Não se sabe com exactidão quando começaram os primeiros contactos para unir as três escolas de Bolonha (a de artes liberais, a de medicina e a de jurisprudência), mas existem documentos que atestam que, no início do século XIII, os professores organizaram-se num collegium ou grémio, e que, ao mesmo tempo, mais de um milhar de estudantes se encontrava associado em dois grupos: a universitas citramontanorum (união de estudantes a sul dos Alpes) e a universitas ultramontanorum (a união para norte dos Alpes).
Entre estes estudantes, existiam algumas mulheres. Estes grémios uniram-se entre si para conseguirem protecção mútua e dotaram-se de um governo próprio, com o qual chegaram a exercer um extraordinário poder sobre o quadro de professores. Assim, em certas ocasiões, promoviam boicotes a um professor pouco popular, o que terminava normalmente com a
sua carreira pedagógica.
Em muitos casos, os salários eram pagos pelas universidades, e os estudantes e professores estavam obrigados a jurar obediência aos reitores – os directores dos grémios estudantis. Segundo os regulamentos da época, um professor que quisesse ausentar-se, ainda que fosse só por um dia, via-se obrigado a obter permissão dos seus alunos através dos reitores, e estava expressamente proibido de ter férias ao seu gosto.
Os professores de Bolonha
Pouco a pouco, e à medida que a sua fama crescia, a Universidade de Bolonha consolidou um espírito secular, e inclusivamente anticlerical, que dificilmente podia ser encontrado noutros centros de ensino europeus. A Itália criaria uma rede de universidades à sombra de Bolonha graças à emigração de professores e estudantes. Desta forma, em 1182, partiu de Bolonha o professor Pílio para estabelecer uma escola em Modena; em 1188, Jacopo de Mandra fez o mesmo em Reggio Emilia.
Da mesma forma, foram criadas universidades em Vicenza em 1204, em Arezzo em 1215 e em Pádua em 1222, ainda que na realidade não fosse mais do que uma simples ampliação de um programa
já existente. À escola de direito de Pádua agregaram-se as faculdades de
artes e de medicina (na actualidade, esta última ainda conserva a mais antiga sala de autópsias da Europa, que data do século XVI). A vizinha Veneza enviava para ali os seus estudantes e contribuía com o pagamento dos salários aos professores.
Em 1224, o imperador Frederico II fundou a Universidade de Nápoles, procurando que os estudantes do Sul de Itália não sentissem necessidade de sair do regnum para fazer os seus estudos. É considerada a universidade laica mais antiga do mundo.
A Universidade de Paris
A evolução em França teve outras características. A escola catedrática de Nôtre-Dame, localizada em Paris, obteve uma reputação transnacional graças à presença de distintos professores como Guilherme de Champeaux e, sobretudo, de Pedro Abelardo. Foi neste ambiente que surgiu a figura do magister, o mestre, um homem que obtivera do chanceler da Catedral de Nôtre-
-Dame licença para ensinar. A Universidade de Paris surgiu desta fonte única de concessão de licenças pedagógicas. Normalmente, a licença era concedida gratuitamente a qualquer um que, durante um período adequado, tivesse sido aluno de um mestre autorizado e cuja petição fosse aprovada por este. Uma das acusações contra Abelardo foi a de se ter estabelecido como mestre sem cumprir a aprendizagem regular.
Esta concepção de ensino de artes nos termos de professor e aprendiz
fazia parte da própria origem da universidade. Para este fim, foram constituídos grémios e, para mostrar a sua identidade, empregou-se a palavra universitas. Assim nasceu a Universidade de Paris, a mais célebre de toda a Idade Média. Em 1240, o cronista Matthew Paris descrevia a existência de uma “associação de professores eleitos” parisienses como uma instituição existente há muito tempo. Alguns autores defendem que a universidade se formou em 1170, como um grémio de professores, antes de se transformar numa união de faculdades. Perto do ano 1210, uma bula de Inocêncio III, que se graduara em Paris, reconheceu e aprovou os estatutos desse grémio de professores. Outra bula do mesmo papa autorizou o grémio a eleger um procurador que os representasse na corte pontifícia.
Professores e alunos
Nos anos seguintes organizaram-se as faculdades, que, na prática, foram quatro: Teologia, Direito Canónico, Medicina e Artes. Os estudantes de artes eram chamados artistae e eram o grupo mais numeroso. Entre eles destacaram--se os que se denominaram a si mesmo por “goliardos”, que praticavam a poesia satírica e gozavam com as autoridades, enquanto se divertiam nas tabernas próximas do Sena.
No início, as aulas tinham lugar nos claustros de Nôtre-Dame, Sainte Geneviève e Saint-Victor, embora existam registos de alguns professores que alugavam salas em edifícios civis. Os mestres, posteriormente designados como “professores”, eram clérigos ricos que, antes do século XV, perdiam o seu posto ao casarem. Ensinavam mediante dissertações, pois nem todos os estudantes tinham capacidade para comprar os textos que deveriam estudar nem obtinham exemplares das bibliotecas. Os estudantes sentavam-se no chão e tomavam muitas notas. A informação que estavam forçados a memorizar era tão volumosa que muitos idealizavam métodos mnemónicos – os chamados castelos da memória.
As regras universitárias proibiam o professor de ler a sua dissertação; este tinha de falar de improviso e até estava proibido de pronunciar as palavras lentamente. Os novos estudantes só eram verdadeiramente admitidos após frequentarem pelo menos três aulas. A maior parte dos estudantes vivia em hospicia, ou hospedarias, alugadas por grupos de estudantes organizados, um movimento que agilizou sobremaneira a dinâmica comercial das cidades. Os que não tinham muitos recursos podiam obtê-los das instituições monásticas, das igrejas ou simplesmente de filantropos particulares que davam essas bolsas (em latim, bursae). A fama da universidade parisiense aumentou com o renome dos seus professores, já que ensinaram aí os pensadores mais ilustres dos séculos XII e XIII: Pedro Abelardo, John de Salisbury, Alberto Magno, Siger de Brabante, Tomás de Aquino, Buenaventura de Fidanza, Roger Bacon, Duns Scoto… Esta lista, na prática, resume a história da filosofia nestes séculos.
Montpellier, Orleães, Angers
Outras universidades contribuíram para conceder a França a direcção cultural do pensamento europeu. Orleães, por exemplo, competiu durante anos com Chartres; e embora menos famosa, a Faculdade de Direito de Angers foi muito influente e, com o tempo, tornar-se-ia uma das principais universidades francesas.
Toulouse deveu a sua universidade à luta doutrinal contra as heresias dos cátaros praticadas no seu solo, mas a universidade francesa de maior renome fora de Paris foi seguramente a de Montpellier. Localizada a meio caminho entre Marselha e Barcelona, capital da coroa de Aragão, a cidade beneficiava de uma forte miscigenação cultural (francesa, grega, catalã, aragonesa, judaica e genovesa). O comércio era muito activo e, talvez por influência de Salerno, tenha desenvolvido uma
importante Faculdade de Medicina, cujos professores e cirurgiões deram grande fama à universidade.
As faculdades inglesas
Em Inglaterra o ensino de direito civil não se fez nas universidades, mas sim nos Inns of Courts ou faculdades de advogados, abundantes em Londres.
O verdadeiro ensino universitário desenvolveu-se num vau do Tamisa, depressa conhecido como Oxford, onde em meados do século XII chegou um teólogo de Paris, Robert Pullen, com a intenção de se estabelecer ali para dar aulas de teologia. Em pouco tempo, juntaram-se no local outros professores e muitos alunos e foi criado um studium generale, o momento decisivo para a criação da Universidade de Oxford.
Um documento de 1209 regista que existiam ali quase três mil estudantes e professores. Nessa altura, estabeleceram--se quatro faculdades: Artes, Teologia, Medicina e Direito Canónico. Ao longo do século XIII, construíram-se residências para estudantes e professores e, mais tarde, salas para ensino. Em 1260, John de Balliol, pai do futuro rei da Escócia, como penitência por um delito, estabeleceu em Oxford uma “casa de Balliol” destinada, mediante a concessão de um pagamento semanal, a estudantes sem recursos.
Três anos depois, Walter de Merton fundou e adjudicou a “casa dos estudantes de Merton”. Em pouco tempo, as faculdades inglesas enriqueceram, não só pelas concessões, mas também pelos donativos e pelo aumento do valor das propriedades que lhes tinham sido adjudi-
cadas. Os professores elegeram um dos seus elementos para dirigir a residência como senior fellow.
No século XIII, a Universidade de Oxford tornou-se o resultado da associação destas faculdades sob uma “universidade” ou grémio de professores, governado por regentes e um chanceler da sua própria eleição, embora sujeito à autoridade do bispo de Lincoln e do rei. O mais famoso graduado desse tempo foi Roger Bacon. Também se reuniu ali um grupo de monges franciscanos interessados no estudo: Adam Marsh, Thomas de York ou John Peckham, todos eles sob a direcção do sumamente preparado Roberto Grosseteste, a figura mais brilhante de Oxford do século XIII. Grosseteste estudou ali leis, medicina e ciências naturais, e foi eleito “mestre das escolas de Oxford”, a designação primitiva do título de chanceler.
Segundo nos conta Mathew Paris, em 1209 cerca de três mil alunos e professores abandonaram Oxford em sinal de protesto pelo linchamento de três estudantes acusados de um homicídio. Refugiaram-se na localidade de Cambridge, à espera da chegada de um contingente de estudantes e professores de Paris, a qual teve lugar em 1229. Em 1281, o bispo de Ely organizou o primeiro colégio secular em Cambridge, a Faculdade de São Pedro, hoje Peterhouse.
Coimbra
Portugal acompanhou este intenso movimento europeu e, no final do século XIII, instalou-se a mais antiga universidade portuguesa. No dia 1 de Março de 1290, Dom Dinis promulgou o documento Scientiae thesaurus mirabilis, criando a universidade que viria a ser confirmada no Verão pelo papa Nicolau IV. Era o corolário de um processo iniciado dois anos antes por um conjunto de clérigos portugueses, impressionados com a pujança da universidade francesa e interessados em replicar em território português o modelo de ensino.
A coroa e a igreja acordaram no processo de financiamento e em breve entra em funcionamento uma unidade de ensino no Campo da Pedreira em Lisboa, próxima do que é hoje a Rua Garrett. A Universidade seria transferida para Coimbra quase duas décadas depois, em 1308. Regressaria a Lisboa trinta anos depois e ali ficou até 1357. Fruto da insistência religiosa, regressaria a Coimbra, onde se instalou praticamente até à eclosão da crise dinástica do último quartel. Em 1377, voltaria para Lisboa e só regressaria a Coimbra no século XVI, em 1537, por ordem de Dom João III.
A escolástica
A tarefa docente nas universidades foi cada vez mais uniforme. Procurou-se um modelo pedagógico unificado para toda a Europa, de matriz latina. A proposta chegou da Universidade de Paris, que era a mais avançada e também a que contava com professores de maior renome. O método de ensino deu lugar a uma teoria filosófica que se conhece como “escolástica”. O processo foi o seguinte: habitualmente, a discussão seguia um conjunto de regras, a scholastia disputatio. Colocava-se uma questão, à qual era dada uma resposta negativa, com apoio em citações da Sagrada Escritura e raciocínios em forma de objecções; seguia-se uma resposta afirmativa, defendida com citações bíblicas e patrióticas e respostas fundamentadas às objecções. Ao mesmo tempo, colocava-se em prática a formula do quodlibet, “o que lhe aprouver”, na qual os arguentes podiam ficar com qualquer tema por questão.
A escolástica transformou-se de um método numa teoria filosófica. O percurso também foi iniciado em Paris e esteve repleto de dificuldades. Em primeiro lugar, existia a questão de avaliar se a teologia deveria responder aos mesmos argumentos que a filosofia, embora se considerasse a sua introdução, a sua serventia, a sua ancille theologiae, como afirmaram alguns professores. Guilherme de Auvergne, que ensinou em Paris no início do século XIII
opôs-se às novas ideias, já que lhe provocavam um profundo desassossego na sua militância agostiniana. Não podia combinar fé e razão, e decidiu abandonar este caminho. No entanto, alguns franciscanos, como Alexandre de Hales, viram na escolástica a possibilidade de defender o cristianismo em termos filosóficos e aristotélicos.
A grande maioria dos estabelecimentos de ensino viria a apostar no legado de Platão – as obras místicas de São Bernardo de Claraval – em vez da linha de argumentação que parecia unir a filosofia e a teologia na busca da verdade revelada.
Esta atitude platónica-agostiniana do exercício escolástico dominou a teologia na primeira metade do século XIII. O seu mais hábil expoente foi Boaventura, nascido Giovanni di Fidanza, na Toscana, em 1221 que, ao entrar na Ordem Franciscana, adoptou o nome que o tornou célebre. Teve excelentes discípulos, como John Peckham, que transferiu as suas ideias para o ensino em Oxford, mas encontrou sólidos opositores provenientes de outra ordem mendicante, a dos dominicanos.
O combate à Universidade de Paris começou com Alberto Magno, o “doutor universal”, professor de teologia em Paris entre 1245 e 1248, e o principal instigador de uma linha ortodoxa para a recuperação de Aristóteles.
O legado aristotélico
Alberto de Colónia amava o saber e admirava Aristóteles; foi o primeiro dos escolásticos a examinar todas as principais obras do filósofo e a encarregar-se da sua interpretação em termos cristãos. Apesar da sua vida agitada, foi um prolífero escritor, cuja obra completa ocupa mais de trinta volumes modernos. No decurso da história, encontram-se poucos homens que tenham escrito tanto. Alberto Magno baseou as suas obras quase título por título em Aristóteles: fez uso dos comentários de Averróis, mas distanciou-se deles quando diferiam da teologia cristã. Usou a obra de pensadores muçulmanos até ao ponto em que os seus escritos se tornaram uma fonte importante para o actual conhecimento da filosofia arábica da Idade Média. Alberto citava amiúde Avicena e, de vez em quando, o Guia dos perplexos de Maimónides. Melhorou tanto a escolástica que permitiu o aparecimento de uma figura exemplar que, sem ele, nunca teria sido possível: Tomás de Aquino.
São Tomás de Aquino
Tomás nasceu em 1225 no castelo familiar de Roccasecca, a meio caminho entre Nápoles e Roma. Era filho do conde Landulfo de Aquino, pertencente à nobreza alemã e uma das principais figuras da corte do imperador Frederico II. A sua mãe descendia dos Hautevilles, a família real siciliana.
Os primeiros estudos do jovem prodígio foram conduzidos no Mosteiro de Monte Cassino, próximo do lar familiar, embora a parte mais importante da sua formação se tenha desenvolvido na Universidade de Nápoles, onde encontrou um ambiente de tradutores das obras de Averróis para latim. O seu primeiro professor, Pedro de Irlanda, colocou-o em contacto com as obras aristotélicas.
Tomás destacou-se pela sua inteligência e, por esse motivo, o seu professor propôs enviá-lo para Paris para que pudesse estudar perto de Alberto Magno. A sua capacidade conduziu a escolástica ao expoente máximo de desenvolvimento, tanto como professor em Paris como desde 1259 nos seus ensinos no stadium mantido na corte pontifícia, em Agnani, em Orvieto ou em Viterbo.
A escolástica alcançou nestes anos o ponto de viragem devido ao êxito de alguns professores de Paris que difundiram um Aristóteles sem os véus eclesiásticos. Destes, o principal foi Siger de Brabante, líder da corrente conhecida como averroísmo latino. O êxito entre os estudantes obrigou a Igreja a contra-atacar. O único que o podia fazer era Tomás de Aquino e essa foi a sua missão. Chegou a Paris pela segunda vez em 1270 brandindo um ensaio contra os averroístas, e em particular contra Siger de Brabante. Produziu-se nessa altura um importante debate, no qual Tomás de Aquino teve de fazer frente às críticas do franciscano John Peckham, aluno de Boaventura.
Foram três anos de duras controvérsias que minaram a sua saúde, sem que se possa atribuir claramente a vitória a uma das facções. Em 1272, Tomás regressou a Itália a pedido do rei Carlos de Anjou com o propósito de reorganizar a Universidade de Nápoles.
Nos últimos anos da sua vida, São Tomás de Aquino deixou de escrever, fosse por cansaço ou por desilusão da dialéctica e da argumentação. Morreu em 1274 enquanto lhe chegavam as notícias da intensificação dos debates do averroísmo latino e da intromissão do bispo Tempier nos trabalhos de Siger de Brabante.