Por baixo de uma camada de estuque e alvenaria destruída durante os incêndios subsequentes ao sismo de 1755, estava um grande conjunto composto por caules, espigas e grãos de cereal. “O derrube das paredes e o estuque funcionaram como um forno, carbonizando lentamente e só parcialmente os frágeis fardos de palha. Não houve fogo directo sobre estes cereais, o que potenciou a sua preservação”, diz.

O seu excepcional estado de preservação fornece informação inédita em Portugal em articulação com um evento catastrófico bem datado

Trata-se de uma janela acidental para o quotidiano agrícola da cidade no século XVIII. O seu excepcional estado de preservação fornece informação inédita em Portugal em articulação com um evento catastrófico bem datado – o dia 1 de Novembro de 1755. O cereal foi encontrado no interior de uma habitação dos séculos XVII e XVIII, armazenado no rés-do-chão. Na manhã do dia fatídico, o sismo derrubou o edifício construído no local onde, há cerca de dois mil anos, se localizava a parte tardoz do antigo teatro romano. O piso térreo do edifício era usado como loja para animais, tendo sido encontrados vários objectos que confirmam tal funcionalidade. Estes artefactos a par do cereal, empilhado em fardos e usado para alimentar os animais, indica que esta zona funcionaria como um pequeno estábulo e zona de arrumos. Os fardos encontravam-se atados com cordas feitas de caules do próprio cereal. 

O estudo arqueobotânico, realizado no CIBIO (Centro de Investigação em Biodioversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto) por João Tereso, permitiu identificar centeio e alguma cevada. “Muitas espigas não têm grãos, sugerindo que foram colhidas ainda imaturas”, explica o investigador. “É uma prática comum quando se cultivam cereais para alimentar animais. O facto de encontrarmos as plantas inteiras torna pouco provável tratar-se de cereais para consumo humano. Neste último caso, seria expectável que só fosse armazenado o grão.”

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