Durante o século XIX e o início do século XX, as relações sociais estavam submetidas a um protocolo severo que excluía aqueles que não o seguiam. O cumprimento das rígidas normas de cortesia e etiqueta, próprias dos meios burgueses e aristocráticos, era um sinal indiscutível de que se pertencia a uma determinada classe social. Um dos momentos principais na vida social da burguesia era visitar ou receber em casa. Mesmo nos casos em que se tratava de uma visita habitual, a cortesia indicava que deveria ser anunciada com antecipação. Isto criou um ritual de cartões-de-visita, um costume que já existia na antiga China e que se generalizou na Europa a partir do século XVIII. No início, eram cartolinas estampadas sobre as quais o titular escrevia o seu nome à mão. No século XIX, generalizaram-se os cartões impressos, simples e sem decorações e que geralmente incluíam apenas o nome do titular e, com frequência, a sua morada.
O código dos cartões-de-visita
Convertidos numa ferramenta imprescindível de etiqueta, os cartões-de-visita deveriam ser usados de acordo com um código conhecido por todos. Em determinadas circunstâncias, podia ser enviado por correio, mas o normal era ser entregue em mão. O visitante entregava-o ao criado que lhe abria a porta, ou melhor, colocava-o numa bandeja que o criado lhe apresentava.
Uma pequena dobra no canto superior direito do cartão significava que a pessoa o tinha entregue pessoalmente em vez de o ter enviado por um intermediário. Se o anfitrião estava em casa e podia receber o visitante, mandava-o entrar, mas habitualmente era preciso o anfitrião enviar outro cartão ao convidado como sinal de que era bem-vindo. Se este último não recebesse um cartão de volta, era sinal de que a sua presença não era bem-vinda. Em alguns lugares, isto era dado a entender, enviando o cartão dentro de um envelope.
A linguagem dos cartões-de-visita. Segundo um manual de boas maneiras de 1817, as pessoas de bom gosto deveriam usar cartões simples, com o nome “gravado em escrita cursiva sobre um fundo branco homogéneo e a morada em baixo em caracteres microscópicos”. A mensagem reduzia-se a uma dobra ou a iniciais.
Havia múltiplos motivos para se fazerem visitas. Podia tratar-se de um encontro de cortesia com um amigo próximo ou com uma pessoa face à qual existiam obrigações. Quando alguém se instalava numa nova cidade, dividia os seus cartões pelas pessoas que lhe tinham sido recomendadas previamente e fazia o mesmo para se despedir, ao abandonar a cidade. Também se deixavam cartões para transmitir felicitações por um anúncio de casamento ou um nascimento ou para expressar condolências. Por vezes, a finalidade da visita estava indicada no cartão através de iniciais, como uma visita para se despedir marcava-se com p.p.c., abreviatura do francês pour prendre congé, que também se usava em países não francófonos. Em algumas casas, marcavam-se horas e dias fixos da semana nos quais“se recebia”, como se dizia na linguagem da época, e alguns cartões-de-visita incluíam precisamente esta informação
Caricatura de uma visita social em Filadélfia. Meados do século XIX.
As famílias que tinham esse costume tinham de se coordenar para evitar sobreposição de visitas entre as pessoas de um mesmo círculo. Nestes casos, as visitas podiam ser feitas sem anúncio prévio, mas à saída deixava-se o cartão numa bandeja para que a anfitriã mantivesse um registo. Podia também tratar-se de um almoço ou um jantar, em cujo caso o convite deveria ser feito por escrito e a resposta não deveria demorar mais de vinte e quatro horas a chegar. No caso de não se poder comparecer, convinha aduzir uma razão de peso para não ofender o remetente.
Não demasiado cedo
Havia circunstâncias que podiam interromper o ciclo das visitas. De acordo com as normas de cortesia, quando morria um familiar, iniciava-se um período de luto, cuja duração variava em função do grau de parentesco do defunto, durante o qual ficavam suspensas as visitas e as saídas, excepto para se assistir à missa. Nestes casos, a pessoa de luto deveria usar cartões, papel e envelopes brancos com uma moldura negra. Quando o luto terminava e se regressava à vida social, enviavam-se cartões a amigos e conhecidos para avisar de que se podia voltar a receber e a fazer visitas. No dia da reunião, o convidado deveria chegar minutos antes da hora estipulada, mas nunca demasiado cedo. Se coincidiam vários convidados que não se conheciam entre si, era necessário proceder-se às apresentações. A pessoa de posição social mais baixa deveria ser sempre apresentada à de condição superior, o cavalheiro à dama e os solteiros aos casados.
Naturalmente, o beijo e o abraço estavam proibidos. Para se cumprimentarem entre si, os cavalheiros só deviam inclinar ligeiramente a cabeça. Frente às damas, deveriam inclinar-se para beijar (sem realmente o fazerem) a mão da senhora. O aperto de mão estava reservado ao âmbito dos negócios e só se generalizou em meados do século XX.
Sala de jantar burguesa do século XIX, preparada para um jantar formal. Museu do Romantismo, Madrid.
Uma vez reunidos os comensais na “sala de receber”, uma pequena divisão que precedia a sala de jantar, o anfitrião levava os convidados para a mesa. Para tal, formava-se uma pequena comitiva na qual os cavalheiros deveriam dar o braço às senhoras e acompanhá-las até encontrarem o seu lugar, sempre indicado com um cartão onde figurava o nome do convidado. Na sala de jantar, o anfitrião ficava à cabeceira da mesa e sentava à sua direita e à sua esquerda os convidados de maior importância ou mais velhos, a quem era dada também prioridade no momento de servir. Em geral, e sempre que possível, nas cadeiras deveriam estar alternados homens e mulheres. A etiqueta também obrigava a que os cavalheiros prestassem atenção à senhora sentada à sua direita. Obviamente não se podia começar a comer até que todos fossem servidos e o anfitrião ou a pessoa de maior importância começasse a degustar os manjares de uma mesa que por norma, estava bem fornecida. No anfitrião, recaía, além do mais, a responsabilidade de trinchar a carne ou as aves ou de encarregar da tarefa um criado preparado para o fazer. Além do mais, deveria assegurar-se que os brindes tinham um carácter geral e fossem bem recebidos por todos os convidados, evitando qualquer alusão política, religiosa ou ideológica que pudesse ferir susceptibilidades, evitando assim que a refeição se tornasse uma discussão.
Terminadas as sobremesas, o dono da casa levava os convidados masculinos para um salão contíguo onde se fumava, tomava café ou um copo de licor enquanto se conversava, se jogava às cartas ou ao bilhar, enquanto as convidadas se retiravam com a dona da casa para uma sala à parte.
Se a etiqueta do anfitrião era complicada, a do convidado não o era menos. Para começar, o convidado nunca deveria sair nos minutos seguintes a terminar a refeição. Deveria permanecer na residência pelo menos durante algumas horas. A saída deveria ser feita sempre de acordo com o estatuto social: o convidado mais importante seria o primeiro a sair, tal como deveria ter sido o último a chegar. A burguesia via-se a si mesma como a nova classe social dominante e nada melhor para o mostrar do que apropriar-se da etiqueta da antiga aristocracia.