Pegue no seu binóculo: a última vez que este cometa recentemente descoberto esteve assim tão perto do Sol, o homem de Neandertal e os mamutes ainda deambulavam pelo planeta.

Por estes dias, um visitante proveniente dos gélidos confins do sistema solar, chegará até 42 milhões de quilómetros da Terra, uma bola de gelo e poeiras que iluminará o nosso céu com a sua cauda verde esmeralda.

Nos últimos meses o recém-descoberto cometa C/2022 E3 (ZTF) tem deslumbrado curiosos e astrofotógrafos com o entusiasmo a crescer nas últimas semanas. Na noite de 1 de Fevereiro o cometa esteve o mais próximo da Terra nos últimos 50.000 anos – proporcionando um vislumbre de uma das peças chave do cosmos.

De onde veio este cometa e como pode observá-lo? Nós temos a resposta.

De onde veio este cometa?

O C/2022 E3 (ZTF) provém da nuvem de Oort: uma zona gelada nos confins do sistema solar onde vagueiam milhões de cometas, restos gelados de planetas formados há mais 4.5 mil milhões de anos. De acordo com a In-the-sky.org, no dia 12 de Janeiro o cometa esteve o mais próximo do Sol na sua trajectória, tendo chegado a “apenas” 166 milhões de quilómetros desta estrela.

Matthew Knight, um astrónomo especializado em cometas da Academia Naval de Annapolis nos Estados Unidos, afirma que a trajectória do cometa na altura da sua descoberta implica um período orbital de aproximadamente 50.000 anos. Da última vez que este cometa passou perto do Sol, a Terra atravessava a Idade do Gelo e o homem de Neandertal e os mamutes ainda estavam vivos e de boa saúde.

À medida que os cometas aquecem com a energia do Sol libertam gases e poeiras que podem alterar a sua trajectória no sistema solar. Por esse motivo, Knight sublinha que é impossível dizer com rigor há quanto tempo o C/2022 E3 (ZTF) orbita o Sol no seu caminho.

Esta sequência de imagens recolhidas ao longo de três horas e meia mostra o C/2022 E3 (ZTF) a cruzar os céus portugueses no dia 19 de Janeiro. O vídeo revela um “fenómeno de desconexão” em que a interacção com poeiras solares provoca a separação da cabeça e cauda do cometa.

Vídeo de Miguel Claro.

O que sabemos apesar de tudo é que o cometa persevera no seu caminho pelo sistema solar neste momento e que à sua aproximação à Terra cruzará os céus a uns espantosos 207.000km/h de acordo com o Jet Propulsion Laboratory da NASA.

Ouvi dizer que o comenta é verde. Qual o motivo?

O cometa é verde porque o seu coma – o véu gasoso que rodeia o núcleo – contém um componente reactivo, o carbono diatómico (C2), que irradia luz verde. Esta luz verde não se estende à cauda do cometa porque o C2 se desagrega com a radiação solar numa única molécula que sobrevive menos de dois dias em média.

A cor do C/2022 E3 (ZTF) não é única: a maioria dos cometas ricos em gases contêm C2, por isso “geralmente vão parecer verdes” afirma Knight. Dito isto, apenas uma parte dos cometas se aproxima tanto da Terra como o C/2022 E3 (ZTF) e proporciona esta visão excepcional dos seus matizes coloridos.

Como posso ver o C/2022 E3 (ZTF)?

Knight recomenda um binóculo, ou um pequeno telescópio, para tentar observar o cometa que vai ser visível nos céus do Norte depois do anoitecer em redor da constelação de Camelopardalis.

No dia 1 de Fevereiro olhando em direcção à Ursa Menor, na ponta daquilo que parece ser a pega de uma caçarola, a estrela Polaris, a Estrela do Norte, o cometa estava ligeiramente acima e à direita, à distância aproximada de duas vezes o seu punho com o braço estendido. Ao longo da primeira semana de Fevereiro o cometa desloca-se no céu para Este aproximando-se de Marte no dia 10 de Fevereiro. Nem todas as noites vão ser boas para o observar porque a sua posição no céu aproxima-se demasiado da Lua Cheia.

Como foi este cometa descoberto?

O C/2022 E3 (ZTF) foi descoberto no dia 2 de Março de 2022 pelos astrónomos Frank Masci e Bryce Bolin. Estavam a utilizar uma câmara especial que varre o céu nocturno do hemisfério Norte no Observatório de Palomar na Califórnia (Zwicky Transient Facility), razão pela qual o cometa foi baptizado com o acrónimo (ZTF). Na altura, encontrava-se a 643 milhões de quilómetros do Sol, de acordo com a Space.com.

Alguns dias depois, o observador nipónico Hirohisa Sato identificou que o objecto tinha um coma, confirmando que se tratava de um cometa. Posteriormente outros astrónomos descobriram indícios da sua presença em dados anteriores que datavam de 25 de Outubro de 2021.

Mas então descobrimos este cometa no ano passado?

O C/2022 E3 (ZTF) faz parte de uma extraordinária trajectória da astronomia nos últimos 25 anos. À medida que os telescópios se tornaram maiores, digitalizados e os computadores mais poderosos, os astrónomos passaram a conseguir identificar objectos no céu com maior facilidade revolucionando o estudo de asteróides, cometas e outros pequenos objectos no sistema solar.

Nos confins do Sistema solar há milhões de cometas, mas as suas órbitas são tão grandes e levam tanto tempo a percorrer que não os conseguimos observar até se aventurarem no interior do sistema solar captando a radiação solar tornando-se assim visíveis para nós. Hoje no entanto conseguimos mais do que nunca observar objectos mais pequenos e isso explica que as descobertas se sucedam. Apenas cerca de 3.900 cometas foram formalmente observados pelos astrónomos, de acordo com a base de dados do Jet Propulsion Laboratory. Mais de um quinto destes, incluindo o C/2022 E3 (ZTF), foram já descobertos depois de 2010.

As instalações de Zwicky Transient onde foi identificado o cometa oferece um vislumbre daquilo que proporcionará o observatório de Vera C. Rubin, umas enormes instalações ainda em construção no Chile. Quando estiver operacional em 2024, será o maior telescópio exploratório alguma vez construído, abrindo uma nova era de descobertas no cosmos. Prevê-se que este observatório irá sozinho descobrir mais 10.000 cometas. “Vai realmente ser extraordinário” revela Knight.

O que mais nos pode dizer este cometa?

C/2022 E3 (ZTF) também abre boas perspectivas para futuras missões espaciais não tripuladas.

A Agência Espacial Europeia está a desenhar uma nova missão robotizada chamada de Comet Interceptor. Uma vez lançada em 2029, a Comet Interceptor vai estacionar na L2 Lagrange point a milhões de quilómetros da Terra e ali irá permanecer durante três anos. O seu alvo? Ainda ninguém sabe.

Se os astrónomos descobrirem um objecto que a sonda possa interceptar, idealmente um cometa pristino em aproximação ao Sol pela primeira vez, os cientistas irão orientar a sonda para que se aproxime num voo de reconhecimento. Se isto for possível, este será um primeiro vislumbre de um resto primordial do sistema solar ainda intocado pela radiação do Sol.

De acordo com Night, que trabalha neste Comet Interceptor, o C/2022 E3 (ZTF) é o primeiro cometa a ser descoberto desde Junho de 2019 quando este projecto foi aprovado e poderia em teoria ter sido o primeiro a ser interceptado. Isto é promissor para o projecto e para o futuro da exploração espacial robotizada.

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