Editorial

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Reza a história que, ao abandonar Florença para se mudar para Roma, Miguel Ângelo dirigiu um último olhar para a Cupolone, o nome que os florentinos dão à cúpula da catedral de Santa Maria del Fiore. Referindo-se ao seu próximo projecto na Basílica de São Pedro do Vaticano, o artista terá comentado: “Construirei outra cúpula que será sua irmã; será maior, sim, mas não será mais bela.” Miguel Ângelo expressava desta forma a sua admiração por outro génio renascentista, Filippo Brunelleschi, que um século antes tinha recebido a tarefa de coroar a catedral gótica inacabada. A grandeza da cúpula de Brunelleschi reside não apenas no tamanho (a maior até então), mas também na demonstração da inteligência e coragem necessárias para resolver os problemas técnicos que surgiram durante a sua execução. Antes mesmo do início da construção, o projecto foi debatido naquela cidade vibrante onde a criatividade e o talento artístico brotavam por todo o lado, estimulados pela prosperidade económica e por uma nova concepção do mundo.

Actualmente, a catedral continua a ser um desafio para os peritos.
A partir de achados recentes (como a descoberta de uma pequena cúpula enterrada perto do Duomo, talvez um modelo em pequena escala idealizado e utilizado por Brunelleschi), os historiadores tentam descobrir todos os passos que permitiram construir com êxito esta jóia da arquitectura. As teorias acumulam-se e contrapõem-se em torno da obra de uma mente genial que deixou escassa documentação escrita.

Isto é o que sucede às obras-primas: transcendem o lugar e a época que as viu nascer e escapam às sucessivas interpretações ao longo da história, revestindo-se de um efeito duradouro. São obras abertas que nunca nos cansamos de admirar. Estranhamente familiares e indescritíveis, seduzem-nos e escondem ao mesmo tempo a sua natureza intrínseca.