Desde o período villanoviano (séculos X e IX a.C.), no Centro e Norte de Itália, enterravam-se vasos bicónicos, como se fossem ossários, em poços funerários acompanhados dos artefactos que o proprietário do túmulo necessitaria na outra vida, incluindo diversos símbolos de poder como machados decorados, armas ou os instrumentos de fiação das mulheres.
A oferenda dos objectos pessoais do defunto deveria ser acompanhada de outros rituais, como a exposição do cadáver, o pranto, o transporte do defunto até ao túmulo, o banquete, os jogos e as danças fúnebres. Todos estes rituais são conhecidos através da tradição romana mais arcaica e estão refiectidos nas pinturas e relevos dos túmulos etruscos. O cumprimento destes rituais restabelecia simbolicamente a ordem social e purificava o grupo depois do desaparecimento de um dos seus membros.
Na Etrúria, a partir do fim do século VIII a.C. o túmulo de câmara transformou-se no sepulcro típico da aristocracia e este costume manteve-se até à romanização da região, em finais do século I a.C. A partir do período denominado orientalizante (século VIII a.C. e meados do século VII a.C.) e durante a época arcaica (segunda metade do século VII a.C. e o século VI a.C.), os túmulos de câmara estavam cobertos, a maior parte das vezes, por grandes túmulos que, com a sua monumentalidade, refiectiam o poder e proeminência dos distintos grupos gentílicos.
Os rituais funerários. A incineração era uma prática corrente nas cidades do interior da Etrúria. Depois do velório ou exposição do defunto, a reunião social onde se comia, bebia, se ouvia música e se dançava durante vários dias, o cadáver era queimado numa pira e as cinzas eram guardadas numa urna destinada ao túmulo. Na imagem, um bucchero funerário descoberto na necrópole de Banditaccia, em Cerveteri (Museu Nacional Etrusco, Roma).
O sepulcro de câmara tinha como função hospedar o par aristocrático e provavelmente também os seus filhos de menor idade e os seus servos domésticos, dispostos nas câmaras secundárias abertas no corredor de acesso. As gerações sucessivas procuravam confirmar a sua legitimidade ao construir a sua sepultura em redor do túmulo dos antecessores, razão pela qual algumas necrópoles eram enormes. Muito menos conhecidas são as sepulturas que continham os grupos subalternos.
A necrópole de Populónia.
É conveniente assinalar a distribuição dos principais centros etruscos. Deve-se distinguir, primeiramente, entre a Etrúria Meridional e a Etrúria Centro-Setentrional. O limite entre ambas era marcado pelos cursos dos rios Fiora, que desagua no Tirreno, e Paglia, um afiuente do Tibre. Na Etrúria Meridional, encontram-se cidades antigas e grandes, próximas entre si e próximas do mar ou das vias fiuviais ou lacustres da zona, como Veios, Cerveteri, Tarquínia, Vulci e Volsinii. A norte do Fiora, seguindo pela costa, encontram-se Vetulónia e Populónia. No interior, encontram-se Chiusi, Perugia, Cortina, Arezzo, Fiesole e Volterra, todas localizadas a grande distância entre si e com um desenvolvimento histórico mais lento em relação aos centros meridionais, com um apogeu na fase final da civilização etrusca.
Veios e Cerveteri
A poucos quilómetros de Roma, na importante da cidade de Veios, a principal rival dos romanos durante muitos anos, encontram-se vários túmulos de câmara decorados com pinturas, as mais famosas das quais são o túmulo dos Patos (século VII a.C.), decorado com motivos geométricos, e o túmulo de Campana, que tem motivos orientalizados (século VI a.C.). Em contrapartida, em Veios, os grandes túmulos são pouco numerosos e tardios, com alguns enxovais funerários menos abundantes e ricos se comparados com os da vizinha Cerveteri.
Em Cerveteri, encontra-se um dos sítios arqueológicos mais interessantes e sugestivos da bacia mediterrânea. Trata-se da necrópole etrusca de Banditaccia, que compreende uma área de cerca de 400 hectares e contém milhares de túmulos. Apresenta túmulos com alicerces de rocha vulcânica de proporções variadas, alguns com 30 metros de diâmetro, nos quais se abrem um ou mais grupos de túmulos esculpidos na rocha, imitando o interior das casas, já que dispõem de diversas divisões, portas, janelas, colunas, móveis e leitos fúnebres. Outros estão escavados, formando corpos quadrangulares, com fachadas abertas para as vias sepulcrais que se entrecruzam em ângulos rectos e imitam a planimetria urbana. Os túmulos tardios são mais profundos e formam vastos hipogeus, também imitando a arquitectura real, com estuques, pinturas e inscrições.
O interior das necrópoles. Um bom exemplo do interior das necrópoles etruscas é o túmulo dos Cai Cutu. O mais antigo dos Cai Cutu, que inaugurou o panteão familiar, viveu no século III a.C. É o único cujo corpo não foi cremado: os seus ossos jaziam no único sarcófago do túmulo. Nas cinquenta urnas do túmulo, existem inscrições em diversas variantes da língua da Etrúria, em etrusco latinizado e finalmente em latim. Mas também se pode ler a história das pretensões aristocráticas da família, que acabou por eliminar a palavra Cai, que indicava a condição servil do primeiro defunto, metamorfoseando-se em Cutu. Os Cutu acabaram por se transformar em romanos arrivistas: a família dos Cutius. Na ilustração, reconstrução do túmulo dos Cai Cutu, em Perúgia.
Embora a cronologia seja muito ampla (do século IX a.C. ao III a.C.), a maioria dos túmulos escavados corresponde aos séculos VII e VI a.C., período no qual a cidade deverá ter sido um centro excepcionalmente rico e populoso. Além de artefactos de bronze e prata, de estilo oriental, encontrou-se uma refinada ourivesaria, bem como inúmeros objectos de cerâmica local e de importação (vasos coríntios, ródios, jónicos, áticos, etc.). É muito provável que os artesãos estrangeiros se estabelecessem naquele que deveria ser o mercado fiorescente para os seus produtos.
A riqueza dos príncipes de Cerveteri terá sido abundante. Na sua necrópole, há dezenas de túmulos aristocráticos do século VII a.C e têm ao seu redor um amplo círculo de túmulos mais pequenos. Essa disposição permite reconstruir a imagem de uma complexa estratificação social.
Figura de um jovem reclinado. A tampa esculpida cobre esta urna funerária que, tal como as restantes, deveria conter unicamente as cinzas do defunto.
À volta de Cerveteri, foi identificada uma ampla rede de centros menores onde por cada casa existem um ou dois túmulos do mesmo estilo do que os de Cerveteri e enxovais funerários semelhantes, o que parece demonstrar a existência na Antiguidade não só de relações culturais mas também de um sistema de alianças que os ligava aos príncipes de Cerveteri.
Tarquínia e Vulci
Na Tarquínia, o desenvolvimento das fases culturais da Etrúria Meridional (da villanoviana à oriental) tem o seu refiexo numa série de túmulos de poço, de fossa ou de câmara disseminados pelas colinas que circundam a cidade.
Do século VIII a.C. até à época romana, escavaram-se na colina de Monterozzi milhares de hipogeus, muitos dos quais incluem decoração pictórica. Entre os que a UNESCO classificou como Património Mundial contam-se o Túmulo do Guerreiro, o dos Leopardos, o dos Jogadores ou o do Triclinium. Este excepcional complexo artístico oferece um quadro muito pormenorizado da vida, dos costumes e das crenças dos etruscos. Apesar disso, Tarquínia parece ter vivido o seu momento de maior esplendor em meados do século VIII a.C. No início do século VII a.C., em contrapartida, o número de necrópoles começou a diminuir e, no fim desse século, o único grande conjunto conhecido é o de Monterozzi. As sepulturas, com excepção das gigantescas da Doganacci ou de Poggio del Forno, são pouco relevantes e não parecem transmitir o sentido continuidade gentílica encontrado em Cerveteri.
Túmulo Inghirami. Descoberto na necrópole de Ulimeto, perto do município de Volterra, foi reconstruido no Museu Arqueológico de Florença.
A cerca de 20 quilómetros para norte de Tarquínia, nas ribeiras do rio Fiora, encontra-se a cidade de Vulci. Era um importante centro de elaboração do bronze e os seus túmulos e hipogeus não diferem muito dos encontrados em Cerveteri ou em Tarquínia. Particularmente importante é o Túmulo François, assim chamado em honra do seu descobridor, o arqueólogo Alessandro François. A decoração pictórica deste túmulo apresenta cenas da história mais antiga da Etrúria e de Roma, como a libertação de Mastarna-Sérvio Túlio pelos irmãos Aulo e Célio Vibenna.
Vulci sofreu um processo de decadência semelhante ao de Tarquínia durante o período de orientalização. Os grandes túmulos de câmara são ainda menos numerosos e não se encontraram vestígios daquela articulação social tão pronunciada de Cerveteri até à nova e poderosa explosão da potência económica e produtiva da cidade construída no fim do século VII a.C. Surgem então importantes famílias locais como os Tutes, os Tarnas e os Tetnies.
Volsinii e o Norte
Às metrópoles da Etrúria Meridional costeira contrapunham-se as pequenas cidades do interior, em redor dos lagos de Bracciano, Vico e Bolsena, onde são frequentes as necrópoles rupestres, com as fachadas dos túmulos escavados na rocha vulcânica tal como se fossem casas e templos. No interior da Etrúria Meridional, erguia-se uma das cidades que os autores antigos consideravam o centro da nação etrusca: Volsinii. A norte da cidade descobriu-se a necrópole de Crocifisso del Tufo (século VI a.C.), com túmulos de câmara quadrangulares, cobertos com falsa abóbada e separadas por ruas que se cruzam perpendicularmente, tal como em Cerveteri.
Os enxovais funerários. Segundo se pode observar nos enxovais funerários dos túmulos aristocráticos, a ourivesaria etrusca, de ascendência grega, registou grandes influências orientais tanto na técnica de trabalhar o metal como na estética e nos motivos ornamentais.
Na Etrúria Setentrional, ao longo da costa tirrénica, encontram-se centros de relevância menor. No vale toscano do rio Albegna, descobriram-se as importantes necrópoles circulares da Banditella e da Perazzeta, com mais de uma centena de túmulos e fantásticos enxovais funerários de estilo oriental, constituídos fundamentalmente por objectos de bronze, ouro e marfim.
Seguindo pela costa, perto da actual Grosseto, ergue-se a antiga Vetulónia, circundada por uma excelente necrópole. Os túmulos mais importantes estavam delimitados por círculos de pedra ou tinham forma de túmulo. O enxoval funerário, constituído na sua maioria por objectos de bronze, oferece uma cronologia compreendida entre os séculos VIII e VI a.C. Do túmulo da Pietrera chegam os primeiros exemplos de grandes estátuas etruscas de pedra, com figuras masculinas e femininas.
A norte de Vetulónia, numa cota que domina o golfo de Baratti, erguia-se a antiga Populónia, a única grande metrópole etrusca localizada nessa linha de costa. A sua importância histórica deveu-se ao trabalho do ferro, com mineral proveniente da vizinha ilha de Elba, o que fez de Populónia um dos centros siderúrgicos máximos da Antiguidade. Os monumentos característicos das suas necrópoles, entre as quais se destacam a de San Cerbone e a de Casone, são os grandes túmulos com divisões cobertas por abóbadas ou cúpulas. Nestas, encontraram-se objectos que remontam à cultura villanoviana (século IX a.C.) e que se estendem até ao século VI a.C. A partir do século IV a.C., a exploração do ferro registou um forte incremento e as zonas ocupadas pelas necrópoles orientalizadas e arcaicas foram destinadas às actividades siderúrgicas. Os antigos túmulos foram-se revestindo de espessas camadas de escória de ferro e, por volta do fim do século IV a.C., construíram-se novas necrópoles em Le Grotte, Poggio Malassarto e Le Buche delle Fale.
O interior
Entre as cidades do interior, dispostas em redor das bacias superiores dos rios Arno e Tibre, destaca-se Chiusi, com inúmeros sepulcros distribuídos à volta da cidade e noutros centros menores, o que demonstra uma intensa ocupação do território.
Os vestígios funerários mais antigos, depois da fase villanoviana, caracterizam-se por enterros de cremação, com os denominados vasos de vísceras, por serem parecidos com os egípcios, usados como ossários com tampas com forma de cabeça humana. As estelas sepulcrais e as urnas cinerárias com relevos são típicas da fase compreendida entre finais do século VI a.C. e o século V a.C. Representam banquetes, jogos fúnebres e outros rituais.
Os frescos etruscos, arte e simbologia.
As pinturas murais etruscas têm grande interesse pela sua qualidade e pelo seu valor testemunhal: são quase o único vestígio que sobreviveu da Antiguidade greco-latina. As aves aquáticas, frequentes nessas imagens, simbolizam a viagem da vida para a morte, ao passo que os leões e outras feras representam o medo dos vivos face ao que se seguia. A luta do phersu, uma estranha personagem mascarada de cão, contra um homem encapuçado, armado com uma maça, testemunharia o combate de gladiadores na Antiguidade etrusca; e uma porta fechada simbolizaria a entrada para o mundo dos mortos.Abundam as cenas de banquetes, jogos, música e danças.A maioria das imagens pintadas nos túmulos está repleta de vida. São profissões de fé na alegria e no usufruto dos prazeres da vida. Nas imagens, dois frescos da necrópole de Tarquínia; em cima, ofertantes e músicos (do túmulo dos Leopardos), e em baixo, a porta para o Hades, que pertence ao túmulo dos Augures.
Alguns dos túmulos de câmara próximos de Chiusi estão decorados com pinturas do quotidiano, como em Tarquínia, e remontam na sua maioria ao século V a.C.
Os túmulos mais conhecidos são os de Scimnia, Granduca e de Colle. Este esplendor artístico fornece informação sobre o período de maior desenvolvimento da cidade. Relembre-se que, segundo a tradição, nos finais do século VI a.C., o rei Lars Porsena de Chiusi atacou Roma e, segundo algumas fontes, tê-la-á conquistado. Posteriormente, entre finais do século V a.C. e durante o século IV a.C., criaram-se no território de Chiusi estátuas, grupos funerários e sarcófagos nos quais começou a tomar forma o retrato individual.
A leste do lago Tasimeno, Perúgia é uma clara amostra da sucessiva transformação de uma cidade etrusca em cidade romana e, mais tarde, em grande centro medieval e moderno, sem que com isso desaparecesse a estrutura urbana e os monumentos etruscos da fase mais próspera vivida pela localidade naquela época (a partir do século III a.C. e até ao século I a.C.). Desta última fase, conhecem-se os hipogeus de São Marcos e dos Volumni, ambos escavados na rocha, que apresentam relevos e urnas cinerárias com decoração figurada e inscrições em etrusco e latim.
Tal como Perúgia durante o século XIX, Cortona foi o centro mais importante de etruscologia durante o século XVIII. Dessas primeiras escavações, conservam-se túmulos de sepultura isolados que trouxeram à luz do dia objectos de bronze de grande qualidade. Mais a norte, na bacia superior do Arno, Arezzo foi uma das cidades mais importantes da Etrúria Setentrional e um centro metalúrgico de primeira ordem, mas conservam-se poucos dos monumentos e necrópoles daquela época.
Esse antigo esplendor é testemunhado pela famosa Quimera de Arezzo, uma das esculturas de bronze de maior destaque da arte etrusca, que causou sensação na altura da sua descoberta, em meados do século XVI, e cuja função se pensa que terá sido a de proteger algum sepulcro principesco.
A norte do Arno, na região de Florença, existiu outro centro etrusco, em Fiesole, mas tal como nas cidades de Etrúria Setentrional, os vestígios monumentais correspondem à época tardia. Apesar disso, a fase orientalizante foi documentada através dos enxovais fúnebres descobertos em diversos túmulos, tal como os de Comeana e Montagnola. Este último é constituído por uma sala coberta por uma falsa cúpula de cinco metros de diâmetro e um sólido pilar central, à qual se acede através de um corredor de 14 metros de comprimento. O túmulo tem um sepulcro com 70 metros de diâmetro, um dos maiores encontrados na Etrúria Setentrional.
Estelas e representações pessoais. Este sarcófago é proveniente de Vulci, do túmulo de Ramtha Visnay e do seu marido Arnth Tetnie. Os relevos laterais são de enorme qualidade plástica, com cenas de despedida dos cônjugues. Na tampa do sarcófago, o par está representado a abraçar-se debaixo dos lençóis. A obra remonta a meados do século IV a.C. (Museu de Belas-Artes, Boston).
Por fim, na Toscana Central, entre os rios Ombrone e Arno, o centro etrusco mais importante foi Volterra, cidade construída sobre uma alta colina que dominava o vale do Cecina. Embora a sua necrópole mais antiga, do período villanoviano, tenha sido engolida pelos grandes deslizamentos de terra próprios da zona, sobrevivem inúmeras estelas funerárias com relevos do período arcaico e urnas cinerárias de alabastro.
A entrada de Roma na Etrúria com a conquista de Veios no início do século IV a.C. levou ao início de um caminho sem retorno que terminou durante o período das guerras civis (século I a.C.) com a completa romanização da Etrúria e o fim das suas antigas tradições. Paradoxalmente, a partir dessa altura, a “nostalgia” etrusca invadiu Roma como prefiguração do seu domínio sobre Itália.