Ainda é a terra de oportunidades, mas paga o preço do sucesso. As novas palavras de ordem são responsabilidade e empatia.

O parque de estacionamento, vêem-se automóveis Tesla a competirem por um lugar nas 12 estações de carregamento eléctrico. Uma multidão composta maioritariamente por homens reúne-se no salão de entrada do Computer History Museum. Alguns cumprimentam-se com breves abraços. “Como está o meu investimento?”, grita um deles para o outro lado da sala. Um sino toca e o espaço torna-se subitamente uma igreja. A multidão ruidosa entra rapidamente no auditório e cala-se. As portas fecham-se. O Dia das Demonstrações está prestes a começar.

Nos dois dias seguintes, empreendedores de 132 novas empresas startup farão apresentações de dois minutos bem ensaiadas sobre a maneira como vão mudar o mundo. Segundo parece, há inúmeras maneiras de o fazer. Sensores instalados nos tectos dos quartos dos lares de terceira idade. Veículos aéreos não tripulados (drones) que monitorizam a rede eléctrica. Máquinas de armazenamento com capacidade de aprendizagem para cargueiros. Um serviço de detergente para a roupa dirigido ao mercado masculino.

Em cada grupo existe em média uma empresa que poderá vir a valer mil milhões de euros, diz o director-geral e sócio da Y Combinator, Michael Seibel, aos investidores de Silicon Valley. “O vosso trabalho é descobrir qual delas”, afirma. A empresa de Seibel ajuda os empreendedores a desenvolverem as suas ideias.

A primeira é a Public Recreation, que propõe programas de exercício físico para grupos em parques de estacionamento e outros espaços abertos, em troca de uma mensalidade. “O nosso segredo é não pagarmos rendas”, diz um dos fundadores.

É um grande mercado, penso, enquanto todos aplaudem. Mas… e a chuva, a neve, os insectos e os dias com níveis elevados de pólen? Mas já passamos à ideia seguinte – optimização de contentores em portos com recurso a algoritmos preditivos. O silêncio que se faz sentir na sala é demonstrativo de respeito.

Durante os meus anos como autora de reportagens sobre Silicon Valley, aprendi a controlar os meus impulsos de fazer troça de algumas ideias de negócio. Startups que não levei a sério ganharam milhares de milhões, resolvendo problemas que eu não sabia que as pessoas tinham. Talvez se o Plano A não resultasse, a Public Recreation pudesse passar ao Plano B, como a Justin.tv, que começou por transmitir ao vivo as aventuras de uma pessoa, Justin, e depois de qualquer pessoa, acabando por transformar-se na Twitch Interactive, que permite ao utilizador ver outros jogarem jogos na Internet. Em 2014, a Amazon comprou-a por 847 milhões de euros. 

Silicon Valley é um sítio em constante “fuga para o futuro”, comenta Paul Saffo, observador de longa data de Silicon Valley. Os empreendedores que faziam as suas apresentações neste Dia das Demonstrações pintam um cenário em que a vida é melhorada por inteligência artificial, realidade aumentada, robots, drones e sensores omnipresentes. 

Há muito que me fascinam o optimismo de Silicon Valley e os sonhadores pragmáticos que o fazem avançar. Ultimamente, contudo, tem havido alguma contenção. 

Startups que não levei a sério ganharam milhares de milhões, resolvendo problemas que eu não sabia que as pessoas tinham.

Responsabilidade e empatia são as novas palavras de ordem. Silicon Valley está a ser responsabilizado por tudo: a escassa diversidade da sua mão-de-obra, as indústrias tornadas obsoletas e os danos causados pela tecnologia, a disseminação mais rápida do ódio devido às suas redes sociais e até os efeitos da inovação sobre os próprios residentes. Mesmo para alguns trabalhadores com ordenados anuais de seis dígitos, chega a haver dificuldades para encontrar habitação a preços acessíveis. Pelo mundo fora, em locais como a Bolívia, a extracção mineira do lítio necessário para alimentar os dispositivos inventados em Silicon Valley suscita preocupações sobre a exploração e o ambiente.

A tecnologia domina o futuro, mas, com relutância, começa a admitir-se que, por vezes, ao tentar tornar o mundo melhor e mais eficiente, os seres humanos podem ser prejudicados.


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“Estamos rodeados por pessoas com grandes sonhos”, diz Anne Wojcicki, co-fundadora e directora-geral da 23andMe, uma empresa de biotecnologia. “A realidade de Silicon Valley está do lado certo da história: quer gostemos ou não, o mundo mudou. Mas estas transições podem ser muito difíceis”, comenta. “Acho que temos responsabilidades para com todos os habitantes locais que estão a sofrer repercussões.” 

Todos têm um sonho

“Onde fica Silicon Valley?”, perguntam-me as pessoas de fora que visitam o local. Não há uma capital nem um ponto central. Não há um letreiro parecido com o de Hollywood a anunciar a cidade da tecnologia! Silicon Valley é uma planície em forma de ferradura repleta de escritórios. Reluzindo no centro, estão as águas da baía de São Francisco, indiferentes ao ruído do trânsito que entope as estradas ou à mais recente inovação de Elon Musk, director executivo da Tesla e da SpaceX. Aponto aos visitantes o sinal com o polegar do “like” do Facebook, ao lado da sede da empresa. O Facebook não oferece visitas guiadas, à semelhança da maioria das empresas tecnológicas.

É claro que aquele sinal de “like” pode não fazer toda a gente feliz. Sabemos que as políticas de privacidade do Facebook não conseguiram proteger os utilizadores, depois de um investigador vender informações pessoais posteriormente utilizadas para nos bombardear com anúncios políticos. Continua em investigação a eventual intervenção de operacionais russos explorando hostilidades políticas nos EUA através do Facebook. O epicentro tecnológico poderá localizar-se em Mountain View, onde um dos inventores do transistor criou uma empresa, um sítio que Steve Wozniak, co-fundador da Apple, visitou só para tocar no edifício e ver aquele marco histórico. Ou pode ficar numa casa num beco sem saída em Los Altos, onde uma engenheira de software nascida na Índia deita os filhos e regressa à Internet para trabalhar na sua startup. Ou ainda num veículo recreativo com três pneus furados estacionado junto da Universidade de Stanford, onde Jim, um veterano da Marinha e homem dos sete ofícios, vive com o seu cão.

Silicon Valley pode enganar-nos: parece igualitário, livre e simples, com os seus directores-gerais em roupa informal e os investidores de risco envergando calções de licra, mas pode ser frequentemente caprichoso.

É um sítio muito diferente do que era em 1982, quando a National Geographic escreveu sobre o “igualitarismo enérgico que substituiu o ritmo rural” e “este crescimento dinâmico [que] ocorre atrás de uma fachada enganadoramente calma… uma extensão monótona de edifícios baixos e rectangulares cujos letreiros das empresas fundem palavras de alta tecnologia que nos dão novas pistas sobre o que se passa no interior”.

Percorrendo as estradas curvilíneas das colinas circundantes, conseguimos imaginar um ritmo rural ainda persistente. Outrora ocupado por damasqueiros e ameixoeiras, o vale reinventou-se, mas pode enganar-nos: parece igualitário, livre e simples, com os seus directores-gerais em roupa informal e os investidores de risco envergando calções de licra, mas é frequentemente caprichoso. Muitos locais de trabalho exigem que os funcionários se descalcem e outros autorizam que os cães de companhia estejam no escritório.

A verdade principal reside na convicção que valoriza a ambição aqui revelada. “As pessoas estão mais interessadas na tua startup do que no teu nome”, queixa-se Tristan Matthias, um visitante de 24 anos oriundo da Austrália.

As sementes do actual encanto de Silicon Valley foram lançadas no início da década de 1990. Já era repórter quando lá cheguei nessa época e achei o local mortiço. O declínio da indústria da defesa no final da guerra fria e a crise económica provocaram despedimentos na Califórnia. Os produtos comerciais mais populares eram então os editores de texto, os CD-ROM e os videojogos.

Até a Apple, a grande rebelde, aparentava um declínio iminente. Steve Jobs desaparecera de cena em 1985, após um confronto com o conselho de administração da empresa que fundara. O seu regresso triunfante à empresa aconteceria mais de uma década depois.

Em meados da década de 1990, começava a espalhar-se uma ideia: se as pessoas conseguissem manter-se ligadas através do computador, as vidas mudariam. Visitei uma escola-piloto que testava então experiências pedagógicas com uma rede de computadores. Os professores podiam enviar mensagens aos pais dos alunos através dessa inovação formidável que era o modem de ligação telefónica. A America Online teve também a ideia de criar um centro comercial digital que pudesse ser visitado para encomendar flores. Era lento e difícil de utilizar, mas prenunciava uma revolução.

A norte, em Seattle, estava em curso outra experiência. A Microsoft promovia computadores úteis e enriquecia. Em Agosto de 1995, a Microsoft parecia ter vencido o concurso tecnológico ao abrigo do qual o vencedor ganhava todos os prémios. Os seus executivos dançavam à meia-
-noite à porta das lojas de artigos electrónicos, comemorando o lançamento do sistema operativo Windows 95. Entretanto, uma espécie de bomba explodia em Silicon Valley. 

A Netscape, criadora do software de um inovador navegador de Internet, era transacionada em bolsa menos de um ano depois do lançamento do seu famoso produto. Embora a Netscape fosse uma empresa sem provas dadas e o folheto de investimento apresentasse várias páginas com riscos devidamente sublinhados, o valor dos títulos atingiu o máximo de 58,25 dólares no primeiro dia. Nesse primeiro dia, o valor de mercado instantâneo da Netscape foi de 2.900 milhões de dólares.


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A oferta pública (OP) inicial da Netscape foi o início daquilo que viria a ser conhecido como o surto das dot-com, que levaria à criação de empresas duradouras como a Amazon e a Yahoo! e à emergência de outras que entretanto faliram, como a Webvan e a Pets.com.

O entusiasmo em relação às possibilidades da Internet alimentou um mercado bolsista especulativo. A Internet era a quimera onde se venderia maquilhagem, se alugariam carrinhas ou se arranjariam parceiros amorosos. Em 1999, mais de quatrocentas empresas, a maioria das quais da área da tecnologia, foram transacionadas em bolsa.

De súbito, em 2000, o mercado caiu a pique. Mais de duzentos mil postos de trabalho foram eliminados. Sentia-se a vergonha. O sofrimento. No entanto, “todas essas startups estavam certas”, disse-me Wozniak, co-fundador da Apple. “Estavam certas quanto ao que a Internet faria por nós. O problema é que não se pode mudar estilos de vida com tanta rapidez.”

Silicon Valley criou as suas próprias palavras para transformar o fracasso em algo positivo. Iteração significa lançar um produto no mercado sem preocupações com a perfeição. “Pivoting” é mudar bruscamente de rumo antes que o dinheiro chegue ao fim.

Há sempre jovens a chegar à cidade. Passados três anos, a gestora de produto Shriya Nevatia está no seu terceiro emprego. “Parece mau, mas prefiro pequenas startups”, comenta.

Os fracassos e as crises abrem caminho a novas ideias e a novos concorrentes. A Google ocupa parte daquelas que foram, em tempos, as instalações da Silicon Graphics, Inc.. O Facebook actualizou as instalações da Sun Microsystems à medida que crescia. A tentativa de ligar Internet e televisão foi acidentada. E um dia apareceu o YouTube.

Começara a era das redes sociais. Mark Zuckerberg, co-fundador do Facebook, mudou-se para Palo Alto, ampliando o Facebook com o seu lema não muito distante do dos piratas informáticos: “Andar depressa e partir coisas”. Em São Francisco, amigos e colegas encontraram uma maneira de contarem as suas novidades ao longo do dia em 140 caracteres e assim nasceu o Twitter.

Para muitos, os grandes ciclos de “destruição criativa” da inovação não se vêem à distância, mas são sentidos profundamente a nível pessoal. Empregos perdidos. Aptidões tornadas obsoletas. Lares e famílias devastados. 

A Apple apresentou mais um modelo de referência: o regresso. Em 1997, com Steve Jobs de novo ao comando, depois de a gigante comprar a outra empresa por ele fundada, a NeXT, a Apple iniciou a sua lenta recuperação. A empresa lançou o iPod, a que seguiu uma loja de entretenimento digital, o iTunes. O iPhone foi lançado em 2007, cumprindo a promessa do Magic Cap da General Magic e do Newton da Apple, mais de dez anos antes. 

Avancemos até à actualidade. As empresas tecnológicas tentam agora lidar com o impacte dramático que produzem na vida real. Os seus líderes foram chamados ao Congresso a prestar depoimento sobre a utilização de dados dos consumidores, a maneira como entidades estrangeiras utilizaram estas valiosas tecnologias para influenciar eleições ou o potencial preconceito dos algoritmos que controlam aquilo que vemos.

Com o advento da inteligência artificial, os dados e a velocidade computacional tornaram-se o recurso mais importante. O novo petróleo. Se os computadores puderem um dia “pensar” e tomar decisões, o que acontecerá? 

Depois de mais de três mil funcionários da Google assinarem uma carta de protesto, a empresa decidiu não prolongar o seu contrato com o Ministério da Defesa dos EUA que recorre à inteligência artificial para analisar imagens captadas por drones. Mais tarde, em Novembro, vinte mil funcionários da Google de todo o mundo manifestaram-se para protestar contra a forma como a empresa lidou com situações de assédio sexual e igualdade salarial. 

Decido visitar John Hennessy, antigo presidente da Universidade de Stanford e actual presidente do conselho de administração da Alphabet, a empresa-mãe da Google. O momento de consciencialização actualmente vivido pela indústria tecnológica está a suscitar questões mais profundas sobre o propósito de Silicon Valley, diz. “Neste preciso momento, o mais difícil é as empresas descobrirem como vão assumir a responsabilidade e gerirem-se a si próprias de forma que pareçam estar alinhadas não só com o interesse dos accionistas, mas também com o interesse da sociedade em geral”, explica.

 A vida das startups

Há sempre jovens a chegar.

“Estamos sentados num café e ouvimos uma apresentação ou uma discussão sobre encriptação e a Google – isso é aborrecido para alguns, mas eu gosto”, diz Shriya Nevatia, gestora de produto que deixou Boston. Chegada a Silicon Valley há três anos, está no seu terceiro emprego. “Parece mau, mas prefiro pequenas startups”, comenta.

Num bairro arborizado de Palo Alto, Joshua Browder senta-se à beira da piscina na casa onde Zuckerberg, do Facebook, esteve alojado no Verão de 2004, quando a rede social se preparava para arrancar. Dentro de casa, sobre uma mesa de jantar, os colegas de Joshua trabalham na aplicação da sua empresa, a DoNotPay, definida como um advogado robótico que contesta multas de estacionamento e encontra oportunidades mais baratas em reservas de bilhetes de avião e hotéis.

O passado e o presente entretecem-se nos mitos da tecnologia. O mais persistente criou a expectativa de uma comunidade que vive, trabalha e investe só em tecnologia. Wozniak é um orador muito procurado e recebe muito mais de mil convites por ano. Parte do seu encanto como conferencista deve-se ao facto de ser o “outro Steve” da história preferida de Silicon Valley: a criação da Apple. Woz, como é conhecido, pode ser um génio, mas considera-se um tipo normal. Recorda-nos uma das suas histórias mais famosas: por volta da OP inicial da empresa, em 1980, vendeu algumas das suas acções da Apple a preços anteriores à OP a cerca de oitenta funcionários. “Preocupo-me muito com a distribuição da riqueza”, diz. 


 

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A “Cultura dos Manos” subsiste

Silicon Valley também é o Vale dos Imigrantes.
O influxo de pessoas nascidas no estrangeiro está a ajudar a compensar a migração para outros locais dos Estados Unidos. Em algumas áreas, como a informática e a matemática, os trabalhadores estrangeiros compõem agora mais de 60% da mão-de-obra. O número é ainda mais alto no feminino: 78% das mulheres são estrangeiras.
Os principais países de origem dos estrangeiros da indústria da região são a Índia, a China e o Vietname, mas há representantes de dezenas de outros países: em 2015, havia até 42 emigrantes do Zimbabwe a trabalhar em tecnologia e 106 de Cuba.

A natureza internacional de Silicon Valley significa que as empresas, mesmo as pequenas, se transformaram numa mistura de culturas e idiomas. No entanto, põe também em relevo quem não está a concretizar o sonho de Silicon Valley. Em média, os afro-americanos e os latinos compõem apenas 12% da mão-de-obra das grandes empresas de tecnologia. As mulheres também estão mal representadas naquilo a que se tem chamado a “cultura dos manos” de Silicon Valley: pouco mais de 30% da mão-de-obra da Google, Apple e Facebook é feminina. Um estudo divulgado em Setembro passado concluiu que só 13% das startups foram fundadas por mulheres e apenas 6% são sócias igualitárias. 

Contudo, as mulheres estão lentamente a conquistar espaço. Em 2018, detinham 24% dos postos de trabalho técnicos e 18,5% das chefias, segundo um estudo realizado com 80 empresas por AnitaB.org, uma organização sem fins lucrativos que desenvolve esforços para aumentar o número de mulheres no sector tecnológico.

No que diz respeito a remunerações, são propostos salários mais baixos às mulheres do que aos homens para as mesmas funções em mais de 60% dos casos (com uma diferença média de 4%), segundo o relatório da empresa de recrutamento Hired. As grandes empresas tecnológicas proclamam a importância de equipas diversificadas, mas é difícil introduzir alterações rápidas no perfil demográfico da força de trabalho.

“Já ouvi jovens mulheres dizerem que Silicon Valley é mau para as mulheres e elas preparam-se para isso”, diz Shriya Nevatia, que criou a Violet Society para ajudar mulheres e pessoas não-binárias no lançamento de startups durante os seus dez primeiros anos na área da tecnologia. 

Constrangidos pelo Crescimento

Enquanto os forasteiros continuam a chegar a Silicon Valley, fazendo subir os preços do mercado imobiliário, as comunidades locais que não estão inseridas na economia da tecnologia vêem a sua vida mais complicada, sobretudo devido ao preço crescente da habitação.

Talvez não exista lugar mais apertado do que East Palo Alto, uma cidade com cerca de trinta mil vizinhos notáveis. Nos últimos 50 anos, a cidade tem sido uma mistura de famílias afro-americanas e latinas. Agora, novas famílias, muitas das quais brancas e asiáticas, estão a chegar. O preço médio das habitações já ultrapassou um milhão de dólares (era cerca de 260.000 em 2011, segundo o Zillow). Um milhão! É este o valor considerado acessível para uma casa na península que se estende de São Francisco a San Jose.

“Estão a construir casas de um milhão de dólares mesmo ao lado de casas de acolhimento para pessoas sem abrigo.” Pastor Paul Bains

Para muitos residentes de longa data que não beneficiaram do actual crescimento tecnológico, as rendas aumentaram e a compra de uma casa está fora do seu alcance. Mudam-se para bairros periféricos da cidade e conduzem agora horas todos os dias nos movimentos pendulares entre casa e o trabalho. Ou vão viver com amigos ou familiares. Ou têm mesmo de abandonar a região. “Estão a ser construídas casas de um milhão de dólares mesmo ao lado de casas de acolhimento para pessoas sem abrigo”, diz o pastor Paul Bains, que gere uma organização humanitária sem fins lucrativos com a sua mulher, Cheryl, em East Palo Alto.

Michael Seibel vê uma certa mudança geracional no Silicon Valley da actualidade. Os jovens querem que as suas empresas contratem colaboradores de perfil diversificado e tenham maior consciência social. Desesperadas por reter os seus talentos, as empresas agem em conformidade.

E qual a motivação do próprio Michael Seibel? Depois de se licenciar na Universidade de Yale, projectou que passaria a primeira década a ganhar dinheiro, a segunda com os desafios da paternidade e, depois dos 40 anos, envolver-se-ia na política. Mudou-se para São Francisco em 2006 e fundou uma empresa: tornou-se co-fundador e director-geral da Justin.tv e da Socialcam. A Socialcam foi vendida à Autodesk em 2012 e a Justin.tv tornou-se a Twitch Interactive. Aos 36 anos, Michael acaba de ser pai. A política, porém, ficou de parte: Michael sente que tem agora mais oportunidades de produzir impacte social.

Se Silicon Valley tivesse um centro espiritual, este poderia ser o Internet Archive, uma organização sem fins lucrativos sediada numa antiga igreja em São Francisco. Os servidores funcionam noite e dia, arquivando grande parte da rede pública de Internet nas suas diversas formas. Quase todos os artigos da Wikipedia. Cerca de quatro milhões de tweets diários. Mais de meio milhão de vídeos de YouTube por semana. Já arquivou mais de 340 mil milhões de páginas de Internet. 

Dispersas entre os bancos do Grande Salão do arquivo, há mais de 120 estátuas com um metro de altura de indivíduos que contribuíram com, pelo menos, três anos do seu tempo para o arquivo.
É o exército de terracota da Internet. Reconheço alguns deles neste poderoso e assombroso cenário.

Estas estátuas de tamanho real são um pouco assustadoras. Algumas seguram um livro, um copo ou uma guitarra, como se tivessem sido interrompidas enquanto trabalhavam num projecto ou participavam numa cantiga de grupo. Ou talvez enquanto discutiam entre si qual o caminho certo a seguir.