Charles Stern, Robert Ellis e Don Jaeger verificam um mapa de 1957. À época, grande parte do trabalho era manual.
Fotografia Bates Littlehales, National Geographic Creative
A secção de cartografia da National Geographic Society, que este ano comemora o seu 100.º aniversário, tem cartografado a terra, os mares e os céus elaborando mapas fortemente informativos, inovadores e capazes de suscitar sonhos.
AS COORDENADAS DO GABINETE DO GEÓGRAFO DA NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY (NGS) SÃO 38°54’19” N, 77°2’16” O. Podemos afirmar que Juan José Valdés, o geógrafo principal da NGS, sabe exactamente onde se encontra, mas o âmbito da sua secção cartográfica, que este ano comemora o seu 100.º aniversário, abrange não só essas coordenadas, mas também as de cada montanha, rio, lago, estrada, recife, fiorde, ilha, enseada, glaciar, oceano, planeta, galáxia e sistema solar. Em resumo, tem acesso a todas as morfologias existentes em terra, no mar ou no espaço.
No momento em que escrevemos estas palavras (e a contagem fica rapidamente obsoleta), o departamento cartográfico já produziu 438 mapas-suplemento, dez atlas, dezenas de globos, cerca de três mil mapas inseridos em páginas da revista e muitos, muitos mais em formato digital.
O que diferencia um mapa da National Geographic? Por um lado, a precisão e a atenção ao pormenor. O mapa da Lua de 1969 identificava os locais de alunagem das 23 sondas espaciais não tripuladas que pousaram na superfície lunar. Só não referia a Orbiter 4, porque se desconhecia o local onde se despenhara.
No entanto, a marca distintiva desta revista, imposta por Gilbert H. Grosvenor, o primeiro director a tempo inteiro, é a inovação. O primeiro director de cartografia, Albert H. Bumstead, definiu este ritmo inventando uma bússola solar utilizada por Richard E. Byrd no seu voo de 1926 até ao Pólo Norte (as bússolas magnéticas não funcionam nas regiões polares).
Para garantir a legibilidade, o cartógrafo Charles E. Riddiford, que trabalhou no departamento entre 1923 e 1959, concebeu tipos de letras para mapas com formato elegante e legível, patenteados pela NGS e ainda hoje em uso.
Em 1957, a secção contribuiu para o programa espacial norte-americano, construindo um pequeno rastreador portátil de satélites. O inventor do dispositivo, Wellman Chamberlin (director do departamento entre 1964-1971) também concebeu o geómetro, um “chapéu pensador” de plástico que permitia medir as distâncias num globo.
À medida que o ritmo da descoberta do planeta acelerava, acelerou também o ritmo da cartografia. John B. Garver, director do departamento entre 1982 e 1991, supervisionou a instalação de um sistema informático tão volumoso que precisava de uma sala climatizada: foi ele que aperfeiçoou o rigor e racionalizou o processo de produção dos mapas. Mais tarde, em 1999, Allen Carroll, que dirigiu o departamento entre 1998 e 2010, lançou o National Geographic MapMachine, o primeiro atlas interactivo da NGS disponível na Internet.
No passado, um mapa demorava meses a produzir. Na era digital, alguns mapas colocados na página de Internet podem ser criados em escassas horas, mas o rigor continua a ser importante.
Como serão os próximos 100 anos? “A cartografia gerada por fontes múltiplas vai permitir que qualquer pessoa crie mapas com níveis muito específicos”, afirma Juan Valdés. “À medida que mais dispositivos vão sendo ligados à Internet, os utilizadores têm capacidade para localizar e cartografar mais objectos. Relógios e óculos inteligentes possibilitarão a captura de cada vez mais dados georreferenciados.” Como é evidente, acrescenta, “os cartógrafos da NGS continuarão a ser necessários para recolher e analisar esses dados”.
1992 O FIM DA URSS: A ascensão e queda dos impérios políticos, as disputas territoriais, a retracção das orlas costeiras e a emergência de um novo país independente podem repercutir-se no desenho e protocolos de um mapa. A dissolução da União Soviética em 1991 obrigou à alteração de 90% dos topónimos da Ucrânia.
1914 OS NOVOS ESTADOS BALCÂNICOS E A EUROPA CENTRAL: Em Agosto de 1914, a revista publicou um mapa da Europa e dos Balcãs, palcos da Primeira Grande Guerra. Gilbert H. Grosvenor, o director de então, pressentiu a eclosão do conflito e mandou imprimir os mapas, armazenando-os na cave e mantendo-os prontos a publicar. Segundo a informação fornecida aos leitores, o mapa destinava-se a “manter a prática seguida pela National Geographic Society de trazer aos seus membros (…) a mais autêntica informação disponível (…) sobre qualquer região do mundo onde os acontecimentos o justifiquem e nesse momento monopolizem a atenção do mundo civilizado”.
1944 ATAQUE À ALEMANHA: Os nossos mapas não se limitaram a narrar a história: alguns fizeram mesmo história. O general Dwight D. Eisenhower (à direita) levou o nosso mapa da Alemanha durante a ofensiva de 1945. “Sei que vai ter grande utilidade no meu gabinete”, escreveu, depois de o receber. Quando o B-17 que transportava o comandante da frota do Pacífico, almirante Chester W. Nimitz, se perdeu no meio de uma tempestade, o piloto aterrou em segurança recorrendo ao mapa do teatro de guerra do Pacífico elaborado pela NGS. O mapa, escreveu mais tarde Nimitz a Gilbert H. Grosvenor, “foi uma ajuda inesperada mas muito bem-vinda”. Fotografia B. Anthony Stewart, National Geographic Creative
1942 UM GUIA DOMÉSTICO DA GUERRA: “Peguem num mapa da Terra e abram-no diante de vós”, pediu o presidente Franklin Delano Roosevelt aos ouvintes da rádio no dia 23 de Fevereiro de 1942, cerca de três meses depois do ataque japonês contra Pearl Harbor. “Acompanhem-me nas referências que irei fazer às linhas de combate desta guerra à volta do mundo.” Segundo muitos historiadores, o mapa a que FDR se referiu seria o documento publicado na edição de Dezembro de 1941 da revista. Fotografia B. Anthony Stewart, National Geographic Creative
1969 A LUA: Este mapa da Lua de 1969 foi o primeiro a apresentar as duas faces da superfície lunar numa só folha — não apenas a superfície familiar que vemos à noite, mas também a face oculta. Como acontecia com todos os mapas elaborados pela secção, não se pouparam esforços para atingir a excelência. O artista cartográfico Tibor Toth, que delicadamente sombreou a superfície, cratera a cratera, deslocou-se ao observatório Lowell no estado do Arizona, para várias semanas de observação telescópica. Nas notas do mapa, contava-se o número de luas conhecidas no nosso sistema solar (32, à época), delineava-se o plano de aterragem da Apollo na Lua, eram explicados os eclipses e apresentavam-se diagramas das fases da Lua.
1968 FUNDO DO OCEANO ATLÂNTICO: Em 1968, mostrámos o leito oceânico fracturado por cadeias montanhosas. Baseado no trabalho dos geofísicos Bruce Heezen e Marie Tharp, este mapa explicava os conceitos da deriva continental e da tectónica de placas. Marie começou a cartografar as profundezas oceânicas em 1950, a partir de sondagens feitas por navios no Atlântico, mas não lhe foi permitido embarcar pessoalmente a bordo. Em 1978, recebeu a medalha Hubbard da NGS pela sua investigação pioneira.
1988 MONTE EVERESTE: O mapa da montanha mais alta do planeta, datado de Novembro de 1988, representou a segunda colaboração entre a National Geographic Society e o cartógrafo e montanhista Bradford Washburn, director do Museu da Ciência de Boston. Este projecto utilizou uma máquina fotográfica de alta resolução transportada pelo vaivém espacial Columbia e 160 fotografias aéreas sobrepostas obtidas por um Learjet a 12 mil metros de altitude. Só assim se cartografaram quase 100 mil hectares.
2002 ANTÁRCTIDA: NOVA ERA DE EXPLORAÇÕES: No início do século XX, Roald Amundsen, Ernest Shackleton e Robert Falcon Scott lançaram-se à conquista do Pólo Sul. “A meta moderna é o conhecimento”, proclamava-se no texto que acompanhava o mapa da Antárctida publicado como suplemento da edição de Fevereiro de 2002. Juntamente com o desenho da superfície, a espessura do manto de gelo e a velocidade do fluxo de gelo, o mapa indicava a localização das muitas estações meteorológicas e de investigação no continente gelado. A orla costeira representada baseava-se na Missão Cartográfica Antárctica do Radarsat, de 1997, mas, como observava o texto, “a Antárctida é o pesadelo de qualquer cartógrafo. Assim que se desenha o mapa, é provável que a realidade já se tenha alterado de forma significativa”.
2009 VENEZA: CIDADE EM DESAPARECIMENTO: Numa reportagem publicada em Setembro de 2009, prestava-se homenagem à beleza inconstante de Veneza. Os venezianos habituaram-se a molhar os pés, e os esforços para atenuar os efeitos da água a longo prazo fazem parte da vida na cidade. Este mapa cartografou os efeitos da acqua alta, as cheias regulares de Veneza, causadas pela cumplicidade entre a maré cheia e os alicerces que se afundam. As zonas situadas em terrenos mais baixos (a azul escuro) são inundadas com maior frequência. Os círculos desenhados no mapa assinalavam os edifícios mais provavelmente inundados, devido à sua localização e estrutura, quando a zona se encontra submersa. TextoVirginia W. Mason. Fontes Cidade de Veneza; Insula; Forma Urbis; Instituto Politécnico de Worcester, Centro de Projectos de Veneza