Se um humano ingerisse dezenas de milhares de calorias por dia, ficasse com excesso de peso e mal se movesse durante meses, os resultados para a sua saúde seriam catastróficos. Os cientistas interrogavam-se há muito tempo porque é que este mesmo comportamento não fazia com que os ursos-pardos sofressem de diabetes – até agora.

Ao alimentar ursos em hibernação com água-mel, investigadores da Universidade de Washington descobriram pistas genéticas sobre a forma como estes animais conseguem controlar a insulina. Os resultados desta investigação – publicados na revista iScience – podem levar a melhores tratamentos da diabetes nos humanos.

A insulina é uma hormona encontrada na maioria dos mamíferos que regula os níveis de açúcar no sangue, sinalizando ao fígado, músculos e células gordurosas para absorver o açúcar no sangue, que é uma fonte de energia. Mas se demasiado açúcar no sangue entrar na corrente sanguínea, as células param eventualmente de responder e ficam resistentes à insulina. Esta é uma das principais causas da diabetes tipo 2, uma doença que pode levar a ataques cardíacos, acidentes vasculares cerebrais e cegueira. Cerca de 1 em cada 10 americanos, ou cerca de 37 milhões de pessoas, sofrem de diabetes tipo 2. No entanto, ao contrário dos humanos, os ursos conseguem controlar misteriosamente a sua resistência à insulina – quase como se tivessem um interruptor.

Para descobrir como é que isto acontece, os investigadores recolheram soro sanguíneo de seis ursos-pardos em cativeiro – com idades entre os 5 e os 13 anos – no Centro de Ursos da Universidade de Washington, um centro de pesquisa em Pullman, Washington. E também recolheram tecido adiposo dos ursos que foi usado para cultivar culturas de células em laboratório. “Isto permite-nos testar coisas que não poderíamos fazer num urso adulto”, diz Blair Perry, coautor do estudo e investigador de pós-doutoramento na Universidade de Washington.

Esta experiência ajudou a equipa a descobrir o segredo dos ursos para controlar a insulina: oito proteínas-chave que parecem ter um papel único na biologia dos ursos, e que trabalham de forma independente ou em conjunto para regular a insulina durante o período de hibernação.

Dado que os humanos partilham a maioria dos seus genes com os ursos, compreender o papel destas oito proteínas pode dar aos cientistas mais informações sobre a resistência humana à insulina, diz Blair Perry.

Épocas dos ursos

Os ursos-pardos – encontrados em partes do oeste dos EUA, Canadá e Alasca – passam por três estágios por ano: activo, hiperfagia e hibernação. Na Primavera e no Verão, estes mamíferos enormes passam o tempo a forragear, a acasalar e a cuidar das suas crias. Depois, no Outono, os ursos passam para o estágio da hiperfagia, “quando praticamente toda a sua energia é dedicada a comer o máximo possível”, diz Blair Perry.

Durante este período, os ursos consomem até 20.000 calorias diariamente e engordam perto de quatro quilos por dia, para se prepararem para o Inverno.

No início do Inverno, quando os ursos começam a hibernar, dependem dos seus depósitos de gordura para os sustentar durante os meses mais frios. A hibernação é “mais do que um simples sono profundo”, diz Blair Perry. “Há diversas alterações fisiológicas que permitem aos ursos sobreviver aos longos Invernos sem comida.” A sua taxa metabólica, frequência cardíaca e temperatura corporal diminuem e os ursos ficam resistentes à insulina.

Os ursos em hibernação passam por períodos em que estão despertos, durante os quais se movimentam, mas não comem. Quando os ursos no estudo despertaram, a equipa alimentou-os com água-mel – uma das suas iguarias preferidas – durante duas semanas, e depois os investigadores recolheram sangue dos animais. A equipa já tinha recolhido amostras de sangue dos mesmos ursos durante a Primavera e o Verão.

Ursos e diabetes

Ursos-pardos forrageiam no Centro de Ursos da Universidade de Washington, em Pullman, Washington. Esta instalação de pesquisa é a única do seu género nos EUA. Fotografia de Robert Hubner, Washington State University.

No laboratório, os investigadores combinaram vários soros sanguíneos com culturas de células de vários tipos – misturaram, por exemplo, uma cultura de células de tecido adiposo retirado de ursos em hibernação com o soro sanguíneo retirado de ursos activos. Isto permitiu à equipa ver as mudanças genéticas no interior das células.

Entre todas as combinações estudadas, o soro retirado dos ursos em hibernação alimentados com mel foi o que mais ajudou a determinar as oito proteínas-chave envolvidas na regulação da sensibilidade e resistência à insulina.

Para Mike Sawaya, biólogo especializado em ursos na Sinopah Wildlife Research Associates, que não esteve envolvido no estudo, “a grande lição deste estudo fascinante é a quantidade de implicações que a hibernação dos ursos pode ter na saúde humana”.

“Identificar estas oito proteínas é um passo importante”, diz Mike Sawaya, “assim como identificar exactamente o que está a ser activado e desactivado quando os ursos mudam a sua resistência à insulina”.

Um passo mais perto da prevenção da diabetes?

Apesar de a resistência à insulina e as suas consequências serem bem compreendidas, ainda há muito para aprender sobre a sua genética. Estudar a forma como um urso activa e desactiva a resistência à insulina todos os anos dá aos cientistas uma “oportunidade única” para compreender melhor este fator, acrescenta Blair Perry.

Por exemplo, descobrir uma forma de manipular estas oito proteínas nas pessoas pode em teoria “reverter a resistência à insulina nos humanos”, diz Blair Perry. “Estes tipos de medicamentos ou intervenções ainda estão muito distantes, mas estamos cada vez mais perto.”

Mike Sawaya concorda que “esta é definitivamente mais uma peça do puzzle” e espera que, ao desvendarmos os mistérios da fisiologia dos ursos, consigamos chegar à prevenção da diabetes.

Em estudos futuros, a equipa da Universidade de Washington espera investigar exactamente de que forma estas proteínas específicas desligam a resistência à insulina nos ursos.

Mais Sobre...
Grandes Reportagens