No dia 14 de Julho de 1716, Maria Mendes Maya, conhecida pela Bragança, pela uma hora da tarde, pariu duas crianças siamesas unidas pelo abdómen. A “Gazeta de Lisboa” de 1 de Agosto dava conta que “ambas têm um só ventre, um umbigo e ambas se servem pelas mesmas vias que podia ter uma só. Vivem espertas e mamam bem e, pelas palpitações, parece ter cada uma seu coração.” Os bebés faleceram 16 dias depois. A raridade do fenómeno, logo cunhada como monstruosidade, impressionou Dom João de Mendonça, bispo da Guarda, que mandou esculpir uma placa de granito representando os gémeos siameses.
UMA LÁPIDE DESAFIADORA
O historiador Pedro Miguel Salvado, com vasto trabalho publicado sobre a Beira Baixa, lembra que a lápide desafiava em parte as “Constituições”, inspiradas no Concílio de Trento, que estipulavam a remoção dos templos sagrados de “todos os abusos, superstições e indecências” não relacionados com temas santos. Porque o teria feito? Bispo esclarecido, dono de uma biblioteca impressionante, Dom João de Mendonça dificilmente avalizaria a mentalidade dominante, que via neste tipo de fenómenos sinais para acontecimentos futuros. Tê-lo-á feito alegadamente para preservar a memória de um acontecimento comovente, mas também para acompanhar o movimento iluminista de racionalização da natureza e de busca de relações para fenómenos terrenos, evidente em publicações de época que procuravam explicações para estes casos de alterações anatómicas.
Fonte: "Um parto prodigioso em Castelo Branco no século XIII", Medicina da Beira Interior VIII, 1994
Pedro Martins
Artigo publicado originalmente na edição de Março de 2016 da revista National Geographic.