Em Dezembro de 1800, Napoleão Bonaparte já levava um ano como o homem mais forte de França. No seu cargo como primeiro cônsul da República Francesa, conseguira colocar em ordem o país e empreendera algumas reformas notáveis que lhe valeram grande popularidade entre os compatriotas. A sua ascensão criara ao mesmo tempo inúmeros inimigos, tanto entre os radicais jacobinos, que o viam como traidor da Revolução, como entre os nostálgicos do Antigo Regime, que sonhavam com a restauração da dinastia de Bourbon. Tal como disse Fouché, o ministro da Polícia: “O ar estava repleto de punhais.”
Em Outubro de 1800, quatro indivíduos ligados a movimentos de esquerda, armados com punhais, tinham sido presos na Ópera. A chamada Conspiração dos Punhais convenceu Napoleão de que a esquerda revolucionária era a sua principal ameaça. Porém, o verdadeiro perigo vinha da facção liderada por Georges Cadoudal, um antigo líder dos rebeldes monárquicos da região de La Vendée. Cadoudal decidiu que tinha de agir directamente contra o primeiro cônsul, matando-o. Montou a operação e atribuiu-a a dois veteranos de La Vendée: Pierre Robinault de Saint-Regéant e Pierre Picot de Limoëlan, filho de um nobre guilhotinado. Ambos agregaram os restantes cúmplices, entre os quais outro veterano de La Vandée, François-Joseph Carbon. O método escolhido tem grandes semelhanças com os veículos armadilhados usados por terroristas modernos: um carro-bomba que deveria explodir à passagem de Napoleão numa das ruas de Paris.
Napoleão tinha inúmeros inimigos entre os jacobinos e os nostálgicos da monarquia. Na imagem: Napoleão como primeiro cônsul. Museu da Legião de Honra, Paris.
No dia 17 de Dezembro, fingindo ser um vendedor ambulante, Carbon comprou um pequeno carro e uma égua. Um comerciante de cereais chamado Lamballe proporcionou-lhos de boa-fé por 200 francos. Com 10 anilhas de ferro, os conspiradores fixaram ao carro um enorme barril repleto de explosivos. Apesar de o engenho ter passado à história como “máquina infernal”, na realidade não existia qualquer máquina ou artefacto. Só um barril cheio de uma grande quantidade de pólvora, activado por uma mecha acesa à mão.
Os preparativos
A imprensa anunciara que, no dia 24 de Dezembro, o primeiro cônsul assistiria à estreia em França de A Criação, um famoso oratório de Joseph Haydn. Foi o momento certo. Os conspiradores planearam a sua própria estreia: em vez de A Criação de Haydn, colocariam em marcha “A destruição” de Napoleão. O percurso do general era sempre o mesmo. O veículo oficial saía do Palácio das Tulherias, atravessava a Praça do Carrossel e, antes de entrar na Rua Richelieu, onde se encontrava a Ópera, virava à esquerda pela Rua de Saint-Nicaise. Pierre Saint-Régeant preparou o atentado no final dessa rua, perto da esquina com a Rua de Saint-Honoré. Ao fim da tarde de 24 de Dezembro de 1800, Limoëlan e Carbon atravessaram a porta de Saint-Denis e conduziram o carro para um edifício vazio nos arredores. Ali encheram o barril com pólvora e metralha. Limoëlan posicionou-se na Praça do Carrossel, de forma a conseguir ver a comitiva de Bonaparte a sair do Palácio das Tulherias e a conseguir fazer sinal aos seus companheiros para que acendessem a mecha. Saint-Regéant ofereceu doze sous a uma rapariga de 14 anos chamada Marianne Peusol para que esta segurasse durante alguns minutos as rédeas da égua que puxava o carro com a máquina infernal, mesmo sabendo que a moça seria assim a primeira vítima da explosão.
Le Moniteur Universel de 25 de Dezembro fazia eco da “terrível explosão”, ocorrida “às oito da tarde, [quando] o primeiro cônsul se dirigia para a Ópera com a sua escolta” vindo das Tulherias. O jornal oficial compilava os danos conhecidos até esse momento: “Matou três mulheres, um vendedor e uma criança. Há quinze feridos […]. Cerca de quinze casas ficaram consideravelmente danificadas.”
Entretanto, Napoleão começava a ficar impaciente porque a mulher, Josephine, não conseguia colocar correctamente um xaile que acabara de receber de Constantinopla. Por fim, decidiu partir, acompanhado do general Bessières, o cônsul de Lebrun e do general Lannes. Josephine seguiria numa segunda carruagem, acompanhada da filha Hortênsia, do general Rapp e de Carolina Bonaparte, irmã de Napoleão, que se encontrava grávida. A carruagem do primeiro cônsul avançou a toda a velocidade. Algumas testemunhas disseram que o cocheiro bebera excessivamente, embora o mais provável fosse ter recebido instruções para recuperar o tempo perdido.
De todo o modo, o cocheiro fustigou os cavalos com tanto brio que deixou para trás os cavaleiros da escolta. Confuso ao ver a escolta a galope perseguindo a carruagem, Limoëlam demorou de mais a fazer o sinal combinado.
Como resultado, Saint-Regéant acendeu a mecha demasiado tarde. A bomba explodiu quando Napoleão já passara, embora o vidro das janelas da carruagem ainda se partisse em mil fragmentos. Um dos cavalos da senda carruagem morreu e as janelas desta também rebentaram, ferindo ao de leve Hortênsia. Josephine sofreu uma crise nervosa, mas Carolina manteve a calma. A desafortunada Marianne Peusol faleceu na explosão. Encontraram o seu braço no topo de uma cornija. Segundo Le Moniteur Universal (o jornal oficial do regime), registaram-se cinco mortos e quinze feridos. Sugeriu-se que estes números foram aumentados por razões propagandísticas, mas a Rua de Saint-Nicaise era, de facto, uma artéria muito movimentada. Os clientes de um café próximo foram atingidos pelos estilhaços. Nestas condições, tudo dependia de quantas pessoas tivessem o azar de atravessar aquela rua no fatídico momento.
Um arco do Triunfo preside desde 1809 à Praça do Carrossel. O séquito de Napoleão atravessou este espaço para se dirigir à Rua de Saint-Nicaise.
Repressão indiscriminada
Napoleão manteve a calma e prosseguiu para a Ópera, onde o público o ovacionou. No dia seguinte, com os seus ajudantes e ministros, utilizou um vocabulário mais rude e acusou os jacobinos “bebedores de sangue” desta acção. Fouché sugeriu que poderiam ter sido os monárquicos, mas não recusou a ordem de aproveitar a ocasião para reprimir os jacobinos. Mais de uma centena de homens foram deportados para as ilhas Seychelles e muitos funcionários públicos foram purgados pela sua ideologia de esquerda. Os quatro presos pela Conspiração dos Punhais foram executados.
Entretanto, um polícia chamado Jean Henry, conhecido pela sua alcunha de l’Ange Malin (o anjo astuto), investigou o local do crime. Conseguiu encontrar o comerciante de cereais Lamballe, que identificou os vestígios do carro e descreveu ao pormenor o comprador. Henry e os seus homens encontraram o estábulo onde os assassinos tinham deixado a égua, que seria identificada pelas suas ferraduras. Com todos estes dados, os polícias identificaram Carbon, que tinha antecedentes como insurgente e assaltante de diligências. Ofereceram 12.000 francos de recompensa por ele e interrogaram os seus parentes e amigos até descobrirem que este se abrigava no Convento de Notre Dame-des-Champs.
Preso e torturado, acabou por denunciar os cúmplices. Saint-Regéant foi capturado e executado juntamente com Carbon no dia 20 de Abril de 1801. Limoëlan fugiu para os Estados Unidos e, em 1812, tornou-se sacerdote. Foi o único que se mostrou arrependido pela morte de Marianne Peusol.
Depois da condenação em 1804, Georges Cadoudal rejeitou sempre pedir clemência a Napoleão. No dia da sua execução, foi o primeiro dos réus monárquicos a subir ao cadafalso. Armand de Polignac, indultado por Bonaparte, recriou a cena nesta pintura.
Por seu lado, Cadoudal escapou para a Grã-Bretanha. No início de 1804, tentou de novo matar Napoleão, com a colaboração de militares descontentes como os generais Moreau ou Pichegru, mas foram todos presos. Desta vez, a rede monárquica foi conscienciosamente desmantelada. Pichegru suicidou-se e Moureau, antigo herói das guerras revolucionárias, foi exilado. Outros doze implicados foram executados, incluindo Cadoudal. E embora alguns monárquicos continuassem a lutar, já só representavam os resquícios de uma causa extinta.