As grutas Pré-Históricas da Cantábria espanhola e a sua arte parietal são verdadeiras caixas de surpresas e a fotografia já mostrou pontualmente que pode ser a chave mestra para as abrir. O árduo trabalho de documentação fotográfica que levei a cabo em Altamira, em colaboração com a minha mulher, a catedrática de Belas-Artes Matilde Múzquiz, para a criação de uma réplica fidedigna em tamanho real permitiu, entre outras gratas recompensas, a revelação pela primeira vez de gravuras e pinturas de figuras animais até então desconhecidas.
Perto de Altamira, no monte Castillo, nas imediações do município de Puente Viesgo, fica a gruta de Las Chimeneas, a última com pinturas do Paleolítico Superior descoberta até ao momento nesse monte. A sua descoberta em 1953 foi puramente acidental. Ao perfurar o terreno para abrir a estrada que deveria unir as grutas de El Castillo, La Pasiega e Las Monedas, revelou-se um orifício através do qual se descobriu a caverna até então oculta. Os próprios operários desceram por cordas através de uma chaminé natural e, depois de uma rápida exploração, descobriram uma galeria com excepcionais figuras de veados desenhadas a carvão.
Imediatamente depois da descoberta, Las Chimeneas foi encerrada com uma porta metálica e uma vedação e, a partir desse momento, apenas investigadores puderam entrar. Pouco depois, os especialistas em pré-história descobriram uma zona de gravuras, a maioria das quais toscas, muito primitivas, realizadas com os dedos ou com um instrumento útil mas rombo, como um pau ou um osso.
Vi a impressão pela primeira vez em 2001. Já fotografava a gruta há vários dias a pedido do Conselho de Cultura da Cantábria, no âmbito de um projecto de documentação visual de toda a arte paleolítica desta região. No último dia, quando recolhíamos o equipamento na zona das gravuras, quis o destino que, ao mover um dos flashes ainda ligados, este iluminasse fugazmente a impressão de uma ou mais mãos, repleta de impressões digitais, sobre o calcário suavizado pelo contacto contínuo com água.
As grutas de origem cársica são sistemas vivos, orgânicos, onde o frágil equilíbrio entre humidade e temperatura logrou conservar intacto este registo humano de um passado remoto. Ao debruçar-me atentamente sobre aquela impressão, comprovei que se tratava do final de um traço da gravura. Na realidade, havia uma impressão claramente diferenciada e pelo menos outras vinte impressões digitais identificáveis e por vezes sobrepostas. A quem pertenceram? A uma só pessoa? Ao mesmo artista que, há 20 a 18 mil anos, produziu as gravuras?
Se assim fosse, seria a primeira impressão digital paleolítica encontrada até à data. E tudo a leva a crer que assim seja, dado o isolamento absoluto em que permaneceu a gruta desde que ficou selada na pré-história até praticamente à actualidade. Noutros sítios arqueológicos, há traços sobre argila e paredes finas realizados, sem dúvida, pelos dedos de homens do Paleolítico, como o icónico bovino da sala II de Altamira, mas nunca se encontrara uma impressão digital ou palmar. “Poderão ser as mais antigas impressões digitais conhecidas até ao momento”, afirma com prudência o historiador Roberto Ontañon, director do conjunto de grutas pré-históricas cantábricas e professor da universidade local.
O paleoantropólogo Juan Luís Arsuaga, co-director das escavações arqueológicas do sítio de Atapuerca, comentou igualmente que “se trata de uma descoberta sem precedentes, uma corda através da qual podemos comunicar com os autores da arte das cavernas”.
A identidade destas impressões abriu uma nova linha de investigação, agora a cargo da… polícia científica. “Não é fácil identificar as cristas papilares de impressões tão antigas”, explica Jesús Cazorla, agente da Unidade de Investigação e Coordenação Judicial da Polícia Municipal de Madrid. “Mas, numa primeira avaliação, sugere-se que pertencem ao mesmo indivíduo, provavelmente destro [foram feitas com a mão direita], cujos altos-relevos epidérmicos são praticamente idênticos aos do humano actual.”
Já regressei a Las Chimeneas em várias ocasiões, a última das quais no passado mês de Setembro, altura em que realizei as fotografias que ilustram estas páginas. Sob a luz do flash e com o ângulo de inclinação adequado para realçar ao máximo o seu relevo, as impressões voltaram a tornar-se visíveis. Ali permanecem, como uma recordação da natureza intrinsecamente humana que impregna as gravuras e pinturas e inunda as profundezas da gruta. “Éramos iguais a vocês”, parecem repetir, como um eco que sobreviveu à passagem do tempo. Um eco que deixou marcas.