5 mulheres espias que ajudaram a ganhar uma guerra

Elas arriscaram a vida pela causa dos Aliados. Uma delas, a bailarina Josephine Baker, do lado da resistência francesa, chegou a transportar mensagens, escritas com tinta invisível, destinadas a agentes instalados em Lisboa do grupo Free French.

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“O povo de Paris deu-me tudo… Estou pronta para lhe dar a minha vida”, disse a bailarina Josephine Baker.
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“O povo de Paris deu-me tudo… Estou pronta para lhe dar a minha vida”, disse Josephine Baker,  a primeira mulher negra a ser depositada no panteão francês. Baker foi cantora, bailarina, actriz e espia. Esta imagem mostra-a num espectáculo no Folies Bergère em Paris, por volta de 1930.  

As vitórias alcançadas na Segunda Guerra Mundial não pertencem exclusivamente aos homens. Algumas mulheres corajosas trabalharam como espias e operacionais em agências de serviços secretos pelo mundo fora, arriscando a vida para obter informações classificadas que influenciaram o resultado da guerra.

 Tropas norte-americanas marcham nos Campos Elíseos, em Paris, em 1944, com o Arco do Triunfo como plano de fundo.
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Tropas norte-americanas marcham nos Campos Elíseos, em Paris, em 1944, com o Arco do Triunfo como plano de fundo.
 

Era um trabalho perigoso – havia ameaças reais caso fossem descobertas, incluindo tortura, detenção em campos de concentração e até a morte. No entanto, estas mulheres perseveraram, convencidas de que a vitória dos Aliados era a única opção. Conheça algumas das espias mais famosas da Segunda Guerra Mundial, que se entregaram de corpo e alma ao seu trabalho.

1. Josephine Baker

Na década de 1930, no auge da segregação racial nos EUA, a afro-americana Josephine Baker ascendeu ao estrelato em Paris como cantora, bailarina e artista. Baker esvoaçava entre círculos sociais, um facto que chamou a atenção do Capitão Jacques Abtey, funcionário dos serviços secretos franceses. Em 1939, dois anos depois de Baker obter a cidadania francesa e com a guerra a aproximar-se, ele abordou-a, pedindo-lhe para obter informações secretas para os franceses. Apesar do perigo, ela aceitou imediatamente. “França transformou-me naquilo que sou”, disse. “O povo de Paris deu-me tudo… Estou pronta para lhe dar a minha vida”.

O cabaré Folies Bergère, em Paris, homenageia a bailarina e cantora afro-americana na sua fachada.
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O cabaré Folies Bergère, em Paris, homenageia a bailarina e cantora afro-americana na sua fachada.

Baker frequentava festas diplomáticas nas embaixadas de Itália e de França, escutando as conversas de pessoas que poderiam ser agentes do Eixo ou traidores franceses. Quando as tropas alemãs ocuparam Paris em 1940, ela fugiu para a zona de Vichy, no sul de França, onde, sob o disfarce dos seus espectáculos, continuou a trabalhar secretamente para a Resistência com Abtey. No início de 1941, mudaram-se para a região francesa do norte de África, a partir de onde ela transportou clandestinamente documentos, incluindo fotografias, escondidos sob a roupa, e mensagens, escritas com tinta invisível em partituras de música, destinadas a agentes instalados em Lisboa do grupo de resistência Free French, liderado pelo general Charles de Gaulle. Os franceses homenagearam Baker em vida, pelos serviços prestados durante a guerra, atribuindo-lhe a Legião de Honra e a Croix de Guerre. Em Novembro de 2021, tornou-se a primeira mulher negra a ser depositada no panteão francês.

2. Noor Inayat Khan

Sincera e afável, descendente de famílias reais indianas que seguiam o princípio da não-violência, Noor Inayat Khan foi uma famosa música e autora de histórias infantis, criada entre Inglaterra e França. Fugiu à invasão alemã de França em 1940 e instalou-se com a sua mãe em Londres, onde se formou como operadora de rádio. As suas capacidades técnicas e fluência em francês chamaram a atenção de Vera Atkins, que supervisionava as agentes femininas da Secção F — a secção francesa do Special Operations Executive (SOE) da Grã-Bretanha, criada pelo primeiro-ministro Winston Churchill para se infiltrar em territórios ocupados pelos alemães e “pegar fogo à Europa”.
Atkins enviou Khan para França, onde ela foi escapando à prisão deslocando-se rapidamente de um esconderijo para outro. Em Setembro de 1943, Khan era a última operacional da SOE que ainda enviava mensagens de Paris para Londres. Khan acabou por ser traída por alguém que tinha conhecimento do seu trabalho como operacional. Detida em Outubro, foi brutalmente interrogada e tentou fugir. O seu sofrimento terminou no campo de concentração de Dachau, onde foi executada em Setembro de 1944. Quando o carrasco lhe encostou a arma à nuca, a sua última palavra foi, alegadamente, “liberté” [liberdade]. 

Noor Inayat Khan, agente do Special Operations Executive (SOE) durante a Segunda Guerra Mundial, foi executada num campo de concentração.
IMPERIAL WAR MUSEUM

Noor Inayat Khan, agente do Special Operations Executive (SOE) durante a Segunda Guerra Mundial, foi executada num campo de concentração em Dachau, na Alemanha, em Setembro de 1944. Diz-se que a sua última palavra foi “liberté”.
 

3. Josefina Guerrero

Imediatamente antes de o Japão ocupar as Filipinas, em 1942, Josefina Guerrero contraiu doença de Hansen (também conhecida como lepra). O marido deixou-a imediatamente e ela perdeu o contacto com a sua filha pequena. À medida que os medicamentos se tornavam escassos e a doença de Guerrero piorava, ela decidiu arriscar tudo e tornar-se espia da resistência filipina. Os japoneses, conhecidos por efectuarem revistas corporais integrais, não a revistavam quando ela passava nos pontos de verificação devido à sua doença, o que lhe permitiu transmitir mensagens secretas, movimentos das tropas inimigas e entregar provisões essenciais e até armas à resistência e aos soldados. Guerrero também cartografou fortificações japonesas e locais com armas posicionadas – mapas que foram utilizados pelos norte-americanos para destruir as defesas japonesas no porto de Manila, a 21 de Setembro de 1944, um momento imperativo para a recuperação da capital. Depois disso, transportou um outro mapa colado às costas e caminhou mais de 40 quilómetros até localizar soldados americanos, guiando-os através de campos de minas no seu trajecto para libertar Manila.
Depois da guerra, Guerrero foi confinada num leprosário. Ela expôs as condições horrendas do local numa carta enviada a um amigo norte-americano. Graças a esse relato, em 1948 o governo empreendeu esforços para melhorar as condições no leprosário. Por fim, Guerrero foi recebida nos EUA, onde se submeteu a um novo tratamento. Foi a primeira estrangeira com doença de Hansen a receber um visto para os EUA. O seu trabalho contribuiu consideravelmente para destigmatizar a lepra.


4. Agnes Meyer Driscoll

Os anais da criptologia contêm poucas referências a uma das melhores criptoanalistas do mundo. Agnes Meyer Driscoll, licenciada pela Ohio State University, onde estudou matemática, música, física e línguas estrangeiras, alistou-se na Marinha dos EUA em 1918, durante a Primeira Guerra Mundial, como yeoman principal, a mais alta patente possível para uma mulher do seu tempo. Continuou a trabalhar com a Marinha após a guerra, ajudando a desenvolver códigos, cifras e sinais operacionais. Quando a Segunda Guerra Mundial se aproximava, Driscoll decifrou o código de alto nível JN-25, utilizado nos comunicados navais japoneses mais secretos. Embora esse feito ainda não fosse plenamente aproveitável aquando do ataque japonês a Pearl Harbor em Dezembro de 1941, foi utilizado posteriormente para fornecer avisos antecipados sobre futuros ataques japoneses, incluindo o perpetrado contra Midway Island em Junho de 1942. Conhecida como “Miss Aggie” e “Madame X”, Driscoll continuou a ser uma das principais criptoanalistas da Marinha dos EUA até 1949. Depois dessa data, trabalhou em várias agências de criptologia nacionais, antes de se reformar em 1959. Em 2000, o nome de Driscoll foi incluído no Hall of Honor da Agência de Segurança Nacional.

Agnes Meyer Driscoll foi uma criptoanalista norte-americana que desempenhou um papel fundamental em ambas as guerras mundiais.
SCIENCE HISTORY IMAGES / ALAMY STOCK PHOTO

Agnes Meyer Driscoll foi uma criptoanalista norte-americana que desempenhou um papel fundamental em ambas as guerras mundiais. Colaborou no desenvolvimento de uma das máquinas de codificação da Marinha dos E.U.A. – a Communications Machine — que se tornou um dispositivo standard de codificação da Marinha durante grande parte da década de 1920.
 

5. Andrée de Jongh

Conhecida pela alcunha de Carteiro, Andrée “Dédée” de Jongh liderou a Rede Cometa (Le Réseau Comète), uma rede secreta na Bélgica e na França ocupadas que organizava o transporte de soldados e pilotos Aliados alvejados em território inimigo até locais seguros. Jongh e a sua rede davam-lhes roupas civis e documentos de identificação falsos e conduziam-nos a uma série de casas seguras até atravessarem a fronteira franco-espanhola nos Pirenéus. Uma vez ali chegados, os funcionários do consulado britânico assumiam as operações e evacuavam-nos através de Gibraltar. A Rede Cometa salvou um total de 800 elementos das forças Aliadas e Jongh liderou pessoalmente dezenas de viagens a pé. Um piloto britânico que ela ajudou descreveu-a como uma “jovem frágil que aparenta ter 20 anos, muito bonita, simpática, amável, alegre e simples”.
Os nazis acabaram por capturá-la, enviando-a para vários campos de concentração, incluindo o infame Ravensbrück. Embora tenha sido interrogada 21 vezes, recusou-se a revelar os nomes dos líderes da resistência ou a trair algum dos seus camaradas, incluindo o seu pai, que também era suspeito. O pai de Jongh foi executado, mas ela sobreviveu por que os nazis subestimaram a importância desta mulher jovem e discreta.

Dédée de Jongh organizou a Rede Cometa com familiares e ajudou pilotos Aliados abatidos na Bélgica a escaparem de territórios ocupados pelos alemães.
IMPERIAL WAR MUSEUM

Dédée de Jongh organizou a Rede Cometa com familiares e ajudou pilotos Aliados abatidos na Bélgica a escaparem de territórios ocupados pelos alemães.