Empoleirada no alto da placa tectónica da Anatólia, enfiada entre três placas maiores, a Turquia é uma das regiões com maior actividade sísmica do planeta. Os terramotos com 7,8 e 7,5 graus de magnitude que devastaram a Turquia e a Síria em Fevereiro de 2023 ocorreram quando a placa anatólica deslizou para baixo da placa arábica, que se encontra a sul. No entanto, há algo nesta zona do planeta que espanta os cientistas há muitos anos: como é que a Turquia tem vulcões no interior, longe dos limites tectónicos onde a actividade vulcânica costuma ocorrer?

Num estudo publicado na revista Geochemistry, Geophysics, Geosystems, uma equipa de cientistas pensa ter encontrado uma resposta. Ao estudarem ondas sísmicas subterrâneas, bem como vestígios encontrados em rochas da superfície, os investigadores descobriram evidências de um canal de rocha fundida que flui horizontalmente imediatamente por baixo da placa anatólica. Este magma é mais quente e desloca-se mais depressa do que o restante material da parte superior do manto terrestre, o que faz com que se mantenha perto da superfície, promovendo o vulcanismo.

A equipa também localizou a origem deste fluxo de magma: o Rift da África Oriental, uma série de fracturas na crosta terrestre a mais de 2.000 quilómetros de distância. As descobertas sugerem a existência de uma pluma de rocha derretida dentro do rift, no local onde a placa africana está a abrir-se, que estará a impulsionar o canal de magma horizontal – que pouco arrefece enquanto viaja sob o solo, alimentando vulcões ao longo do seu caminho.

“O material dessa pluma pode deslocar-se lateralmente e a alta velocidade junto à base da placa tectónica, percorrendo grandes distâncias, sendo compatível com as observações da pluma islandesa, por exemplo”, diz Fergus MacNab, um geofísico do Centro Alemão de Investigação de Geociências GFZ, em Potsdam, que não participou no estudo. “No entanto, as distâncias aqui envolvidas são superiores e o facto de ainda ser gerado vulcanismo a tais distâncias é singular.”

Erta Ale
MICHAEL MARTIN, LAIF/REDUX

Erta Ale é um vulcão-escudo basáltico activo situado no nordeste da Etiópia e contém o lago de lava activo mais antigo do mundo, existente desde o início do século XX. Erta Ale situa-se sobre o Rift da África Oriental, onde a divergência das placas tectónicas origina actividade vulcânica.

As viagens das plumas horizontais já foram modeladas noutros locais, incluindo no Hawai e em algumas zonas do Oceano Pacífico. Essas conclusões sugerem que o material do manto pode viajar muito mais longe do que se pensava sem perder muito calor, oferecendo uma possível explicação para alguma actividade vulcânica em locais inesperados.

Vulcanismo além-fronteiras

A Turquia tem uma longa história de vulcanismo intermitente: a última erupção ocorreu a 2 de Julho de 1840, quando o magma aqueceu a água e causou uma explosão dentro do Monte Ararat, desencadeando um deslizamento de terras que varreu as aldeias vizinhas, matando cerca de 1.900 pessoas.

Há muito que aquela erupção é um enigma para os cientistas, uma vez que o Monte Ararat se encontra a várias centenas de quilómetros de um limite tectónico. A maioria dos vulcões concentram-se à volta de hotspots, situados nos limites das placas tectónicas da Terra – lajes de rocha que se deslocam lentamente sobre o manto do planeta, como pedaços gigantes de casca de ovo partida. Quando estas placas colidem, uma costuma afundar-se sob a outra, libertando rocha derretida que empurra os vulcões para cima.

Existem, contudo, vários campos vulcânicos no meio de placas tectónicas. Estes vulcões intraplacas, como lhes chamam os investigadores, são por vezes alimentados por plumas de rocha quente que fluem verticalmente a partir do manto. Mas também há vulcões em sítios onde não existem estas plumas, como se verifica sob o Monte Ararat, na Anatólia.

Estudos anteriores que investigaram o vulcanismo na zona da placa anatólica levaram alguns cientistas a sugerir a existência de processos tectónicos locais por detrás da actividade, como o desmoronamento de placa inferior sobre o manto. No entanto, estas explicações não são compatíveis com as temperaturas elevadas que se registam na região. Foi por isso que Junlin Hua, geólogo da Universidade do Texas, em Austin, e os seus colegas escavaram um pouco mais fundo.

Rastreando as origens

Investigadores combinaram pistas sísmicas e geoquímicas para estudar a temperatura e o perfil do manto sob a região oriental da Anatólia. A imagiologia sísmica mostrou um canal onde as ondas abrandam - um indício de temperaturas mais altas e de um manto parcialmente fundido – a aproximadamente 20 a 30 metros de profundidade numa zona do interior do planeta conhecida como astenosfera.

Em seguida, a equipa analisou dados de 117 amostras basálticas recolhidas no campo vulcânico de Karacadağ, na Turquia. O magma libertado nas erupções cristaliza de uma maneira específica, que pode revelar pormenores sobre a sua formação. Através desta informação eles determinaram uma temperatura de cerca de 1426º Celsius no canal, 35ºC superior à temperatura ambiente do manto.

Depois, os investigadores examinaram isótopos químicos em amostras de basalto recolhidas em diversos sítios ao longo da rota de 2000 quilómetros entre a África Oriental e a Turquia. Munidos dos dados de 1.004 amostras de rocha, descobriram vestígios sobrepostos de isótopos de estrôncio, neodímio e chumbo, apontando para uma origem comum.

“Os magmas estão a dizer-nos que são compatíveis”, diz Karen Fischer, sismologista da universidade de Brown e co-autora do estudo. “Também estão a dizer-nos que são compatíveis com uma origem comum no manto.”

A realização de mais modelos destas rochas revelou que o magma do canal viaja suficientemente depressa para manter uma temperatura mais elevada do que o resto da astenosfera. Segundo os modelos, para preservar este calor, o magma tem de viajar cerca de 24 centímetros por ano – o que significa que demorou pouco menos de 11 milhões de anos a chegar à Anatólia. Pode parecer lento, mas para magma que está a atravessar o manto denso, é na verdade bastante rápido.

“Estes fluxos podem bem ser dos movimentos de manto mais rápidos da Terra”, diz Maxim Ballmer, especialista em geodinâmica da University College London, que não participou no estudo.

Esta velocidade, propõem os autores, é causada pela pressão da pluma ascendente do Rift da África Oriental e a baixa viscosidade do magma mais quente. “O que é realmente importante é o facto de ainda ser suficientemente quente para ser capaz gerar estes vulcões”, diz Hua.

Como, ao certo, o canal apareceu é uma pergunta ainda sem resposta, que poderá ser explorada em trabalhos futuros. “Uma das possibilidades… é que a placa que se estende sob o Mar Vermelho tenha encorajado um fluxo para norte, embora isso ainda não tenha sido explorado em pormenor”, diz McNab.

Foi encontrada uma pista nos isótopos: uma alteração na sua composição ocorrida há cerca de 10 milhões de anos, por volta da altura em que as placas anatólica e arábica colidiram. Isto sugere que o canal, que pode outrora ter-se estendido até à Jordânia, poderá ter encontrado uma nova abertura durante a colisão tectónica, diz Hua.

Plumas do outro mundo

As novas descobertas estão a obrigar os cientistas a repensar até quão longe o material de uma coluna ascendente consegue ir antes de desencadear erupções vulcânicas. “O material das plumas mantélicas pode alcançar e alterar partes da Terra a distâncias muito superiores ao que se pensava convencionalmente”, diz Fischer. “Parece que existem corredores onde as plumas afectam a parte superior do manto a milhares de quilómetros de distância.”

Pensa-se que as plumas irradiem como um disco quando alcançam a superfície, embora o novo estudo sugira que também podem dispersar-se ao longo de canais estreitos, a grande velocidade e percorrendo longas distâncias. “Pense numa pluma que envia gavinhas em várias direcções e começará a ter uma ideia de como funcionam estes fenómenos” diz Fischer.

Este mecanismo poderá explicar alguma actividade vulcânica misteriosa do passado, como a da província magmática do Atlântico Central, uma zona de vulcanismo generalizado que coincidiu com a separação de Pangeia há cerca de 200 milhões de anos. Pensa-se que a extinção em massa ocorrida no final do Triássico tenha sido causada por uma actividade vulcânica desenfreada.

O trabalho realizado também poderá servir de base para futuros estudos de vulcanismo noutros planetas, como Vénus, que não tem tectónica de placas, mas parece ter alguma actividade semelhante à das plumas. E estudar as reviravoltas do interior do nosso planeta e os movimentos das suas placas tectónicas poderá ajudar-nos a compreender os ambientes que se formam à superfície.

“Só recentemente começámos a perceber como os processos que desencadeiam erupções vulcânicas e terramotos também ajudam a estabilizar o volume do oceano e o clima ao longo de milhões ou milhares de milhões de anos”, diz Ballmer”, sustentando condições à superfície nas escalas temporais necessárias para a evolução das formas de vida superiores.”

Empoleirada no alto da placa tectónica da Anatólia, enfiada entre três placas maiores, a Turquia é uma das regiões com maior actividade sísmica do planeta. Os terramotos com 7,8 e 7,5 graus de magnitude que devastaram a Turquia e a Síria em Fevereiro de 2023 ocorreram quando a placa anatólica deslizou para baixo da placa arábica, que se encontra a sul. No entanto, há algo nesta zona do planeta que espanta os cientistas há muitos anos: como é que a Turquia tem vulcões no interior, longe dos limites tectónicos onde a actividade vulcânica costuma ocorrer?

Num estudo publicado na revista Geochemistry, Geophysics, Geosystems, uma equipa de cientistas pensa ter encontrado uma resposta. Ao estudarem ondas sísmicas subterrâneas, bem como vestígios encontrados em rochas da superfície, eles descobriram evidências de um canal de rocha fundida que flui horizontalmente imediatamente por baixo da placa anatólica. Este magma é mais quente e desloca-se mais depressa do que o restante material da parte superior do manto terrestre, o que faz com que se mantenha perto da superfície, promovendo o vulcanismo.

A equipa também localizou a origem deste fluxo de magma: o Rift da África Oriental, uma série de fracturas na crosta terrestre a mais de 2000 quilómetros de distância. As descobertas sugerem a existência de uma pluma de rocha derretida dentro do rift, no local onde a placa africana está a abrir-se, que estará a impulsionar o canal de magma horizontal – que pouco arrefece enquanto viaja sob o solo, alimentando vulcões ao longo do seu caminho.

“O material dessa pluma pode deslocar-se lateralmente e a alta velocidade junto à base da placa tectónica, percorrendo grandes distâncias, sendo compatível com as observações da pluma islandesa, por exemplo”, diz Fergus MacNab, um geofísico do Centro Alemão de Investigação de Geociências GFZ, em Potsdam, que não participou no estudo. “No entanto, as distâncias aqui envolvidas são superiores e o facto de ainda ser gerado vulcanismo a tais distâncias é singular.”

As viagens das plumas horizontais já foram modeladas noutros locais, incluindo no Hawai e em algumas zonas do Oceano Pacífico. Essas conclusões sugerem que o material do manto pode viajar muito mais longe do que se pensava anteriormente sem perder muito calor, oferecendo uma possível explicação para alguma actividade vulcânica em locais inesperados.

Vulcanismo além-fronteiras

A Turquia tem uma longa história de vulcanismo intermitente: a última erupção ocorreu a 2 de Julho de 1840, quando o magma aqueceu a água e causou uma explosão dentro do Monte Ararat, desencadeando um deslizamento de terras que varreu as aldeias vizinhas, matando cerca de 1.900 pessoas. Há muito que aquela erupção é um enigma para os cientistas, uma vez que o Monte Ararat se encontra a várias centenas de quilómetros de um limite tectónico. A maioria dos vulcões concentram-se à volta de hotspots, situados nos limites das placas tectónicas da Terra – lajes de rocha que se deslocam lentamente sobre o manto do planeta, como pedaços gigantes de casca de ovo partida. Quando estas placas colidem, uma costuma afundar-se sob a outra, libertando rocha derretida que empurra os vulcões para cima.

Existem, contudo, vários campos vulcânicos no meio de placas tectónicas. Estes vulcões intraplacas, como lhes chamam os investigadores, são por vezes alimentados por plumas de rocha quente que fluem verticalmente a partir do manto. Mas também há vulcões em sítios onde não existem estas plumas, como se verifica sob o Monte Ararat, na Anatólia.

Estudos anteriores que investigaram o vulcanismo na zona da placa anatólica levaram alguns cientistas a sugerir a existência de processos tectónicos locais por detrás da actividade, como o desmoronamento de placa inferior sobre o manto. No entanto, estas explicações não são compatíveis com as temperaturas elevadas que se registam na região. Foi por isso que Junlin Hua, geólogo da Universidade do Texas, em Austin, e os seus colegas escavaram um pouco mais fundo.

Karacadag
HASAN NAMLI, ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES

Uma gruta no interior de Karacadag, um vulcão-escudo junto a Diyarbakir, na Turquia. Localizadas sob camadas de basalto formadas por erupções, estas grutas revelam vias fluidas talhadas por fluxos de lava do passado.

Rastreando as origens

Investigadores combinaram pistas sísmicas e geoquímicas para estudar a temperatura e o perfil do manto sob a região oriental da Anatólia. A imagiologia sísmica mostrou um canal onde as ondas abrandam – um indício de temperaturas mais altas e de um manto parcialmente fundido – a aproximadamente 20 a 30 metros de profundidade numa zona do interior do planeta conhecida como astenosfera.

Em seguida, a equipa analisou dados de 117 amostras basálticas recolhidas no campo vulcânico de Karacadağ, na Turquia. O magma libertado nas erupções cristaliza de uma maneira específica, que pode revelar pormenores sobre a sua formação. Através desta informação eles determinaram uma temperatura de cerca de 1.426º Celsius no canal, 35ºC superior à temperatura ambiente do manto.

Depois, os investigadores examinaram isótopos químicos em amostras de basalto recolhidas em diversos sítios ao longo da rota de 2.000 quilómetros entre a África Oriental e a Turquia. Munidos dos dados de 1.004 amostras de rocha, descobriram vestígios sobrepostos de isótopos de estrôncio, neodímio e chumbo, apontando para uma origem comum.

“Os magmas estão a dizer-nos que são compatíveis”, diz Karen Fischer, sismologista da universidade de Brown e co-autora do estudo. “Também estão a dizer-nos que são compatíveis com uma origem comum no manto.”

A realização de mais modelos destas rochas revelou que o magma do canal viaja suficientemente depressa para manter uma temperatura mais elevada do que o resto da astenosfera. Segundo os modelos, para preservar este calor, o magma tem de viajar cerca de 24 centímetros por ano – o que significa que demorou pouco menos de 11 milhões de anos a chegar à Anatólia. Pode parecer lento, mas para magma que está a atravessar o manto denso, é na verdade bastante rápido.

“Estes fluxos podem bem ser dos movimentos de manto mais rápidos da Terra”, diz Maxim Ballmer, especialista em geodinâmica da University College London, que não participou no estudo.

Esta velocidade, propõem os autores, é causada pela pressão da pluma ascendente do Rift da África Oriental e a baixa viscosidade do magma mais quente. “O que é realmente importante é o facto de ainda ser suficientemente quente para ser capaz gerar estes vulcões”, diz Hua.

Como, ao certo, o canal apareceu é uma pergunta ainda sem resposta, que poderá ser explorada em trabalhos futuros. “Uma das possibilidades… é que a placa que se estende sob o Mar Vermelho tenha encorajado um fluxo para norte, embora isso ainda não tenha sido explorado ao pormenor”, diz McNab.

Foi encontrada uma pista nos isótopos: uma alteração na sua composição ocorrida há cerca de dez milhões de anos, por volta da altura em que as placas anatólica e arábica colidiram. Isto sugere que o canal, que outrora pode ter-se estendido até à Jordânia, poderá ter encontrado uma nova abertura durante a colisão tectónica, diz Hua.

Plumas do outro mundo

As novas descobertas estão a obrigar os cientistas a repensar até quão longe o material de uma coluna ascendente consegue ir antes de desencadear erupções vulcânicas. “O material das plumas mantélicas pode alcançar e alterar partes da Terra a distâncias muito superiores ao que se pensava convencionalmente”, diz Fischer. “Parece que existem corredores onde as plumas afectam a parte superior do manto a milhares de quilómetros de distância.”

Pensa-se que as plumas irradiem como um disco quando alcançam a superfície, embora o novo estudo sugira que também podem dispersar-se ao longo de canais estreitos, a grande velocidade e percorrendo longas distâncias. “Pense numa pluma que envia gavinhas em várias direcções e começará a ter uma ideia de como funcionam estes fenómenos” diz Fischer.

Este mecanismo poderá explicar alguma actividade vulcânica misteriosa do passado, como a da província magmática do Atlântico Central, uma zona de vulcanismo generalizado que coincidiu com a separação de Pangeia há cerca de 200 milhões de anos. Pensa-se que a extinção em massa ocorrida no final do Triássico tenha sido causada por uma actividade vulcânica desenfreada.

O trabalho realizado também poderá servir de base para futuros estudos de vulcanismo noutros planetas, como Vénus, que não tem tectónica de placas, mas parece ter alguma actividade semelhante à das plumas. Estudar as reviravoltas do interior do nosso planeta e os movimentos das suas placas tectónicas poderá ajudar-nos a compreender os ambientes que se formam à superfície.

“Só recentemente começámos a perceber como os processos que desencadeiam erupções vulcânicas e terramotos também ajudam a estabilizar o volume do oceano e o clima ao longo de milhões ou milhares de milhões de anos”, diz Ballmer”, sustentando condições à superfície nas escalas temporais necessárias para a evolução das formas de vida superiores.”