Há milénios que o firmamento é uma fonte inesgotável de entretenimento e profecias, uma tela cintilante sobre a qual apoiámos a nossa mitologia e a nossa ciência. Os tesouros do céu nocturno contam-se entre os poucos bens que todos os habitantes da terra, sem excepção, podem contemplar gratuitamente. Basta sair de casa e erguer os olhos.

Se a noite for suficientemente escura, o céu encher-se-á de milhares de estrelas. No entanto, há muitos outros corpos celestes no firmamento: com alguma prática, identificará asteróides, cometas, planetas e galáxias, além de aglomerados de estrelas brilhantes e nebulosas fantasmagóricas. Precisa apenas dos seus próprios olhos e de um bom guia astronómico.

Todas as noites, quando o Sol se põe, levanta-se um céu esplendoroso. Adornado por inúmeras estrelas, o firmamento torna-se tanto mais profundo e mais complexo quanto mais o observamos. Na prática, a contemplação do céu nocturno é bastante simples: basta erguer os olhos ao alto. No entanto, se quisermos vê-lo devidamente e apreciar os seus tesouros celestes, precisamos de um esforço maior.

astrónomos

Primeiros astrónomos. Há milhares de anos que os seres humanos erguem os olhos para o céu. Um calendário do ano 8000 a.C., originário da actual Escócia, assinalava a passagem do tempo segundo as fases da Lua. O mais antigo texto astronómico é uma tabuinha babilónica de meados do século XVII a.C., onde se descreve o trânsito de Vénus. No século IV a.C., os gregos concebiam modelos para explicar os movimentos planetários.

Condições de Observação

Comece por consultar as previsões meteorológicas e escolha uma noite límpida. Na verdade, as melhores noites para observar o céu tendem igualmente a ser as mais frias, porque estão associadas a atmosferas menos turbulentas e menos enevoadas.

Em seguida, pegue no seu guia e dirija-se ao local mais escuro a que possa ter acesso. O sítio ideal é no campo, longe da iluminação da cidade, mas num céu urbano também é possível realizar avistamentos nocturnos de qualidade: para começar, a Lua, uma boa dose de estrelas brilhantes e cinco planetas.

Leve consigo toda a roupa, mantas, comida e bebidas quentes que lhe pareçam necessárias para se sentir confortável. Uma espreguiçadeira de jardim pode proporcionar-lhe o ângulo de observação perfeito: não lhe fará doer o pescoço se olhar para cima durante muito tempo.

Acomode-se e veja como começa a ganhar vida a fonte de entretenimento mais antiga e duradoura da natureza.

O céu à vista desarmada

Para observar o céu nocturno, precisa apenas dos seus olhos: eles são as ferramentas de observação astronómica por excelência. Se estiver no hemisfério norte, numa noite escura, poderá distinguir à vista desarmada vários milhares de estrelas, além da galáxia de Andrómeda, a nossa vizinha gigante mais próxima, situada a 2,5 milhões de anos-luz da Terra.

A completa adaptação à escuridão poderá demorar uma hora. À medida que as pupilas se forem dilatando e os fotorreceptores ganharem sensibilidade, vai começar a ver cada vez mais estrelas na tela celeste. Procure diferenças de cor e de brilho entre elas. Veja quantas das sete plêiades consegue observar e encontre a faixa de estrelas do disco da Via Láctea – uma imagem mais impressionante no hemisfério sul. Fique atento para observar o movimento lento dos satélites que giram continuamente à volta da Terra e não deixe de prestar atenção aos meteoritos que, por vezes, cruzam inesperadamente o céu.

observação do céu

A luz afecta a nossa capacidade de observação. Durante a noite, a Terra é bonita: uma esfera com redes eléctricas cintilantes e cidades perfeitamente reconhecíveis. Tóquio, Londres e boa parte da Costa Leste dos EUA contam-se entre as zonas mais iluminadas do planeta: no entanto, essa profusão de luz é terrível para a observação astronómica (e para as aves em migração). Quando escapa para o céu, toda essa luz atenua muitas das luzes cósmicas que poderíamos contemplar. Por isso, emergiram diversas organizações dedicadas à preservação da escuridão celeste na Terra. Os observadores astronómicos podem optar por apagar as luzes de exterior, instalar lâmpadas de baixa intensidade ou fechar cortinas e persianas durante a noite.

Um truque: se for difícil para si ver bem uma estrela pouco brilhante, concentre o olhar num ponto mesmo ao lado desta. Os fotorreceptores da visão periférica são mais sensíveis aos contrastes entre a luz e a escuridão, por isso, é frequentemente mais fácil observar os objectos mais ténues se não os fixarmos directamente.

Acima de tudo, não olhe directamente para objectos muito luminosos. A visão fugaz do farol de um carro é suficiente para prejudicar, temporariamente, a sua adaptação visual à escuridão. Se não estiver no campo, use um pano negro ou um casaco para proteger os olhos de possíveis lanternas ou faróis.

Os locais mais escuros da terra

Quanto mais luzes acendemos no mundo, mais poluição luminosa geramos, o que dificulta a observação correcta do céu nocturno. Esse facto levou a Associação Céu Escuro a combater a poluição luminosa desnecessária e a defender a escuridão dos céus nocturnos. A associação identifica os locais da Terra onde o céu é mais escuro e enumera-os em www.darksky.org. Em Portugal temos o Dark Sky Alqueva.

Binóculo

Embora habitualmente associado ao ornitólogo amador ou ao espectador de eventos desportivos, o binóculo é essencial para apreciar o céu.

Com um bom instrumento, poderá observar crateras lunares, várias galáxias, alguns aglomerados de estrelas e umas quantas nebulosas – as belas nuvens de gás onde nascem e morrem as estrelas. Ao contrário dos telescópios, que restringem a visão a um só olho, o binóculo permite contemplar o céu com os dois. Além disso, proporciona-lhe um campo de visão mais amplo, facilitando a localização dos corpos celestes.

A escolha de binóculo para observação astronómica exige alguma reflexão. Avalie o peso – não se esqueça de que vai passar um bom bocado a segurá-lo diante dos olhos – e a capacidade de ampliação. Para uma observação geral, um bom ponto de partida será a configuração de 7 x 50. O primeiro número refere-se à ampliação e o segundo é o diâmetro, em milímetros, das lentes frontais. Quanto maior for a abertura (o segundo número), mais luz entrará, mas qualquer lente com mais do que 50 milímetros será muito pesada.

Quanto maior for a ampliação (o primeiro número), maiores parecerão os objectos, o que é positivo, mas mais perceptível será também qualquer ínfimo movimento das mãos, o que pode ser aborrecido quando se pretende obter uma imagem nítida.

O binóculo astronómico de maior dimensões possui lentes com mais de 100 milímetros de diâmetro e é similar a um telescópio de pequenas dimensões em termos de resolução. No entanto, é caro e requer tripés especiais, o que complica bastante a sua utilização.

Telescópio

O telescópio simboliza a perfeição e o encanto da astronomia. Com um bom equipamento e alguma competência na sua utilização, não há limites para o que o observador consegue avistar. Na medida do razoável, como é evidente.

Posicionado na Terra, nunca poderá obter imagens comparáveis às do Hubble, nem conseguirá ver o mais impressionante corpo do universo: a Terra.

Se tenciona comprar um telescópio, lembre-se de que a qualidade é mais importante do que o preço. Dirija-se a um estabelecimento especializado, onde um especialista no assunto pode ajudá-lo a escolher. Tenha em conta as dimensões e preocupe-se com a resolução, além do tipo de telescópio.

telescópio

Com um telescópio, verá melhor os corpos celestes mais ténues. 

Há vários tipos de telescópios à venda: refractores, reflectores e sistemas catadióptricos, cada qual com as suas vantagens e inconvenientes.

Os refractores captam e concentram a luz com lentes: são o tipo de telescópio mais antigo e geram imagens de alto contraste especialmente belas da Lua, dos planetas e das estrelas binárias. Os telescópios reflectores não usam lentes, concentrando a luz e formando imagens com espelhos curvos. Inventados no século XVII, os reflectores permitem maiores aberturas do que os refractores, razão pela qual são a escolha preferida dos astrónomos actuais. Os sistemas catadióptricos combinam lentes e espelhos num instrumento compacto e portátil (e, por conseguinte, mais caro).

Comece por localizar-se

Antes de procurar um corpo celeste, é importante que conheça a sua própria localização, pois aquilo que verá vai depender tanto da sua posição no mundo como da posição da Terra ao longo da sua trajectória em torno do Sol. O céu muda com as estações. As galáxias e as estrelas distantes, incluindo o Sol, deslocam-se em ciclos sazonais previsíveis.

guia do céu

Semelhante a um arco espectral, a Via Láctea resplandece sobre o lago Crater, no Oregon (EUA).

O nosso planeta roda sem parar sobre o seu próprio eixo e gira em torno do Sol, movimentos estes que explicam a trajectória da nossa estrela no céu. O caminho percorrido pela Terra na sua órbita em volta do Sol chama-se elíptica: não é por acaso que o Sol segue a elíptica na sua deslocação pelo céu terrestre. Muitos planetas do nosso céu seguem trajectórias semelhantes. Isto acontece porque o Sistema Solar é relativamente plano, tendo-se formado a partir de um disco de gás e poeira em rotação. Há milhares de anos, os gregos aperceberam-se da importância da elíptica e dispuseram sobre ela as suas doze constelações zodiacais.

Cartografia de um mar de estrelas

Os astrónomos organizam o céu recorrendo a um sistema de coordenadas muito parecido com aquele que usamos na Terra. O primeiro passo consiste em pensar no firmamento nocturno como uma esfera oca, à qual estão coladas todas as estrelas. O equador celeste dessa esfera coincide com o equador terrestre e os pólos com os pólos terrestres. Uma vez que o eixo de rotação da Terra é inclinado (o que explica a existência das estações), o equador e os pólos celestes também se encontram inclinados relativamente à elíptica.

A posição de determinado corpo nessa esfera define-se através de duas coordenadas.

O primeiro número (a chamada declinação) indica a que distância se encontra determinado corpo do equador celeste, seja acima ou abaixo, tal como a latitude geográfica terrestre. O segundo número (a chamada ascensão recta) equivale à longitude terrestre e indica a posição de um corpo relativamente a um círculo norte-sul, de pólo a pólo, que se define como zero graus.

estrelas

As estrelas descrevem círculos em redor do pólo sul celeste, enquanto a aurora austral ilumina o horizonte.

Alguns mapas estelares incluem estas coordenadas, mas não todos. Como sempre, a sua visão da esfera vai depender inteiramente da sua posição terrestre, daí a importância de conhecer a sua própria latitude quando consulta um mapa estelar. Por norma, estes mapas são elaborados a partir de uma latitude de referência: por exemplo, representam o céu tal como este é visível a partir de uma latitude de 40 graus norte; uma linha que passa perto de Denver, Nova Iorque, Madrid e Pequim. Os mapas astronómicos também variam em função da estação. À medida que a Terra gira em torno do Sol, as zonas visíveis do céu vão variando.

Quanto brilha essa estrela?

Aquilo que consegue ver no céu, muito ou pouco, depende de vários factores: do grau de escuridão do seu local de observação, do equipamento utilizado e, evidentemente, do brilho do corpo celeste em questão. Os astrónomos falam em “magnitude” para se referirem a esse brilho. A magnitude aparente de determinado corpo indica quão brilhante ele se apresenta no céu terrestre.

A magnitude absoluta quantifica o seu brilho a uma distância predefinida. Os astrónomos têm uma certa tendência para conceber sistemas pouco intuitivos – neste caso, quanto menor for a magnitude, maior será o brilho.

aurora boreal

A aurora boreal, ou Luzes do Norte, ilumina o céu de Manitoba, no Canadá. As cortinas de luz cintilantes que, por vezes, iluminam o céu dos pólos terrestres denominam-se aurora boreal, no Norte, e aurora austral, no Sul. São causadas pela colisão entre as partículas carregadas do vento solar (geralmente electrões) e os átomos e moléculas de gases presentes na atmosfera terrestre. As cores de uma aurora dependem da composição do gás e da altitude: as verdes e as vermelhas correspondem ao oxigénio; as azuis e purpúreas ao azoto.

O Sol, por exemplo, possui uma magnitude aparente de -26,74. E Vénus, esse planeta superbrilhante? Vénus pode ultrapassar uma magnitude aparente de -4. Sírio, a estrela mais brilhante do firmamento, tem uma magnitude aparente de -1,4. Numa noite escura e propícia, conseguimos ver a olho nu corpos ténues com magnitude na ordem de 6 ou 7, aproximadamente a do planeta anão Ceres. O binóculo facilita a observação de corpos ainda menos brilhantes. Com um telescópio de 15 centímetros, é possível avistar corpos cuja magnitude ronda 13, aproximadamente a de Plutão.

Nomenclatura Celeste

A nomenclatura dos objectos astronómicos varia constantemente: mais do que um mero sistema de classificação, ela reflecte o dinamismo cultural da nossa Terra.

Os astrónomos descobriram recentemente duas pequenas luas na órbita de Plutão, um planeta anão que, desde então, possui cinco satélites conhecidos. Até se ter cunhado uma denominação formal para essas duas luas novas, os satélites de Plutão eram conhecidos como Caronte, Nix, Hidra, P4 e P5.

Segundo a União Astronómica Internacional (UAI), P4 e P5 deveriam passar a ter o nome de personagens mitológicas relacionadas com Plutão, o deus do submundo: um nome que nunca tivesse sido atribuído a outro corpo do Sistema Solar.

Nessa ocasião, os cientistas entregaram a decisão a um referendo popular: centenas de milhares de votos determinaram como se chamariam as duas luas plutónicas recém-descobertas. Em 2013, a UAI aprovou os nomes Estige e Cérbero: um rio e um cão tricéfalo foram assim acrescentados ao elenco plutónico de personagens do submundo.

Antigamente, cada civilização dava os seus próprios nomes aos corpos celestes que observava. Muitas dessas designações resistiram ao tempo, razão pela qual hoje temos estrelas como Aldebarã (“aquela que vem a seguir” às Plêiades), Algol (“estrela endemoninhada”), Betelgeuse (“Ombro de gigante”), ou Sadalmelek (“Sorte do rei”). Em prol da simplicidade, hoje em dia as estrelas recebem designações numéricas, libertas das reminiscências poéticas de outrora.

observação do céu

Constelações boreais, segundo a ilustração de um atlas celeste de 1708.

Com excepção da Terra, a nomenclatura dos planetas alude a personagens da mitologia grega e romana, como é igualmente o caso de boa parte das 48 constelações originais descritas no Almagesto ptolemaico do século II. As luas nem sempre têm nomes da mitologia clássica e os acidentes geográficos dos planetas são designados segundo universos temáticos próprios. As luas de Úrano, por exemplo, receberam o nome de personagens de Shakespeare e Alexander Pope. Alguns objectos astronómicos possuem, em simultâneo, um nome comum ou histórico e uma designação de catálogo. A nebulosa do Caranguejo, por exemplo, é também conhecida como M1, pois foi o primeiro objecto tabelado por Charles Messier no seu catálogo de 1771). Os épicos “Pilares da Criação”, captados pelo Hubble, por exemplo, encontram-se na nebulosa da Águia, igualmente denominada M16.

O especialista responde

À conversa com Frank Drake, astrónomo, astrofísico e pioneiro na busca de vida extraterrestre inteligente:

> Que conselhos daria a um principiante?

À vista desarmada podem ver-se coisas importantes, como a galáxia gigante de Andrómeda, por exemplo, que se situa a mais de um milhão de anos-luz da Terra. Basta posicionar-se num local onde o céu esteja escuro e focar os olhos num dos lados da galáxia e não directamente nela: é a técnica da “visão lateral”.

> Como se escolhe um bom lugar para observar?

O ideal é procurar um local escuro e dar aos olhos tempo suficiente para se adaptarem. Se subir a uma montanha levando um pequeno telescópio, conseguirá avistar os objectos com maior nitidez. É importante evitar as noites de vento, uma vez que se formam turbulências atmosféricas por cima do telescópio e estas desfocam a imagem.

> Conseguirei ver algo sem um bom instrumento?

Para começar, com um bom binóculo, conseguirá ver as quatro grandes luas de Júpiter. O truque é focar bem e sem tremores, usando um tripé ou apoiando-o numa árvore, muro ou poste. Essas luas seriam discerníveis a olho nu se não estivessem tão perto do planeta.

> Que corpos celestes recomenda aos observadores?

Júpiter, as montanhas da Lua, a nebulosa de Oríon, Saturno e Marte, embora Marte possa ser uma desilusão se se registarem turbulências atmosféricas. Recomendo também a estrela binária azul-dourada de Albireu (ou Beta-Gygni). A observação destes corpos prova que eles existem de verdade no nosso rico universo e não apenas nas fotografias dos livros.

Como surgem os nomes das estrelas?

As estrelas mais brilhantes foram designadas pelos astrónomos árabes há mais de mil anos. As denominações costumam descrever parte de uma figura celeste: Deneb, a estrela mais brilhante da constelação de Cisne, significa “rabo da galinha”. A maioria das estrelas brilhantes também são conhecidas por uma letra grega acompanhada pela versão latinizada do nome da constelação.