus). A partir dessa altura, o “campeão de Roma” teve permissão para tudo, inclusivamente para erguer uma estátua da sua amante Cleópatra perto da de Vénus no novo fórum que fora erguido. Surgiram também rumores de uma nova gravidez de Cleópatra que, a serem verdadeiros, teriam possivelmente deitado por terra as suspeitas sobre a paternidade de Cesarião.
Um co-regente com 3 anos
A situação alterou-se bruscamente com o assassínio de César pelos partidários da velha república, nos famosos Idos de Março de 44 a.C.
Cesarião, o deus salvador
Em Ermant, perto de Lucsor, existia um grande templo consagrado ao deus solar Montu. No seu recinto, Cleópatra mandou construir um pequeno santuário, uma “casa do nascimento divino” na qual se fazia o culto da rainha sob a forma de Hathor, e do seu filho Cesarião como “Hórus – o filho-do-sol”. O santuário foi destruído no século XIX, mas os egiptólogos tiveram tempo para fazer cópias pormenorizadas dos seus relevos.
Num destes relevos, observam-se duas deusas idênticas com a cabeça de uma vaca, sentadas numa cama, amamentando uma criança. Os estudiosos identificam esta criança com Harpre-pekhrad-Cesarião. Segundo observa Joyce Tyldesley: “Num período no qual se esperava com alguma ânsia a chegada de um salvador à Terra, Cesarião veio ao mundo claramente como um deus.” Na imagem relevo do Mammisi em Ermant, Description de L’égypte.
Cleópatra teve uma desagradável surpresa ao saber que, no testamento de César, este nomeara tutores para um filho legítimo,“no caso de nascer algum”, mas designava como herdeiro o seu sobrinho neto Octaviano e não reconhecia Cesarião como filho. No meio de toda esta perplexidade e percebendo que as suas vidas corriam perigo, Cleópatra decidiu regressar ao Egipto com Cesarião.
Templo de Vénus em Roma.
O santuário ocupava o fundo da praça do Fórum de César (que media 160 metros de comprimento por 75 de largura). Encontrava-se em cima de um pódio alto, que tinha na frente oito colunas e nove de cada um dos lados, todas em estilo coríntio. No interior e juntamente com inúmeras obras de arte e com a estátua de culto da divindade, César mandou colocar uma estátua de bronze dourado que representava Cleópatra.
Já em Alexandria, a rainha mandou envenenar o seu irmão Ptolemeu XIV e nomeou Cesarião como co-regente, apesar de este só ter 3 anos de idade. A partir desta altura, Cesarião passou a ser reconhecido oficialmente como Ptolemeu XV César, ostentando os cognomes de Filopator (o que ama o pai) e Filometor (o que ama a mãe), para que ninguém duvidasse de que tinha sido fruto da sua apaixonada história de amor com o ditador. Em Roma, porém, Octaviano não reconheceu a linhagem do novo rei do Egipto e, muito oportunamente, o antigo administrador e homem de confiança de Júlio César, chamado Caio Oppio, publicou uma obra na qual revelava que Cesarião não era filho de quem se dizia ser e que tudo não passava de uma mentira. Era um aviso para que Cleópatra tivesse cuidado com os novos senhores de Roma.
Golpe contra Octaviano
A esperança de Cleópatra renasceu quando surgiu no horizonte político Marco António, o homem que disputava então com Octaviano o controlo de Roma. No Outono de 41 a.C., quando Marco António a convocou para Tarso, a rainha percebeu que deveria jogar as suas cartas de forma bem pensada para bem do seu reino e do seu filho Cesarião. Conseguiu seduzir de novo um general romano durante um cruzeiro, no qual se diz que comentários inteligentes e lascivos foram somados ao luxo de sua aparência para avivar o desejo do romano. Marco António passou o Inverno de 41-40 a.C. no Egipto e, a partir desse momento, a sorte de ambos ficaria ligada para sempre.
Os outros filhos de Cleópatra.
Depois da morte de Cesarião, os irmãos foram transferidos para Roma. Ali perdeu-se o rasto destes, mas sabe-se que Cleópatra Selene se casou com o rei da Mauritânia.
Cleópatra teve quatro filhos: um com Júlio César e três com Marco António. Depois de Cesarião ser executado, Octaviano levou consigo os restantes para Roma na qualidade de prisioneiros e apresentou-os ao povo romano acorrentados num pomposo desfile triunfal. Em seguida, o homem forte de Roma entregou as crianças a Octávia, a sua virtuosa irmã, para que os educasse convenientemente na companhia de outros jovens da família imperial. Cleópatra Selene casou-se com Juba II, rei da Numídia e depois da Mauritânia, com o qual teve vários filhos. O seu corpo jaz, supostamente, junto do marido no mausoléu que a nova dinastia mauritânia ergueu em Tipasa (Argélia). Em contrapartida, não existe qualquer relato do destino dos outros irmãos de Cleópatra Selene: o seu gémeo, Alexandre Hélios, e de Ptolemeu Filadelfo. Os historiadores sugerem que os meninos não terão atingido a idade adulta.
Da sua união, nasceram dois gémeos identificados como divindades astrais: Alexandre Hélios (Sol) e Cleópatra Selene (Lua). Mais tarde, a rainha teve outro filho com Marco António, ao qual atribuiria o nome de Ptolemeu Filadelfo. Além disso, Cleópatra acrescentaria aos seus domínios outros no Sul da Síria, em Chipre e no Norte de África. Desta forma, graças à sua mãe, Cesarião transformara-se no co-regente de um cada vez mais amplo território no Oriente.
O maior momento de glória de Cleópatra surgiu numa cerimónia celebrada no ginásio de Alexandria em 34 a.C., quando Marco António confirmou a rainha no trono do Egipto e concedeu a Cesarião o título de “Rei dos Reis”. Mais importante ainda foi o reconhecimento oficial de Cesarião como filho legítimo de César por parte de Marco António, que procurava assim destruir as pretensões políticas de Octaviano, ao apresentá-lo como um simples usurpador perante este adolescente egípcio em cujas veias supostamente corria o sangue do ditador.
A aparência de Cesarião.
A imagem mais antiga de Cesarião apareceu em moedas cunhadas em Chipre em 44 a.C., quando este era ainda um bebé nos braços da mãe. Contudo, existem representações escultóricas posteriores em museus por todo o mundo (como Mântua, Cairo, Nova Iorque ou mesmo em Alexandria), nas quais Cesarião surge com o típico toucado egípcio e com a saia sem pregas (chendjit) conforme as tradicionais imagens dos faraós.
Em todas as estátuas, destacam-se as feições arredondadas e marcadamente juvenis do retrato, bem como as espessas madeixas que sobressaem da sua abundante cabeleira e os grandes olhos abertos que parecem perscrutar com curiosidade, embora impotente, os acontecimentos futuros. Na imagem cabeça de uma estátua atribuída a Cesarião. A fotografia foi captada no decurso de uma exposição em Los Angeles.
Marco António também não esqueceu os filhos que gerara com Cleópatra. A estes concedeu-lhes o tratamento de altezas reais e ao seu filho Alexandre Hélios atribuiu os reinos da Arménia, da Média e da Pártia (quando estes fossem conquistados).
Todos estes acontecimentos foram insultuosos para Octaviano, que declarou guerra a Cleópatra e conseguiu derrotá-la e a Marco António na célebre batalha naval de Áccio, na costa grega (31 a.C.). Cleópatra regressou apressadamente a Alexandria, precipitando a derrota dos seus partidários.
Cleópatra e o vencedor.
Fechada no seu palácio de Alexandria, Cleópatra solicitou uma reunião com Octaviano. As fontes diferem sobre o que terá acontecido. Segundo Plutarco, Cleópatra suplicou pela sua vida e pela dos filhos. Dião Cássio, em contrapartida, retrata uma rainha digna que tentou seduzir o jovem Octaviano. Óleo de Barberini. Século XVII. Museus Capitolinos.
Consciente de que perante tais acontecimentos tinha de colocar a salvo Cesarião, enviou-o para sul na companhia do seu aio ou tutor. Ambos subiram o rio Nilo até chegar a Copto (Qift), não muito longe de Tebas. A partir daí, partiram pelas rotas das caravanas que, através do deserto oriental, chegariam ao porto comercial de Berenice (Baranis), nas margens do mar Vermelho. Cesarião sabia que a sua única escapatória seria precisamente esta terra aparentemente inóspita, pois nela viviam apenas tribos selvagens em grutas (os denominados “trogloditas”), e pelas quais se conseguiria sair do Egipto e navegar até à Arábia ou mesmo até à Índia, onde com toda a certeza seria bem recebido como filho de Cleópatra. Quem sabe se mais tarde, Cesarião conseguiria regressar à sua pátria para reclamar o trono dos seus antepassados!
Nessa região inóspita, Cesarião tomou conhecimento da entrada das tropas romanas em Alexandria e do suicídio de Marco António e da sua mãe. As circunstâncias aconselhavam uma fuga rápida, mas o aio de Cesarião fê-lo acreditar que Octaviano teria piedade dele e lhe permitiria conservar o seu reino. De facto, Octaviano considerara salvar a vida do jovem, mas os seus homens de confiança convenceram-no do contrário: não era conveniente a existência de demasiados “césares”. Assim, Cesarião foi executado mal chegou a Alexandria, em Agosto de 30 a.C. O sonho de um faraó romano-egípcio desvaneceu-se tragicamente, e o antigo reino ptolemaico do Egipto transformou-se numa província romana.