Os resultados científicos do Lisbon Mummy Project e uma velha história de sarcófagos e artefactos egípcios legados à Universidade do Porto.
Imagem TAC da múmia do sacerdote Pabasa. Fotografia Cortesia do Lisbon Mummy Project.
EM ESCASSAS HORAS DE UMA MANHÃ de Agosto de 2010, a equipa do Lisbon Mummy Project, constituída por médicos radiologistas, técnicos, egiptólogos e bioarqueólogos, realizou mais de 90 mil imagens de base a três múmias da colecção permanente do Museu Nacional de Arqueologia de personagens que se chamavam Pabasa, Irtieru e Horsukhet. As três múmias foram exaustivamente analisadas, com a mais moderna tecnologia nas instalações do IMI (Imagens Médicas Integradas).
A equipa do Lisbon Mummy Project realizou mais de 90 mil imagens de base para o estudo das múmias do Museu Nacional de Arqueologia. Fotografia de Luís Quinta.
Não intrusivo, o processo permitiu recuar mais de 2.300 anos e estudar os tecidos moles dos indivíduos em busca de pistas sobre o regime alimentar, a dentição, as eventuais patologias de que sofriam, os processos de enfaixamento e mumificação. Os estranhos olhos de Pabasa (à direita) revelam elaborados pedaços de vidro ou pedra que funcionariam como olhos artificiais para o Além. A sua múmia foi, das três, a que revelou um processo de mumificação com mais requinte., sublinhando o seu estatuto social.
Em contrapartida, a múmia de Irtieru revelou pistas consideráveis sobre as doenças ósseas deste indivíduo, cuja limitação do movimento das ancas seria tendente a evolução artrósica precoce, enquanto a de Horsukhet mostrou que sucumbiu a um cancro na próstata. O estudo foi dirigido pelos radiologistas Carlos Prates, Sandra Sousa e Carlos Oliveira.
O sacerdote Pabasa
A TAC realizada ao sarcófago deste sacerdote, que pertence à colecção permanente do Museu Nacional de Arqueologia, revelou vários aspectos curiosos. O crânio parece aconchegado por um possível hipocéfalo (massa branca, em cima), uma espécie de almofada cerimonial para a cabeça. A aplicação de resina no crânio delimitou a calota occipital numa linha recta.
Exemplar da colecção do Museu Nacional de Arqueologia. Imagem cortesia do Lisbon Mummy Project.
O espólio do Porto
Em Fevereiro de 1916, o governo português ordenou o apresamento de todos os navios de pavilhão alemão ou austríaco fundeados nos portos nacionais. A operação, que levaria à declaração formal de guerra com a Alemanha a 9 de Março, permitiu a apreensão de sete dezenas de navios. Entre eles, estava o Cheruskia.
Registado em Hamburgo, este navio era especial. Chegara a Portugal vindo de Baçorá, no Iraque, e transportava a bordo 448 caixotes de material arqueológico recolhido ao longo de várias campanhas entre 1903 e 1914 pelo famoso arqueólogo Walter Andrae em Assur, a antiga capital da Assíria. Terminada a guerra, a Alemanha reclamou as peças, entretanto encaminhadas para a Universidade do Porto.
Máscara feminina de estuque, 20 centímetros de altura. Museu de História Natural da Universidade do Porto. Fotografia de Nuno Correia.
Durante sete anos,trocou-se correspondência entre os dois governos antes de ser por fim decidida a troca do espólio assírio por um conjunto de 134 objectos egípcios adquiridos pelos museus berlinenses no final do século XIX.
Em Janeiro de 1927, as peças chegaram por fim a Portugal e ficaram sob custódia dos museus da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). A odisseia, porém, ainda não terminara.
Em Abril de 1928, foi extinta a FLUP. O espólio foi classificado, mas permaneceu num limbo até ser entregue ao Museu de Antropologia da Faculdade de Ciências em 1940. Ali permaneceu, durante cinco décadas, até à constituição do Museu de História Natural em 1996, onde agora está exposto.
Máscara funerária de cartonagem dourada, 44 centímetros. Museu de História Natural da Universidade do Porto. Fotografia de Nuno Correia.
Save
Save