A nova revelação de que os restos mortais de um poderoso "homem" antigo, enterrado num túmulo em Espanha, são na realidade do sexo feminino, está a pôr em causa as perspectivas que existiam sobre o papel das mulheres nas primeiras sociedades europeias.
Mas é também um exemplo vívido das novas e revolucionárias formas como os arqueólogos estão a utilizar o estudo das proteínas que constituem a complexa bioquímica codificada no ADN celular.
Ao examinar as proteínas em artefactos orgânicos, como dentes e ossos, os cientistas podem agora aprender pormenores do ADN que os criou – mas sem ter de analisar qualquer ADN real que possa ter sobrevivido.
Estas técnicas, designadas por proteómica, têm "a capacidade de revolucionar a arqueologia", diz Marta Cintas-Peña, arqueóloga da Universidade de Sevilha e autora principal de um novo estudo que utilizou a proteómica para determinar o sexo da mulher do túmulo.
Um túmulo luxuoso – e uma suposição inquestionável
O estudo publicado no passado dia 6 de Julho na revista Scientific Reports descreve a descoberta do túmulo em 2008 em Valencina de Concepción, uma cidade perto de Sevilha, no sul de Espanha.
Encontra-se dentro de um vasto cemitério datado da Idade do Cobre da Península Ibérica, entre 4.200 e 5.200 anos atrás; e foi um dos túmulos mais ricos alguma vez encontrados em Espanha, com artigos de sepultura luxuosos que incluíam uma presa de elefante inteira, um punhal com uma lâmina de cristal e dezenas de contas de madrepérola.
Na altura, os arqueólogos sugeriram que a pessoa ali enterrada era um homem com idade compreendida entre os 17 e os 25 anos, com base na avaliação dos restos do esqueleto; os artigos sobre a sepultura indicavam que "ele" tinha ocupado uma posição de elite na sociedade.
Mas um novo exame do esmalte dentário dos restos mortais do indivíduo mostra a presença de proteínas produzidas por genes de um cromossoma X - mas nenhuma proteína equivalente produzida por genes de um cromossoma Y. Isto sugere que a pessoa no túmulo era biologicamente do sexo feminino (XX) e não do sexo masculino (XY).
Cintas-Peña e o autor sénior do estudo Leonardo García Sanjuán, também da Universidade de Sevilha, dizem que esta nova descoberta em que estiveram envolvidos desafia os modelos das sociedades pré-históricas na Ibéria que sugerem que eram lideradas por homens carismáticos.
Mas "o nosso estudo mostra que não era necessariamente esse o caso", afirmam os investigadores. Em vez disso, alegam que as mulheres também podiam ser líderes, obrigando a repensar os papéis sociais das mulheres na Idade do Cobre na Península Ibérica e noutros locais.
Proteómica e ADN antigo
Tal como para os investigadores do túmulo da Idade do Cobre em Espanha, a possibilidade de determinar o sexo a partir das proteínas do esmalte dos dentes humanos também tem sido inestimável para o arqueólogo peruano e explorador da National Geographic Gabriel Prieto, que não esteve envolvido no último estudo.
Enviou dentes das vítimas de um sacrifício em massa de crianças pelo povo Chimú do Peru ao seu co-investigador Parker; as proteínas revelaram que os principais sacrificados eram crianças do sexo masculino.
"Ajudou-nos realmente a compreender que, pelo menos para este evento, os rapazes eram as vítimas mais importantes do sacrifício", diz Prieto.
Os sacrifícios Chimú envolviam centenas de vítimas, pelo que a análise do ADN antigo teria sido proibitivamente dispendiosa, mesmo que fosse possível encontrar ADN viável em cada conjunto de restos mortais.
E embora a análise de ADN esteja em curso para algumas das vítimas do sacrifício, é para complementar a proteómica – por exemplo, para mostrar se alguma das vítimas estava relacionada.
"A proteómica e o ADN antigo trabalham em conjunto", diz Prieto. "Mas se tivermos a oportunidade de fazer a proteómica, então vamos a isso".
Arqueologia "revolucionária"
Embora os avanços no estudo do ADN antigo estejam a permitir aos arqueólogos extrair informações detalhadas de vestígios arqueológicos, desde o sexo até à cor dos olhos, o processo pode ser dispendioso e demorado, com amostras propensas a contaminação – quando há realmente ADN suficiente para recuperar.
A proteómica, por outro lado, pode ser utilizada para criar um perfil genético parcial dos restos mortais, independentemente da presença de ADN na amostra: "Permite obter um genótipo muito pequeno a partir do ADN, mesmo quando o ADN de uma amostra está degradado e desapareceu", afirma Glendon Parker da Universidade da Califórnia Davis, um pioneiro da proteómica que passou mais de uma década a investigar aplicações forenses e arqueológicas.
Os estudos de Parker também mostram que as proteínas são frequentemente mais estáveis e melhor preservadas em ossos e dentes antigos do que o ADN: "É sempre o caso de que se tivermos ADN, teremos proteínas", diz ele. "Mas se tivermos proteínas, podemos não ter ADN".
A utilização da proteómica para determinar o sexo de restos humanos é "mais eficaz, mais barata e mais rápida" do que a análise do ADN antigo, concordam Cintas-Peña e García Sanjuán.
Embora o método tenha apenas alguns anos, já está a ter um impacto científico, afirmam: "O resultado que apresentamos no artigo confirma a eficácia da técnica".
Proteómica na arqueologia – e nos animais
Para além de fornecer informações genéticas a partir de restos mortais de animais e humanos, a proteómica também pode ser utilizada para investigar microrganismos que causaram doenças antigas, como a lepra ou pragas; para identificar resíduos alimentares em cerâmica antiga; e para determinar as fontes de fibras utilizadas em têxteis antigos, o que pode fornecer informações sobre redes comerciais antigas.
O arqueólogo biomolecular Michael Buckley, da Universidade de Manchester, no Reino Unido, desenvolveu a proteómica do colagénio – a principal proteína dos ossos – no método de Zooarqueologia por Espectrometria de Massa (ZooMS) para determinar de que espécie animal provém um determinado osso de um sítio arqueológico.
A técnica foi recentemente utilizada para demonstrar que o marfim de uma sepultura inglesa do século V ou VI provinha de um elefante africano, o que implica uma rota comercial até então desconhecida no mundo antigo dessa altura.
"É ótimo que o ZooMS esteja a arrancar em grande escala", diz Buckley. "Um dos aspectos mais promissores é que estamos a começar a gerar quantidades muito maiores de dados e a obter informações muito melhores sobre as interacções humanas com os animais no passado."