Pôr do Sol no vale do fogo, de Carrizozo, um campo de lava estéril e árido a oeste do condado de Lincoln.
Nova terra de promessas. Depois da derrota do México na guerra de 1848, os hispânicos, que três décadas antes eram a viver sob a nova hegemonia norte-americana. O Novo México transformou-se num “território” dos Estados Unidos, administrado por um governador; mas só seria declarado estado em 1912. Ganhou então os mesmos direitos dos restantes. O território era constituído por vários condados, o mais extenso dos quais era o de Lincoln, assim chamado em honra ao presidente Abraham Lincoln, assassinado depois da Guerra da Secessão. Compreendia mais de 12 mil quilómetros quadrados de um território livre e indómito composto por morros secos entre cursos de água, onde se concentravam os pastos para milhares de cabeças de gado, em número muito superior ao de habitantes: em 1870, haveria apenas dez mil habitantes.
William Bonney tornou-se o bandido mais procurado nos Estados Unidos antes de completar 21 anos. Abatido pelo xerife Pat Garrett, só foi chorado pelos seus amigos hispânicos.
As suas últimas palavras com vida, momentos antes de ser alvejado com um tiro no peito disparado por Pat Garrett, foram em castelhano: “Quem são vocês? O que fazem esses homens aí fora, dom Pedro?”. Aconteceu no dia 14 de Julho de 1881, numa noite de Lua cheia, na casa de Peter Maxwell em Fort Sumner (Novo México). E assim terminou uma vida lendária: a de Billy The Kid, o chavito para os hispânicos que o veneravam.
A única fotografia. Neste retrato de 1880, um ano antes da sua morte, o pistoleiro posa com uma espingarda.
Na realidade, chamava-se Henry McCarthy, também conhecido como Henry Antrim ou Billy H. Bonney. Tinha ascendência irlandesa. Na sua curta e azarada vida (não chegou a completar 21 anos), foi um jovem à procura do seu lugar no mundo, num tempo em que o Sudoeste dos Estados Unidos ainda era governado pelo código da fronteira e onde a violência era habitual. Nasceu em Nova Iorque em 1859, mas rapidamente mudou-se para o Oeste, terra de oportunidades, com a mãe Catherine e o irmão. A família começou por instalar-se em Wichita, depois em Santa Fé e por fim em Silver City, onde a mãe casou com o mineiro William Antrim.
Billy foi crescendo nessa vida de percalços e tornou-se rebelde.
Depois de roubar a lavandaria de um chinês em Silver City, o ;xerife prendeu-o, mas Billy fugiu pela chaminé. Depois, quando a mãe morreu, matou um homem durante uma rixa. Foi o início de uma vida em constante conflito com a lei.
A estação de comboio de Albuquerque, no Novo México, fazia parte da via férrea de Santa Fé, a principal rota de chegada de colonos. Fotografia de finais do século XIX.
Em 1877, Billy mudou-se de Silver City para Lincoln, a capital do condado com o mesmo nome. A maioria da população era constituída por agricultores, pastores e trabalhadores hispânicos. Billy entendia-se bem com eles. Provavelmente aquele rapaz órfão procurava entre os amigos a ternura perdida. Aprendera castelhano em Silver City, com os rapazes com quem se relacionava, e chegou até a lê-lo fluentemente. De facto, entre os poucos livros que leu em toda a vida, encontravam-se dois em castelhano sobre Hernán Cortés – o conquistador do México – que lhe foi oferecido pelo amigo, professor e juiz José Córdoba.
As primeiras notícias sobre Billy surgem naquela a que se chamou a “guerra do condado de Lincoln”. Este conflito opôs as duas facções que disputavam o controlo do gado, das lojas e do grupo local. A primeira facção era “A Casa”, uma sociedade de veteranos do Exército da União constituída por Lawrence Murphy, Emil Fritz e James Dolan.
Os três estavam às ordens do Círculo de Santa Fé (o Santa Fe Ring), um grupo formado por maçons liderados pelo advogado Thomas Carton, que controlava o poder, a imprensa e grandes latifúndios: em 1880, era o maior proprietário do Novo México, com cerca de 12 mil quilómetros quadrados.
Na sua avidez por terra e dinheiro, o Círculo disputava com os proprietários hispânicos as pastagens e a água. Por essa altura, com os índios encurralados ou vencidos, os hispânicos tornaram-se o novo inimigo.“A Casa”de Murphy aumentava o preço dos produtos constantemente, pressionando a comunidade. Não é de estranhar que os hispânicos fossem inimigos do Círculo e apoiassem a facção oposta, fazendeiros Chisum e Tunstall, um inglês, e do advogado McSween, que se opunham aos “murphies”.
De vaqueiro a bandido
Billy encontrou trabalho como cowboy ou vaqueiro com Tunstall. Tunstall tratou Billy como se fosse um filho e ofereceu-lhe ma sela e até alguns livros. Por isso, mais tarde, quando Tunstall foi assassinado à frente de Billy pelo xerife Brady e pelos seus ajudantes – que tinham optado pelo grupo de Murphy –, o rapaz jurou vingança contra “A Casa” e os seus sequazes. Associou-se a outros homens e fez parte dos “Reguladores do Condado de Lincoln”, um grupo que recebeu de um juiz de Santa Fé a ordem de prender os assassinos de Tunstall, embora esses mandados tenham sido revogados pouco depois.
No fim do século XIX, Lincoln era um condado ao qual chegava um grande número de colonos. Na imagem, a rua principal de Corona, uma localidade a norte do condado.
Oito desses reguladores, entre os quais estava Billy, fizeram uma emboscada à patrulha do xerife no dia 1 de Abril nas ruas de Lincoln e mataram Brady e um dos seus ajudantes. A guerra de Lincoln terminou na noite de 19 de Julho de 1878. Com o apoio das tropas do exército, os pistoleiros de Murphy e Dolan abateram cinco pessoas, entre as quais Alexander McSween. Foi nessa noite que o Kid se revelou como um jovem corajoso, frio, certeiro e disposto a escapar à lei da bala. Foi assim que fugiu da casa em chamas de McSween, juntamente com José Chávez y Chávez.
Nesse período, o Novo México era governado por Lew Wallace (o célebre autor do romance Ben-Hur), que fazia grandes esforços para pacificar a zona.
Billy acreditou que nessa situação poderia conseguir o perdão e decidiu entregar-se à justiça, oferecendo-se para testemunhar sobre o assassínio que testemunhara, o do advogado Chapman, às mãos de Dolan e dos seus esbirros. O governador Wallace, porém, decretara uma amnistia geral para atrair homens como Billy, esperando extinguir novos actos de vingança entre os dois grupos.
As namoradas de Billy The Kid. Diziam que Billy tinha uma amante em cada cidade de Pecos e que estas se mostravam orgulhosas de serem as eleitas. Pelo menos três mulheres em Fort Sumner e nos arredores eram loucas por ele: Serena García, Nasaria Yerby e Celsa Gutiérrez. Eram o protótipo hispânico de beleza: olhos grandes, lábios sensuais, cara ovalada, belos penteados, brincos e colares simples. Billy também terá tido relações com a sensual e bela Manuela Bowdre, a esposa de Charlie Bowdre, um membro do seu grupo, bem como com Sally Chisum, a filha do seu antigo patrão, e com Paulita Maxwell. Fruto destes amores, nasceram várias meninas, que anos depois morreram numa epidemia de difteria.
Na prisão de Lincoln, Billy jogava às cartas com os seguranças enquanto pela janela se ouviam as serenatas que os hispânicos dedicavam a Billy. Nessas noites de música, notava-se o afecto e o carinho que os hispânicos tinham por Billy. O governador Wallace não conseguia perceber semelhante devoção por aquele rapaz desafiador e insolente. Alguns dos cidadãos hispânicos mais distintos de Lincoln – como o capitão Saturnino Baca, líder da comunidade, o comerciante José Montaño e o juiz de sucessões Florêncio González – gostavam do “rapazito” e advogaram pela sua libertação.
A FUGA DE BILLY THE KID
Dispara sobre dois dos seus carcereiros e foge num cavalo roubado
Chicago, 3 de Maio. Um telegrama de Santa Fé, Novo México, diz: “Todos os dias nos chegam pormenores da fuga de William Bonney, aliás Billy The Kid, no passado dia 30 de Abril, da prisão do condado de Lincoln. The Kid era guardado por Bob Alinger e de J.W. Bell, delegados do xerife, homens frios e corajosos. Parece, contudo, que a conduta dócil do prisioneiro os fizera baixar a guarda. Na tarde do dia em questão, Alinger foi jantar, deixando Bell a vigiar o prisioneiro. Bell estava sentado no chão a falar com The Kid, que tinha grilhetas e algemas.
Aproximou-se cordialmente e de repente o pistoleiro lançou-se sobre ele com a agilidade de um gato selvagem, batendo-lhe na cabeça e fracturando-lhe o crânio. Em seguida, roubou a pistola de Bell e disparou-lhe sobre o peito. Bell correu escadas abaixo e caiu morto. The Kid abriu a porta com um pontapé, procurou um machado e partiu as grilhetas. Rebentou também a porta do arsenal e apoderou-se de vários revólveres e espingardas. Ao ouvir o disparo, Bob Alinger deixou o seu jantar e correu para a prisão. Ao atravessar uma pequena porta na cerca da prisão, The Kid, que se encontrava acima dele, disparou com uma espingarda carregada com balas de chumbo, matando-o instantaneamente. A cidade de Lincoln parecia refém do terror e não passou pela cabeça de ninguém opor-se a The Kid. Este roubou um cavalo e escapou, armado com quatro revólveres e uma espingarda Winchester.
Na imagem: uma gravura reconstitui a fuga De Billy The Kid da prisão de Lincoln no dia 28 de Abril de 1881. Em cima, a notícia da fuga no The Helena Independent Record, um jornal de Montana, do dia 3 de Maio.
Cansado de esperar pelo perdão, um dia Billy fugiu da prisão. Com os seus amigos Tom Folliard, Charlie Bowdre e José Chávez, começou uma vida sem rumo, que passava pelos jogos de póquer nos salões ou pelo roubo de gado. Durante esses anos, um elemento esporádico do grupo de Billy era Pat Garrett, com o qual jogava póquer e que tentou ajudar na tentativa de montar uma cantina em Fort Sumner.
O histórico Palácio da Justiça do condado de Lincoln, onde Billy The Kid matou dois ajudantes do xerife para escapar.
Dizia-se que Billy não tinha medo. Eterno menino, pregava partidas, cantava e assobiava… Seria certamente uma criatura meiga entre homens rudes, incapaz de aceitar a gravidade da vida, que terminava muitas vezes sob o chumbo das balas.
O xerife e o bandido
A fama de Billy crescia enquanto escapava aos marshalls e aos comissários. A lei e os que mandavam no Novo México não podiam permitir o exemplo desse jovem desafiador. Começavam agora outros tempos no Oeste. Com a chegada do comboio e do telégrafo, a época dos pistoleiros entrava em declínio. Quando Pat Garrett, maçon e com o apoio do Círculo de Santa Fé, foi nomeado xerife de Lincoln, a sua primeira missão foi caçar Billy e o seu grupo.
Billy The Kid e o seu grupo rendem-se a Pat Garrett em Stinking Springs. Gravura de A autêntica vida de Billy The Kid, escrita por Garrett, 1882
Pat deu oportunidade a Billy de desaparecer, mas este ignorou-a. Por isso, o xerife, comandando uma numerosa patrulha, encontrou-o no dia 23 de Dezembro de 1880 em Fort Sumner. Refugiados numa cabana, Billy e o resto do grupo foram cercados e tiveram de se entregar. No julgamento, celebrado em Mesilla, foi dado como provado que Billy tinha provocado uma dezena de mortes e foi condenado à forca pela morte do xerife Brady. Ainda hoje, não é claro se a terá cometido. O pistoleiro foi então transferido para Lincoln para a execução. Billy procurava sempre tirar proveito da oportunidade. No dia 28 de Abril de 1881, Garrett foi encomendar madeira para o patíbulo em White Oaks, a 40 milhas de Lincoln. Olinger, um dos carcereiros, levou os restantes prisioneiros a comer no hotel em frente, enquanto Billy, algemado e com grilhetas nos pés, disse a Bell, outro dos carcereiros, que queria ir à casa de banho, nas traseiras. Ao regressar, golpeou violentamente Bell na cabeça e travou-se uma luta durante a qual conseguiu tirar-lhe o revólver e matá-lo quando fugia. Olinger saiu do hotel e foi morto por dois tiros da pistola de Billy. A seguir, com parcimónia, Kid ameaçou todos os presentes e ordenou que lhe cortassem as correntes. Exigiu um cavalo e foi-se embora a cantar perante o espanto de todos os que tinham vindo ver à rua o que se passava. Alguns autores aceitam que os hispânicos poderão ter facilitado aquela surpreendente fuga. Desde o início, alguns amigos socorriam-no quando estava em apuros. E Billy, naturalmente, recorreu a quem conhecia. Parou em casa de José Córdoba para retirar as grilhetas que ainda estavam presas aos tornozelos. Depois, rumou à serra do Capitão, onde se refugiou em Las Tablas, no rancho de Higinio Salazar, o seu velho amigo dos dias de guerra em Lincoln.
Natal de 1880 foi o início do fim de Billy The Kid. Pretendia passá-lo em Fort Sumner, mas, na noite de 22 de Dezembro, Garrett e mais treze membros da sua patrulha dispararam sobre Billy e sobre o seu grupo várias vezes à entrada do povoado. O grupo de Billy fugiu, mas, no dia seguinte, a patrulha de Garrett localizou-os numa cabana de Arroyo Taibán, em Stinking Springs. Charlie Bowdre, que no meio da neve saiu para alimentar os cavalos com o chapéu de Billy, recebeu uma saraivada de balas que o deixaram às portas da morte. Depois de uma troca de tiros durante horas, Billy e o seu grupo renderam-se. Garrett confiscou o Colt Lightning de Billy.
Os amigos aconselhavam-no a fugir para o México, mas ele preferiu continuar a deambular pela zona. Finalmente, rumou até Fort Sumner, onde foi acolhido por Paco Anaya e por outros rancheiros. Aqui, foi detectado por um informador enviado por Garrett.
O acto final
Se os hispânicos e a sua relação com esta comunidade foram fundamentais na sua vida, terão sido igualmente decisivos na morte do “chavito”. Naquela noite de 14 de Julho de 1881, Billy, que queria partir para o México no dia seguinte, foi despedir-se de Paulita, a irmã de Peter Maxwell, namorada dele e que provavelmente estaria grávida de um filho seu. Depois, passeou com alguns conhecidos e jantou em casa de Sabal Gutiérrez, um pastor que trabalhava para Peter Maxwell, “Dom Pedro”, e que dormia numa pequena casa do antigo forte com a mulher e o filho.
Como não tinham carne naquela noite, Sabal mandou Billy a casa de Dom Pedro para que trouxesse um pedaço de um vitelo morto e pendurado no alpendre. O pastor, talvez ciumento da relação de Billy com a sua esposa, sabia que o xerife Garrett e os seus dois ajudantes espreitavam-nos nas imediações. Quando Billy chegou a casa de Maxwell perguntou: “Quem são estes? O que fazem estes homens aqui fora, Dom Pedro?”, Garrett matou-o com um disparo no coração.
O túmulo de Billy The Kid no antigo cemitério de Fort Sumner, onde foi enterrado um dia depois de ser baleado.
Billy foi enterrado segundo o ritual hispânico católico do México. As mulheres prepararam o seu corpo e os residentes velaram-no toda a noite. A comunidade sentia que Billy era um dos seus e prestou-lhe uma última homenagem. Garrett mandou que Alexander Segura, o rancheiro de Cabra Arenoso, encontrasse o juiz mais perto e para que julgassem as circunstâncias que conduziram à morte de The Kid, uma vez que o xerife também precisava de uma prova legal para cobrar os 500 dólares de recompensa que se ofereciam por Billy.
O Caminho de Billy The Kid percorre os cenários pelos quais decorreu a vida deste foragido em Lincoln até ser assassinado. Em cima, a serra do Capitão vista desde um ponto dessa rota.
O relatório, redigido em castelhano, concluiu que Billy foi morto nessa noite por Pat Garrett e que se tratou de um “homicídio justificado”. O jovem Paco Anaya Jesus Silva que transladou o cadáver de Billy para a carpintaria onde foi amortalhado e velado e Vicente Otero ajudaram a cavar a sepultura onde Billy foi Ali acabava a sua vida, mas, tal como uma sombra que persegue o cavaleiro, o pistoleiro transformou-se num mito e num símbolo. Billy The Kid ainda cavalga pelos horizontes abertos do Novo México.