Uma das mecas da arte moderna mundial, o MoMA – Museu de Arte Moderna, em Nova Iorque, é conhecido pela abrangência do seu espólio, expondo tanto colecções de pintura, escultura e fotografia como formatos como o cinema ou a videoarte.

Além de se assumir como uma instituição de vanguarda da museologia, o MoMA é reconhecido também pelos importantes marcos artísticos que alberga nas suas salas. Estamo-nos a lembrar de peças que já se tornaram aquilo que pode ser designado como cânone, que aparecem em todos os manuais escolares.

O MoMA é, portanto, o local onde podemos siderar com a Noite estrelada, de Van Gogh, as nuances de movimento de A dança I, de Matisse, as memórias de infância de Eu e a aldeia, de Chagall, os enigmas temporais de A persistência da memória, de Dali, o estilhaçar das convenções de As meninas de Avignon, de Picasso... ou os ângulos e as arestas de plástico de… uma caneta Bic

No MoMA podemos apreciar obras magnas de Van Gogh ou Matisse... mas também uma esferográfica como a Bic. 

Não é engano. Um dos santuários artísticos mais cobiçados do mundo tem na sua exposição permanente uma caneta igual a tantas que usámos e usamos nas nossas vidas. É um objecto icónico e sempre presente desde que MoMA decidiu inclui-lo na sua colecção permanente de Design e Arquitectura.

PORQUÊ UMA caneta NUM MUSEU?

A Bic é um produto francês, mas a sua história começa na Hungria em 1938, quando Laszlo Biro, um editor jornalístico de Budapeste, inventou uma variação melhorada das canetas existentes à altura e cujo sistema ainda estava próximo do original, patenteado por John Loud no final do século XIX.

O grande problema do sistema à época era o facto de ser, basicamente, uma tômbola de tinta, devido à aleatoriedade do sistema interno destas caneta: o utilizador nunca sabia bem que quantidade saía do reservatório e, muitas vezes, o excesso da mesma levava a que qualquer escritor ou jornalista passasse mais tempo a limpar a folha de papel do que a escrever. Uma chatice. Biro, que estava bem familiarizado com esta problemática, criou com o irmão Gyorgy um novo tipo de tinta e também redesenhou a forma como a caneta a utilizava.

Passar mais tempo a limpar a folha de papel do que a escrever era um problema sério para jornalistas e escritores. 

A BIROME, AVÓ DA CANETA BIC

Os irmãos Biro fugiram do país em 1941, devido à 2ª Guerra Mundial, e refugiaram-se na Argentina. Aqui, já tendo patenteado a sua nova caneta no Reino Unido durante a fuga, fundaram com o empresário argentino Juan Jose Meyne, em 1943, a “Biro pens of Argentina”. Juntando os nomes do criador e do co-fundador desta empresa, o objecto passou a ser conhecido por Birome, nome pelo qual ainda hoje é referido no país.

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Anúncio na revista argentina "Leoplán", de 1945, promovendo as primeiras esferográficas comerciais, da marca "Birome".

Este modelo foi utilizado pelos Ingleses e pelo exército dos EUA durante a Guerra e alcançou assim fama, levando a uma curiosa competição por parte de várias empresas para criarem a sua própria versão quando o conflito mundial acabou. Ainda assim, esta versão tinha ainda bastante defeitos e não estava disponível, nem era economicamente viável para ser produzida em massa.

A Birome entrou no mercado americano pela Everhard e, através de alterações duvidosas, pela Reynolds. Prometia o fim dosvários problemas provocados pelas canetas da altura: fugas de tinta, manchas que não se podiam lavar e sarapintas que estragavam o aspecto imaculado das folhas. Usava a fórmula de tinta desenvolvida por Biro, mas com um novo sistema de injecção da mesma, com uma bolinha na ponta que garantia um fluxo constante e controlado. A caneta ideal… apesar do preço absurdo. A esferográfica Reynolds, por exemplo, custava 12 dólares e meio, o que convertido no câmbio actual ronda os 180 euros. Hoje em dia, esta quantia compraria muitas canetas.

A Birome entrou no mercado americano pela Everhard e, através de alterações duvidosas, pela Reynolds. 

A primeira loja a vendê-la, a Gimbels, em Nova Iorque, encomendou 50 mil exemplares. Vendeu 30 mil e, no primeiro meio ano, fez 5,6 milhões de dólares (160 milhões em moeda actual). Era uma beleza, um desenho de metal imitando as canetas antigas, com a capacidade de apenas obrigar a trocar a carga de tinta a cada dois anos. A esferográfica Reynolds tornou-se num objecto cobiçado de estilo e a empresa fazia alarde do aspecto recarregável do invento. A questão é que isto fazia com que as pessoas acabassem por comprar cargas e não canetas. Outras empresas saturaram o mercado com ainda mais esferográficas semelhantes e, como tal, a certa altura, a oferta era maior do que a procura.

MARCEL BICH E A BIC CRISTAL: ESCRITA NORMAL

Foi em França que a esferográfica atingiu primeiro o estatuto de ícone, e também de objecto descartável, através das ideias de Marcel Bich. O empresário comprou, em 1944, uma empresa em Clichy, a norte de Paris, e fundou a Societé BIC.

Durante a Guerra, tivera nas mãos uma Birome e, fascinado com a simplicidade e eficácia do engenho, guardou a ideia na cabeça para usar mais tarde. Entre 1949 e 1950, a Societé BIC trabalhou no design de uma caneta que fosse atraente e prática, mas também útil. O importante era que mantivesse todas as condições de segurança da versão original.

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SHUTTERSTOCK /

O grupo BIC está hoje representado em todo o mundo, incluindo em Portugal. Na fotografia, a sede da Bic Inc. Canada, em Toronto, Canadá.

Bich comprara em 1945 a patente da esferográfica a Laszlo Biro, enterrado em dívidas devido aos excessivos custos de produção da sua empreitada argentina. À versão original de Biro, Bich acrescentou as suas alterações. O empresário entendeu, talvez melhor do que Biro ou as empresas dos EUA, que estas canetas não deviam ser objectos de luxo. O truque era torná-las acessíveis numa magia de baixo preço e alto consumo.

EM 1945, Marcel Bich comprou a patente da esferográfica a um endividado Laszlo Biro.

Bich instalou uma tecnologia suíça capaz de moldar o metal das esferográficas e seus componentes ao tamanho de 0,01 milímetros, diminuindo o seu preço. Melhorou também a fórmula de tinta de Biro e, em 1950, lançou a Bic Cristal.

O empresário francês apostou também forte no marketing, sendo que os anos seguintes trariam duas das componentes que tornaram a marca imortal. Em 1953, o publicitário Pierre Guichené sugeriu a Marcel Bich que diminuísse derradeiramente o nome do produto, ficando apenas "Bic": um nome de três letras mais facilmente ficaria no ouvido do consumidor, e tinha razão.

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SHUTTERSTOCK / Radu Razvan

Etapa 14 da Volta a França 2014. Camião da BIC integrado numa caravana publicitária, com a montanha Lautaret ao fundo. 


Já em 1961, Raymond Sauvignac, hoje conhecido como um lendário designer empresarial francês, deu ao mundo o famoso bonequinho com cabeça de esfera, casaquinho amarelo de garoto de escola, mãos atrás das costas como se ocultasse um segredo bem comportado. Destacava a inovação maior da esferográfica Bic; a esfera de tunsgténio que regulava a tinta, e atirava em cheio no público-alvo desta caneta de produção maciça: crianças que iam para a escola pela primeira, segunda, ou décima vez.

Em 1953, o publicitário Pierre Guichené sugeriu a Marcel Bich que diminuísse o nome do produto para... Bic.

SOBREVIVERÁ A BIC NA ERA DIGITAL?

Além da sua capacidade de ser facilmente fabricadamais de 100 milhões de canetas foram vendidas até hoje em todo o mundo –, esta esferográfica mudou por completo o acto de escrita.

Antes, se alguém queria escrever algo, sentava-se num local especialmente criado para o efeito, parado, enquanto desfiava todas as palavras que desejava. Era um ritual que exigia disciplina, mas não permitia erros. A Bic passou a dar possibilidade a cada um de escrever quando e como quisesse. No seu livro “The revenge of the analog” jornalista canadiano David Sax descreve como a Bic lhe permitiu escrever à chuva e ao sol, a nevar, até num barco a meio da noite, no meio do mar.

A Bic dá a possibilidade a cada utilizador de escrever quando e como quiser. 

É um objecto que se pode levar para qualquer lado, porque não ocupa espaço nem tem pilhas: a única maneira de falhar é ficar sem tinta e esta é facilmente substituível. É, além disso, talvez o primeiro objecto da História a provar que o plástico podia ser uma ferramenta de design elegante, acabando com o domínio de décadas do metal na imaginação dos clientes mais sofisticados.

A razão pela qual a Bic está no MoMA é imperceptível, quase prosaica, porque o verdadeiro design clássico é assim: um objecto de gosto que não se impõe e nem se nota, mas existe e está lá. A maior prova é que, mais de setenta anos depois da sua criação, a Bic sofreu alterações minúsculas e que não mudam a sua essência.

PORÉM, A BIC É TAMBÉM UM PROBLEMA…

O excesso de Bic vendidas em todo o mundo – e a sua sobrenatural capacidade em se perderem facilmente – significa que há um grande desperdício de plástico apenas e só derivado desta esferográfica. Como quase todos os grandes sucessos, o preço a pagar é enorme e mais do que a herança cultural e artística desta esferográfica, é a sua pegada ambiental que se torna na verdadeira história interminável que continua a ser escrita pela Bic.