Em 2015, nas instalações de uma velha fábrica de Lisboa, num muro correspondente a um contexto romano republicano, encontrou-se uma curiosa estela, com 73 centímetros de altura. Não estava tão suja como as restantes e fora gravada com estranhos caracteres que ninguém no sítio arqueológico sabia ler. A escavação no antigo Palácio de Coculim, conduzida pelos arqueólogos Paulo Rebelo, Nuno Neto, Miguel Rocha e Ricardo Ávila Ribeiro, da empresa Neoépica, acabara de encontrar um exemplar de escrita fenícia.
Conheciam-se outros exemplos, como grafitos fenícios num fragmento de cerâmica proveniente de uma ânfora encontrada na Praça Nova do Castelo de São Jorge e um fragmento cerâmico com grafemas fenícios em Tavira, mas a cerâmica é portátil e pode ser gravada em qualquer lugar, incluindo na costa levantina do Mediterrâneo. A estela funerária era um indício diferente, até porque só existiam três inscrições monumentais com caracteres fenícios em toda a Península Ibérica e esta é, de longe, a localização mais ocidental.
O mosaico romano encontrado nas escavações e conservado no hotel.
O contexto da Idade do Ferro agora descoberto proporcionou a identificação da estela, bem como de uma rampa e um ancoradouro do mesmo período. A equipa da Neoépica identificou também um enterramento humano, datado do Neolítico antigo (VI a IV milénios a.C.), um contexto funerário único desta época no território português. Foram encontradas ocupações do período romano republicano e imperial, da Antiguidade tardia, da Idade Média islâmica e cristã e, claro, das épocas moderna e contemporânea. De alguma maneira, naquele quarteirão, que durante séculos funcionou como fronteira face ao Tejo, está o livro da história de Lisboa, capítulo a capítulo, em todas as suas glórias e tragédias.
Noutro ponto da escavação, foi possível continuar os trabalhos de 2004, recuperando o mosaico que uma equipa anterior já desvendara parcialmente. A figuração é quase inédita em Portugal: representa Vénus descalçando a sandália, mito antigo da cultura romana, com um único paralelo em escultura encontrada perto de Elvas.
Nas instalações da velha fábrica, funciona hoje um hotel que teve o bom senso de integrar o mosaico no projecto, tornando-o visitável. É, de alguma forma, a memória da cidade da Idade do Ferro e da cidade romana que se perpetua nos antigos Armazéns Sommer.
Eurostars Museum Hotel
Rua Cais de Santarém, 52, Lisboa
Horário: 14h, 15h e 16h (aos domingos)
Contacto: E-mail: visitas@eurostarsmuseum.com