Os dois primeiros tipos de escrita da humanidade surgiram no final do quarto milénio antes de Cristo em duas áreas muito próximas: no Egipto, com a escrita hieroglífica, e na Mesopotâmia, com a escrita cuneiforme. Embora conheçamos muitos aspectos de ambas, continua a debater-se se tiveram uma origem independente e por que motivo apareceram. No caso da hieroglífica, não é claro se os motivos foram económicos ou religiosos. Da cuneiforme, porém, sabemos que foi criada com fins administrativos e que no final pressupôs um processo de aperfeiçoamento na contabilidade. Isso está reflectido no carácter económico dos textos escritos mais antigos que se conhecem: mais de cinco mil documentos encontrados na cidade de Uruk e elaborados em 3200 a.C.
O aparecimento da escrita cuneiforme está ligado ao aparecimento das primeiras civilizações mesopotâmicas e pode ser dividido em quatro etapas.
A sua fase inicial (8000-3500 a.C.) remonta ao início do Neolítico. Para controlar as quantidades de cereal ou gado, utilizaram-se pequenas peças de argila ou pedra conhecidas pela palavra inglesa token; cada token correspondia a uma quantidade.
Numa segunda etapa (3500-3400 a.C.), os token eram colocados no interior de invólucros ovais de argila (bulla), em cuja superfície apareciam habitualmente impressões dos token ali contidos.
Bulla com impressões dos Token. Uruk, 3200-3100 a.C.
Na terceira etapa (3400-3300 a.C.), começa a perceber-se que já não era necessário colocar os token no interior dos bullae, visto que estes já aparecem impressos no exterior. Prescindiu-se dos token e o antigo contentor de argila foi assim nivelado. Apareceram nesta altura as primeiras tabuinhas de barro, com impressões de token ou com símbolos que imitavam as suas formas.
A última fase (3300-3200 a.C.) caracteriza-se pelo aparecimento de tabuinhas com números e símbolos que representam produtos.
Os escribas eram especialistas na difícil arte de redigir textos cuneiformes. Nesta imagem, escribas assírios do século VII a.C. Museu Britânico, Londres.
Estas tabuinhas só foram encontradas em Uruk (no Iraque) e na região de Susa (no Irão). O aparecimento de números reflecte o processo de abstracção na contabilidade. Até 3300 a.C., aproximadamente, cada token representava uma quantidade determinada de bens. Por exemplo, se um token oval equivalia a um jarro de azeite, para indicar dois jarros, deveriam ser colocados dois token ovais e assim sucessivamente. Não se sabe ainda se, de comunidade para comunidade, um símbolo equivaleria sempre ao mesmo conceito. A quantidade e o total foram frequentemente representados em simultâneo.
Código de Hamurabi. Estela do século XVIII a.C. com inscrições em paleobabilónico. Louvre.
Em 3300 a.C., apareceram então os antecedentes dos primeiros textos cuneiformes: tabuinhas onde se podem ver números e outros símbolos que simbolizam o produto contado. As tabuinhas com números são o embrião dos primeiros textos escritos, que apareceram em 3200 a.C. na Mesopotâmia. Foram encontrados em Uruk, considerada a primeira cidade da história, e são textos mais complexos que incluem profissões, divindades, instituições e actividades. Eram impressos com cálamos sobre argila fresca e os traços eram curvilíneos. Assemelham-se mais a desenhos do que a caracteres escritos.
Os utensílios usados na Mesopotâmia para escrever eram abundantes no país banhado pelos rios Tigre e Eufrates: a argila, o mesmo material utilizado no fabrico das casas mesopotâmicas, e as canas, cujas pontas eram afiadas para uso como cálamo ou estilete, com o qual se gravavam os símbolos cuneiformes sobre o barro húmido. Na ilustração, recria-se o trabalho dos escribas, ofício cuja longa aprendizagem era bem recompensada: «Quando amadureceres, prosperas», lembra um texto antigo.
Três mil anos de história
Os primeiros símbolos com traços totalmente rectilíneos, ou seja, impressos com cunhas (portanto, os primeiros textos cuneiformes), estão documentados desde 2900 a.C. Esta escrita foi inventada pelos sumérios, que viviam a sul da Mesopotâmia. Na sua origem, era composta por 900 símbolos que tentavam reflectir fisicamente a realidade e que acabaram por representar tanto uma ideia como um som.
Quando se desenhavam os símbolos com uma cana afiada sobre a argila fresca, as marcas não eram pormenorizadas. Por isso, os sumérios adoptaram outra técnica: a impressão dos símbolos mediante uma cana que terminasse em bisel. Quando a ponta era aplicada na argila, obtinha-se uma figura cónica da qual procede o nome da escrita mesopotâmica: cuneiforme, do latim cuneus (cunha). As extremidades podiam prolongar-se alargando o traço e obtendo as oito figuras com as quais eram compostos todos os símbolos cuneiformes:
A escrita cuneiforme foi adoptada pelo menos por mais onze culturas do Próximo Oriente, como os acadianos e os hititas. Foi usada até ao ano de 75 d.C. Durante mais de três mil anos, os símbolos cuneiformes sofreram alterações que reduziram o seu número, a sua forma (perderam a semelhança com a realidade que referiam) e uso (usados como expressão de uma ideia).
A escrita cuneiforme nasceu com uma finalidade económica, mas foi igualmente usada para narrar as façanhas dos soberanos, compilar vocabulários, assinar tratados políticos ou recolher textos científicos. O seu final está ligado ao destino da língua acadiana, a última civilização a usá-la. O retrocesso deveu-se à expansão da língua aramaica e o seu uso num novo sistema de escrita, o alfabeto, que se escrevia com tinta e necessitava de um suporte mais liso do que as tabuinhas.
Na Suméria, a escrita foi usada em textos religiosos como nesta placa votiva, dedicada a Xara, o deus protector da cidade de Umma. Século XXIV a.C.
O retrocesso do acadiano e da escrita cuneiforme iniciou-se na época persa (539-331 a.C.), quando o aramaico, transformado em língua oficial, se tornou a língua maioritária da população. O uso da velha língua acadiana (como sucederia muito depois ao latim) ficou limitado à elite sacerdotal dos principais templos e a escrita cuneiforme foi assimilada pelos eruditos das «ciências», especialmente na astrologia e astronomia. Depois, veio o silêncio. Um espesso manto de esquecimento sepultou a voz da Mesopotâmia até ao século XIX. Em 1835, a descoberta em Behistun (Irão) de uma inscrição cuneiforme do rei persa Dario I e três línguas (persa antigo, elamita e babilónico) permitiu decifrar a escrita cuneiforme e os antigos reis da Mesopotâmia voltaram à vida.
A evolução símbolos cuneiformes
A escrita foi fruto de uma série de inovações motivadas pelo engenho dos escribas. As primeiras tabuinhas eram registos de contabilidade e nelas aparecem pictogramas, ou seja, desenhos esquemáticos de objectos (como, por exemplo, espigas de cereais). Pouco a pouco, os símbolos foram simplificados e colocados em linhas horizontais, como nos livros actuais. A mudança essencial foi o desenvolvimento de um sistema de símbolos com valor fonético: símbolos que equivaliam a sons, o que permitiu expressar por escrito toda a língua falada.