Uma imagem vale mil palavras. Mas quando essa imagem é uma imagem 3D de alta precisão do rosto pode também valer mil análises ao sangue. Isso deve-se ao facto de as bochechas redondas e os papos debaixo dos olhos não serem apenas sinais inestéticos da idade, mas também um reflexo da nossa saúde.

Há décadas que os cientistas sabem que a idade cronológica – um número que pode ser visto no nosso cartão de cidadão – não conta a história toda. A nossa chamada idade biológica, influenciada por tudo, desde o ambiente, à dieta e hábitos de exercício físico, reflecte a saúde das nossas células e órgãos e pode divergir anos da nossa idade cronológica. No entanto, ao contrário do nosso tempo de vida, a idade biológica é mais difícil de aferir. Agora, Jing-Dong (Jackie) Han e os seus colegas desenvolveram um processo de IA (Inteligência Artificial) denominado relógio de envelhecimento facial, que calcula a idade biológica de uma pessoa a partir de uma imagem 3D do seu rosto.

Inspirada por uma prática chinesa multissecular na qual a saúde de uma pessoa era adivinhada através da “leitura” do seu rosto, Han, bióloga computacional da Universidade de Pequim, e a sua equipa construíram este relógio analisando imagens faciais 3D de aproximadamente 5000 residentes da cidade chinesa de Jidong. Os investigadores criaram dois relógios de IA – um que prevê a idade cronológica e outro que prevê a idade biológica. Estes relógios de envelhecimento facial acompanham as alterações dos nossos rostos ao longo do tempo: os cantos exteriores dos olhos caem, o nariz alarga, as mandíbulas pendem e a distância entre o nariz e a boca aumenta. E sabe-se que algumas características faciais correspondem a determinadas maleitas. A inflamação sistémica, por exemplo, revela-se na flacidez da pele.

Segundo Andre Esteva, fundador e director executivo de uma start-up de IA médica em Los Altos, na Califórnia, o trabalho de Han tem potencial para mudar a medicina preventiva: “Se pudéssemos fazer uma fotografia e saber a nossa idade biológica, isso poderia mesmo influenciar o nosso estilo de vida”. Munidos desta ferramenta, os médicos podem acompanhar e gerir o cuidado de pacientes submetidos a tratamentos difíceis, como a quimioterapia, que envelhecem prematuramente as pessoas. E também pode contribuir para a pesquisa sobre o envelhecimento.

“Temos tido muitos pedidos de empresas que querem [a nossa ferramenta] para avaliar a eficácia dos seus suplementos ou fármacos anti-idade”, diz Han.

Os modelos de IA requerem exemplos em que já se conhece a resposta certa, ou “verdade basilar”, para ver como esta se relaciona com os novos dados – um rosto acompanhado pela idade do sujeito, por exemplo. Foi então que surgiu uma questão potencialmente pertinente: não existe uma norma para a idade biológica. “O conceito de idade biológica é um termo genérico para todas as coisas multi-sistémicas que ocorrem com a idade”, explica Christopher Bell, que estuda a relação entre a idade e as doenças crónicas na Universidade de Londres. Desde o encurtamento dos telómeros – as extremidades que protegem os nossos cromossomas – ao decréscimo das nossas mitocôndrias e o enfraquecimento do nosso sistema imunitário, é difícil escolher apenas um marcador da idade.

envelhecimento face

O rosto de uma mulher à medida que envelhece desde os 20 anos, à esquerda, até aos 65, à direita, conforme previsto pelo modelo de Han. A investigação de Han indica que o envelhecimento facial acelerado é um indicador de inflamação sistémica e está associado a diversos problemas de saúde, como colesterol alto, hipertensão e outras doenças relacionadas com o envelhecimento. Este sistema está a ser utilizado em clínicas para avaliar a saúde dos pacientes na China. Imagem de Jing-Dong Jackie Han, Universidade de Pequim.

Os primeiros relógios que mediram o envelhecimento basearam-se em alterações nos padrões dos grupos metil – identificações químicas acrescentadas ao ADN que activam e desactivam genes. Esta maquinaria de metilação do ADN, que regula a actividade genética, deteriora-se ao longo do tempo. O padrão desta deterioração – quais as áreas afectadas do nosso genoma – pode dizer-nos quão depressa as nossas células e tecidos estão a envelhecer. Outros relógios que avaliam a idade baseiam-se na distribuição de proteínas no sangue ou no número de vezes que as células estaminais se dividiram.

Relógio de envelhecimento facial

Em 2016, Han decidiu que queria usar outra métrica – a idade percepcionada ou a idade que aparentamos ter aos olhos dos outros. Foi inspirada por um estudo de 2009 no qual os voluntários avaliaram a idade e o estado de saúde de gémeos numa fotografia, seguida de uma avaliação médica dos sujeitos sete anos mais tarde. Estes investigadores descobriram que o gémeo de aspecto mais velho era mais frágil e sofria de problemas cognitivos, podendo até ter morrido, comparado com o seu irmão de aspecto mais novo. Han achou que a idade biológica, tal como sugerida pela aparência, deveria estar fortemente relacionada com a saúde. O seu grupo já incorporara imagens 3D de rostos em estudos publicados em 2015, nos quais concluíra que as características faciais podiam prever a idade cronológica num modelo estatístico desenvolvido com dados de 300 sujeitos de Pequim.

Han estava a investigar marcadores, ou assinaturas, no sangue e a avaliar a sua relação com a idade quando reparou que a Academia Chinesa de Ciências-Max Planck Instituto Parceiro da Sociedade para Biologia Computacional, onde trabalhava na altura, tinha equipamento de imagiologia facial 3D. Pensou então que poderia usá-lo quando tivesse amostras de sangue para comparar aquilo que o rosto revela sobre o envelhecimento com aquilo que é revelado pelos marcadores sanguíneos.

Em 2016, Han teve acesso a um grupo de estudo maior, composto por aproximadamente 5.000 pessoas da cidade de Jidong, e a técnicas de IA mais poderosas. Graças à capacidade de análise de dados da IA, Han conseguiu replicar a percepção humana de como a idade biológica se manifesta no rosto de uma pessoa. Para minimizar as flutuações na observação, a idade biológica de cada sujeito do novo estudo de Han era avaliada independentemente por cinco voluntários e utilizada como “conhecimento base” para treinar a IA.

O motor de IA, que foi ensinado e melhorado utilizando estas observações humanas, revelou-se incrivelmente preciso. Em média, as suas previsões desviaram-se das idades efectivas em cerca de três anos, tanto nos modelos cronológicos como nos modelos de idade percepcionada. No estudo de Han, as pessoas que aparentavam ter mais de três anos que a data da sua certidão de nascimento foram classificadas como de envelhecimento rápido, enquanto as pessoas de envelhecimento lento pareciam mais de três anos mais novas.

Essa diferença entre a idade prevista e a idade efectiva pode estar correlacionada com diversos parâmetros de saúde, diz Han. E, segundo ela, são estas excepções que nos ensinam mais sobre a forma como envelhecemos.

Para explorar as ligações entre a aparência, a idade e os factores subjacentes que influenciam a saúde, Han colheu amostras de sangue e inquiriu os sujeitos do estudo sobre os seus hábitos. Por exemplo, fumar, ressonar e ter níveis elevados de colesterol total no sangue eram frequentemente características de pessoas de envelhecimento rápido, enquanto o consumo de iogurte, horários de refeição regulares e uma maior densidade óssea eram uma característica comum das pessoas de envelhecimento lento.

A meia-idade, quando os indivíduos estão entre os 40 anos e os 50 e poucos, parece ser um período em que as diferenças entre as pessoas de envelhecimento rápido e lento se tornam mais visíveis. Algumas pessoas podem parecer bastante velhas e só terem 40 anos, enquanto outras têm 55 anos e parecem bastante novas. Segundo Han, esta variabilidade significa que as intervenções no sentido de adoptar hábitos mais saudáveis podem fazer uma grande diferença nesta janela de oportunidade.

Han e os seus colaboradores também construíram modelos adicionais para examinar os mecanismos moleculares subjacentes ao envelhecimento e equipará-los às características faciais de pessoas de envelhecimento rápido utilizando relógios de IA. Por exemplo, desenvolveram relógios com genes activos identificados no sangue de um indivíduo de aparência mais velha e equipararam-nos com as características faciais desse mesmo indivíduo.

As previsões que se sobrepõem permitem aos investigadores averiguar quais os genes (e consequentemente as vias moleculares) accionados para os rostos parecerem mais velhos, comparados com os que parecem mais jovens. Em todos os relógios, “o envelhecimento acelerado está altamente relacionado com infecções e inflamação”, que se manifestam no rosto sob a forma de um estreitamento da testa, à medida que a pele se torna flácida, diz Han. Por outro lado, níveis elevados de colesterol LDL e colesterol total no sangue traduzem-se em bochechas redondas e papos nos olhos.

Aplicações da tecnologia no envelhecimento

A investigação do envelhecimento tornou-se popular, mas um dos problemas da área sempre foi não se saber ao certo o que é a idade biológica e não existir uma forma objectiva de defini-la quantitativamente. Segundo Ruibao Ren — médico e cientista do Centro Internacional do Envelhecimento e Cancro da Universidade Médica de Hainan, na China, a investigação de Han, juntamente com o trabalho desenvolvido noutros laboratórios, tem dado grandes passos no sentido de superar esta lacuna de informação.

“O simples facto de sermos capazes de medir o envelhecimento já é um grande salto em frente e a tecnologia da Dra. Han — que já é utilizada no hospital onde Ren trabalha em Hainan — desempenhará um papel importante nos estudos sobre o envelhecimento”, diz ele. As empresas farmacêuticas podem utilizar a ferramenta para descobrir fármacos que promovam a longevidade ou abrandem o envelhecimento, por exemplo. Enquanto oncologista, Ren espera poder usar o relógio facial para diagnosticar pacientes com cancro enquanto a doença ainda está numa fase inicial. Uma vez que o cancro está fortemente relacionado com a idade, se alguém mostrar sinais de envelhecimento acelerado, os médicos podem ser mais proactivos no despiste. O envelhecimento está na origem de provavelmente 80 por cento das doenças”, diz Ren.

Os médicos também podem incorporar a idade biológica nos exames de check-up anual, acompanhando análises ao colesterol ou medições da tensão arterial. “Poderá ser uma chamada para a realidade que pergunta: como está a conseguir gerir a sua saúde?”, diz Ren.

E, ao contrário de outros relógios, que requerem amostras de sangue ou de tecidos e análises dispendiosas, o relógio facial é comparativamente económico e não invasivo, exigindo apenas que o paciente se sente durante um minuto em frente a uma câmara 3D.

Direcções para o futuro

Bell também vê grande potencial no aprofundamento do estudo dos relógios do envelhecimento, sobretudo à medida que os conjuntos de dados vão aumentando. Os primeiros relógios epigenéticos, por exemplo, observaram 1.500 potenciais locais de metilação no nosso ADN, enquanto os mais recentes examinam mais de 900.000. No entanto, o verdadeiro poder dos relógios de envelhecimento, diz Bell, reside no seu potencial para descobrir coisas novas sobre o processo do envelhecimento.

Ele destaca, por exemplo, que a metilação anómala de ADN é uma assinatura de cancro, bem como do envelhecimento. Ao compreender ambos os cenários “poderemos identificar novas vias terapêuticas para tratar estas doenças”, diz Bell.

No entanto, aconselha cautela na interpretação dos resultados fornecidos por diferentes relógios de envelhecimento. “Estes relógios estão a captar alguns aspectos do envelhecimento ao nível populacional.” Ao nível individual, porém, há mais trabalho a fazer. “Quando medimos a idade epigenética de alguém em particular, não podemos confiar tanto na capacidade desse relógio acompanhar aquele indivíduo, nem que as alterações ao longo do tempo correspondam à realidade.”

Quanto a Han, a sua equipa continua a explorar outros relógios, como um relógio de transcriptoma, que reflecte os danos do ADN no sangue, e um relógio unicelular, baseado na informação de uma só célula. O objectivo é agregar métricas diferentes – cada relógio mostra um aspecto diferente do envelhecimento – num relógio composto. Também continuam a melhorar o seu relógio de envelhecimento facial – e uma versão aplicável a todos os grupos étnicos será publicada em breve.

Qual o derradeiro objectivo de Han? “Bem, estou a dizer aos meus colegas que vou tentar fazer com que eles vivam, pelo menos, mais cinco anos e pareçam cinco anos mais novos”, diz, rindo-se.

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