Para os pais que são informados de que um filho tem autismo, o diagnóstico é muitas vezes chocante: como é possível que o seu bebé, que parecia saudável, tenha agora uma perturbação incurável?

Desde que o autismo foi identificado pela primeira vez na década de 1940, os investigadores têm desenvolvido esforços para explicá-lo. A causa permanece um mistério, mas os cientistas começam a perceber o que acontece no cérebro destas crianças. Alguns estudos apontam para a possibilidade de serem detectados sinais de autismo logo a partir dos 3 meses de idade, muito antes de essa perturbação se manifestar. A detecção precoce poderá viabilizar intervenções capazes de prevenir, ou mitigar, as incapacidades associadas ao autismo. “Estamos a aprender que o autismo é uma característica e, se essa característica irá ou não transformar-se num problema crónico, é algo que depende das experiências iniciais”, afirma o psicólogo Ami Klin, da Universidade Emory. Isto permite “que o autismo não se torne uma deficiência profunda inevitável”, acrescenta.

Os cientistas sabem que o autismo pode ser causado por vários genes herdados ou alterados, juntamente com outros factores, como a idade avançada de um dos progenitores. Um estudo fraudulento atribuiu-o à vacina administrada na infância contra o sarampo, a papeira e a rubéola – conclusões entretanto desmentidas categoricamente. Esta perturbação tem-se tornado cada vez mais prevalente desde finais da década de 1990. Segundo os investigadores, isso deve-se em parte aos avanços dos diagnósticos, embora exista a possibilidade de a incidência estar a aumentar, por factores biológicos ou ambientais.

sinais autismo

Joseph Piven estuda o autismo há 36 anos. Segundo este psiquiatra, as crianças com autismo relacionam-se de forma diferente com o ambiente que as rodeia. “É uma perturbação relacionada com a forma como uma pessoa percebe o mundo através dos sentidos e do sistema de atenção”, diz. O especialista tem esperança de que a compreensão da forma como o cérebro se desenvolve nas crianças com autismo conduza a tratamentos com fármacos: “Acho que vamos passar a utilizar medicações específicas para certas perturbações do espectro do autismo.”

As origens do autismo não foram ainda determinadas com rigor, mas os investigadores estão a compreender melhor a forma como evolui. O psiquiatra Joseph Piven, da Universidade da Carolina do Norte, e outros colegas estudaram 106 bebés com um irmão mais velho autista. Essa circunstância significa que existia maior probabilidade de desenvolvimento da perturbação nos bebés. Ao realizarem exames ao cérebro dessas crianças, aos 6, 12 e 24 meses de idade, recorrendo a imagiologia por ressonância magnética, os investigadores descobriram diferenças significativas entre os bebés que posteriormente desenvolveram autismo e aqueles que não o desenvolveram. Em 2017, a equipa apresentou um relatório segundo o qual os cérebros dos bebés mais tarde diagnosticados com a perturbação cresceram mais depressa do que os de outras crianças logo a partir dos 6 meses, ocupando uma maior área de superfície até aos 12 meses e tornando-se mais volumosos no segundo ano de vida.

A ligação entre o crescimento cerebral excessivo e o subsequente diagnóstico de autismo era tão forte que os investigadores conseguiram basear-se nos exames feitos ao cérebro aos 6 e aos 12 meses e preverem, com precisão, um diagnóstico de autismo para 8 em cada 10 bebés nos quais a perturbação foi mais tarde diagnosticada. Os exames que detectam alterações no normal desenvolvimento do cérebro têm potencial para ajudar os pediatras a identificar o autismo muito antes da manifestação de sintomas. Os défices que caracterizam a perturbação, como os atrasos na linguagem, as dificuldades de interacção social e os comportamentos repetitivos, não costumam aparecer antes dos 2 anos, idade em que a maior parte das crianças é diagnosticada. “Estamos a falar na detecção dessas características numa fase em que as crianças têm apenas alguns marcadores de risco”, diz Joseph Piven.

As crianças com autismo são submetidas a intervenções destinadas a ajudá-las a socializar e a comunicar, atenuando a severidade das suas alterações. Com uma detecção mais precoce, argumentam Piven e os colegas, acabará por ser possível tomar medidas preventivas, através de estratégias comportamentais ou de medicação, “capazes de influenciar o desenvolvimento do cérebro”.

Em 2018, um grupo de investigação chefiado pelo neurocientista Charles Nelson publicou os resultados de um estudo demonstrativo da viabilidade da detecção do risco de autismo em bebés com 3 meses, ao mapear a actividade eléctrica dos seus cérebros por meio de um electroencefalograma (EEG). Os investigadores examinaram crianças entre os 3 meses e os 3 anos de idade e descobriram que a actividade cerebral dos bebés mais tarde diagnosticados com autismo se diferenciava da dos restantes. “Logo aos 3 meses, observamos padrões no EEG capazes de nos dizer qual o subconjunto de crianças que desenvolverá autismo”, afirma o líder da equipa.

Estes estudos revelam-nos algo sobre a natureza atípica do desenvolvimento cerebral, ao longo do processo conducente ao autismo, e isso parece ser compatível com as conclusões comportamentais alcançadas por Klin e colegas. Juntamente com Warren Jones, neurocientista na Universidade de Emory, Klin e outros observaram o movimento dos olhos dos bebés, enquanto estes assistiam a vídeos. Os bebés com 2 a 6 meses de idade que passavam menos tempo a olhar as outras pessoas nos olhos, comparados com os bebés com um desenvolvimento típico, tinham maiores probabilidades de ser diagnosticados com autismo ao atingirem cerca de 2 anos, concluíram os investigadores. Num estudo com crianças com cerca de 2 anos, descobriram que essas crianças olhavam com menos de metade da frequência para rostos de pessoas e com mais de metade da frequência para objectos.

A investigação mais recente levanta a possibilidade de os bebés com risco de desenvolver autismo poderem ser conduzidos para uma via reparadora.

Estes resultados sugerem que os bebés mais tarde diagnosticados com autismo vêem o mundo de uma maneira diferente. Isto altera a forma como gerem as suas interacções sociais, o que, por sua vez, tem um efeito de cascata sobre o desenvolvimento cerebral, possivelmente conduzindo a sintomas posteriores. “O que parece acontecer é que as nossas crianças com autismo estão a perder milhares e milhares de experiências de aprendizagem social”, afirma Klin.

Estas conclusões parecem implicar que os bebés com risco de desenvolver autismo podem ser acompanhados e conduzidos para uma via reparadora. Os investigadores têm procurado testar intervenções comportamentais, como o Modelo Denver de Intervenção Precoce, um programa que ensina pais e terapeutas a recorrer a estratégias específicas para desenvolver capacidades sociais e de linguagem nas crianças com autismo. Num ensaio experimental recente, com a participação de 118 crianças, a intervenção resultou num aperfeiçoamento das capacidades de linguagem que, na opinião dos investigadores, é um bom indicador de melhorias a longo prazo dos indivíduos com autismo.