Por vezes são os maus genes, e não apenas uma má dieta, os responsáveis por um indivíduo ganhar peso mais facilmente do que outros.
Os cientistas descobriram que as mutações genéticas que fazem um indivíduo sentir-se menos saciado após uma refeição podem ser mais comuns do que se pensava, fazendo com que as pessoas que possuem essas variantes comam com mais frequência ou consumam alimentos mais calóricos.
“A obesidade não é uma escolha”, afirma Giles Yeo, um geneticista que estuda a obesidade na Universidade de Cambridge, no Reino Unido. “A genética do peso corporal é, por definição, a genética da forma como o nosso cérebro controla os alimentos.”
Nos Estados Unidos da América (EUA), um terço da população adulta e quase uma em cada seis crianças e adolescentes com idades compreendidas entre os 2 e os 19 anos tem actualmente excesso de peso, segundo o National Health and Nutrition Examination Survey. Para dois em cada cinco adultos americanos obesos, este peso em excesso aumenta o risco de desenvolver muitas doenças evitáveis, incluindo diabetes tipo 2, tensão arterial alta, AVCs, doença cardiovascular e alguns tipos de cancro. Mas o que está a causar esta epidemia? Será uma questão de estilo de vida ou o nosso peso é ditado pelos genes que herdamos?
Embora os tipos de alimentos consumidos e o nível de actividade física desempenhem um papel preponderante no aumento da população obesa, a ciência está a revelar que, tal como acontece com a altura, entre 50 e 90 por cento de variação entre as massas corporais pode ser atribuída a alterações subtis em alguns genes.
Embora as mutações genéticas individuais que tornam a obesidade inevitável sejam super raras, as centenas de variações genéticas que exercem efeitos mínimos – tornando alguns de nós ligeiramente mais propensos a ganhar peso – são mais comuns. Quando alguém herda muitas destas variações, o seu risco de obesidade aumenta significativamente, sobretudo quando associado a factores de estilo de vida.
“Precisamos que as pessoas compreendam que até agora, e muito erradamente, temos olhado para a obesidade como um defeito de carácter”, diz Naji Abumrad, cirurgião endocrinologista do Centro Médico da Universidade Vanderbilt que trata pacientes com obesidade mórbida e estuda os efeitos da cirurgia para perda de peso.
A obesidade tem origem no cérebro
A descoberta de que a natureza influencia a obesidade foi acidental. Ocorreu em 1949 quando investigadores do Jackson Laboratory, em Bar Harbor, no estado americano do Maine, repararam que uma estirpe dos seus ratos de laboratório se tornava anormalmente “redonda” por comer muito e parecer estar constantemente com fome. Foram necessários 45 anos para identificar uma mutação num gene – chamado obesidade – que fazia com que os ratos comessem demasiado e ganhassem peso. Pouco depois, uma série de estudos demonstrou que o gene da obesidade produzia uma hormona chamada leptina – cujo nome deriva da palavra grega leptós que significa “magro” – que se ligava a um receptor do cérebro para lhe comunicar a saciedade. Sem leptina suficiente, os ratos sentiam fome, comiam e engordavam.
Estudos subsequentes revelaram que o gene da leptina era apenas um elemento numa rede de complexa genes que se interligava na via da melanocortina (que também inclui a insulina), responsável pelo controlo do apetite.
“A leptina é uma hormona produzida proporcionalmente à gordura, que diz ao cérebro quanta energia temos”, diz Roger Cone, investigador de obesidade do Life Sciences Institute, da Universidade de Michigan.
As células gordas segregam leptina para a corrente sanguínea, que dizem ao cérebro para se sentir cheio e ajudam a queimar gordura. “Tal como um termostato que controla a quantidade de energia numa sala”, o sistema da leptina-melanocortina controla a quantidade de energia que conservamos sob a forma de gordura”, diz Cone. “Existem outras vias que também desempenham papéis essenciais na identificação da leptina e convertem essa informação na quantidade de energia que queimamos e adquirimos.”
De algumas mutações a muitas variantes
Estima-se que as formas de obesidade causadas por mutações em apenas um gene, como aquela que afectou os ratos de Jackson Labs, sejam responsáveis por menos de 7 por cento dos casos de obesidade mórbida em todo o mundo. Apenas cerca de 6 por cento de crianças gravemente obesas possuem defeitos em genes individuais conhecidos, que sejam responsáveis pela sua condição.
Essas mutações em genes individuais, que se tornam aparentes numa fase inicial da vida, são muito raras, diz Manfred James Müller, nutricionista da Christian-Albrecht University de Kiel, na Alemanha. Por exemplo, foram diagnosticados apenas cerca de uma dezena de casos de deficiência genética de leptina e apenas 88 casos de deficiência de receptores de leptina em todo o mundo.
Mais comuns são as sequências de ADN alternativas, denominadas polimorfismos, que dão origem a versões diferentes de um gene e afectam ligeiramente a sua função.
Para saber mais sobre as raízes de características complexas como a obesidade, os cientistas recorrem à Genome-Wide Association Studies (GWAS) para identificar variantes de genes associados a uma doença específica.
“Extraímos ADN de milhares ou de centenas de milhares de indivíduos”, diz Ruth Loos, directora do Genetics of Obesity and Related Metabolic Traits Program da Faculdade de Medicina Icahn, no Mount Sinai. Em seguida, Loos e os seus colegas comparam um conjunto completo de ADN, ou genoma, de pessoas obesas com o de pessoas não-obesas. Os cientistas procuram alterações numa única ‘letra’ e calculam a probabilidade de essas variantes estarem associadas à obesidade.
Intrigado com o facto de apenas algumas pessoas desenvolverem obesidade, Christian Dina, epidemiologista genético da Universidade de Nantes, em França, comparou as sequências de 2.900 pacientes obesos com as de 5.100 pessoas com pesos saudáveis. Dina descobriu que as pessoas com variações específicas num gene chamado FTO corriam 22 por cento mais riscos de se tornarem obesas. No entanto, descobrir a razão pela qual isso aumenta o risco – ou como estas variantes genéticas funcionam – pode exigir muitos mais anos de investigação.
Por exemplo, os estudos demonstraram que uma variante diferente do gene FTO, que afecta apenas um em cada seis homens europeus adultos, pode aumentar o seu risco de se tornarem obesos em 70 por cento. As pessoas com a variante de risco FTO têm níveis mais elevados da hormona da fome, a grelina, no sangue, o que as faz sentir fome pouco depois de terminarem uma refeição. Estudos de neuroimagiologia realizados com pessoas que possuem esta variante genética também revelam que estes indivíduos reagem de forma diferente à grelina e a imagens de comida.
Haverá um lado positivo para alguns?
Nem todas as variantes genéticas associadas à obesidade são más. Descobriu-se uma variante genética rara capaz de nos proteger contra a obesidade. Um estudo realizado com mais de 640.000 pessoas oriundas do México, dos EUA e do Reino Unido, descobriu que as pessoas que possuem uma cópia inactiva de um gene activo no hipotálamo – que regula a fome e o metabolismo – pesavam menos cerca de 5,3 quilos e tinham metade das probabilidades de se tornarem obesas, comparadas com as que possuíam versões activas.
“No entanto, a maioria dos estudos que associam o risco de obesidade a variações genéticas têm sido maioritariamente realizados com a população europeia e branca”, diz Abumrad. Isso significa que as conclusões podem não ser relevantes para pessoas com antepassados diferentes. O ambicioso programa “All of Us Research Program”, lançado pelos Institutos Nacionais da Saúde em 2018 – que planeia recrutar pelo menos um milhão de pessoas de etnias diferentes – pode ajudar a determinar, de forma rigorosa, a importância da predisposição genética para a obesidade.
A dieta e o estilo de vida são os principais factores da epidemia da obesidade, diz Dina. “Mas há uma base genética forte na diferença de reacção ao ambiente obesogénico.”
O trabalho de Dina e Yeo, entre outros, tem vindo a revelar que variações em vários genes envolvidos no nosso comportamento alimentar podem estar frequentemente associados a uma série de características da obesidade, como o IMC, a percentagem de massa gorda, os níveis de leptina no sangue, etc. Até à data, os cientistas identificaram mais de mil variantes genéticas – e cada uma explica uma parte muito pequena da diferença no peso corporal entre pessoas. A sua associação a um maior risco de ganhar peso costuma manifestar-se numa fase mais tardia da vida, devido a uma interacção entre os presumíveis genes de risco e as variáveis do estilo de vida, explica Müller.
No entanto, as tendências subjacentes ao aumento da obesidade em todo o mundo têm mais a ver com escolhas de estilo de vida, uma vez que não há indícios de alterações drásticas na ocorrência de variações genéticas em diferentes gerações. Com efeito, os estudos demonstraram que o consumo de alimentos fritos, juntamente com um determinado perfil genético, desempenha um grande papel na obesidade.
Embora o consumo frequente de alimentos altamente calóricos possa fazer com que as pessoas com genes associados à obesidade ganhem peso mais depressa, a consciencialização, a prevenção e a prática de exercício são muito eficazes para evitar a obesidade.
“Ter o mesmo alelo de FTO que o meu pai não significa que me torne obeso”, diz Dina. “As probabilidades são ligeiramente maiores, mas posso evitá-lo.”