A cerca de 730 anos-luz de distância – não muito distante, tendo em conta a escala da nossa galáxia – um planeta completamente bizarro orbita uma estrela parecida com o sol. Grande, denso e firmemente amarrado à sua estrela hospedeira, o planeta é diferente de tudo que os astrónomos viram até agora – seja no nosso sistema solar ou mais além.
Este mundo, conhecido pela designação TOI-849b, é o planeta rochoso mais maciço alguma vez observado e tem cerca de 40 vezes o tamanho do planeta Terra. Surpreendentemente, o enorme volume do TOI-849b sugere que este planeta pode ter sido um mundo gigante e gasoso como Júpiter, contudo, quase não tem atmosfera. Explicar como é que este mundo surgiu desafia o que os cientistas sabem sobre a formação de planetas.
“É muito difícil fazer com que um planeta tão massivo e denso como o TOI-849b não se transforme num gigante gasoso”, diz David Armstrong, investigador de exoplanetas da Universidade de Warwick e autor principal de um estudo sobre o novo planeta publicado na revista Nature. “Algo correu mal neste processo padrão.” Armstrong e os seus colegas acreditam que este mundo é o núcleo exposto e sem ar de um planeta gigante que pode ter sido maior do que Júpiter.
“São estes objectos que fazem avançar o plano teórico e que fazem com que o estudo de exoplanetas e a ciência planetária sejam muito entusiasmantes”, diz a coautora do estudo, Ravit Helled, da Universidade de Zurique.
“É definitivamente estranho”, acrescenta Jonathan Fortney, diretor do Laboratório Other Worlds da Universidade da Califórnia em Santa Cruz. “Mas não sei ao certo o que isto representa.”
Uma curiosidade entre coisas estranhas
Na última década, os caçadores de planetas avistaram milhares de mundos distantes entre os campos estelares da galáxia. A maioria é decididamente estranha, caindo em categorias como “Júpiteres quentes” – planetas grandes e gasosos com órbitas pequenas – ou “Super-Terras”, planetas rochosos maiores do que o nosso, mas mais pequenos do que Neptuno. Contudo, TOI-849b desafia todas as classificações.
Este mundo foi avistado pelo telescópio espacial TESS – Transiting Exoplanet Survey Satellite – da NASA que está a investigar 200 mil das estrelas mais próximas e brilhantes. O planeta revelou a sua presença quando estava a atravessar a face da sua estrela e escureceu durante breves momentos a luz. Estas passagens fugazes mostram que o mundo alienígena orbita a sua estrela a cada 18 horas, o que significa que tem uma temperatura de superfície superior a 1500 graus Celsius.
“Não existem realmente planetas com esta massa”, diz Fortney. TOI-849b tem as dimensões corretas para ser um Neptuno quente, mas tem duas ou três vezes a sua massa.”
As observações da oscilação gravitacional da estrela anfitriã, feitas com o instrumento HARPS no Observatório La Silla, no Chile, determinaram que, embora TOI-849b tenha aproximadamente a mesma largura de Neptuno, é pelo menos duas vezes mais massivo. Todo este volume significa que TOI-849b é extremamente denso. Este planeta rochoso pode ter uma camada fina de atmosfera, provavelmente composta por hidrogénio e hélio – mas não tem o gás que devia ter para um mundo com estas características.
“Pensamos que tem uma mistura de metais, silicatos, água e, possivelmente, uma atmosfera (muito) pequena”, diz Helled.
Relíquia de um passado distante?
As propriedades estranhas do planeta sugerem a Armstrong e aos seus colegas que este mundo misterioso é provavelmente o núcleo de um planeta gigante gasoso – algo que deveria ter crescido mais do que Júpiter. Os gigantes gasosos no nosso sistema solar provavelmente têm núcleos densos de rocha e materiais exóticos, embora nenhum destes núcleos se aproxime das dimensões de TOI-849b.
“As nossas melhores estimativas para o tamanho do núcleo de Júpiter são surpreendentemente incertas”, diz Armstrong. “Mas alguns trabalhos recentes sugerem um limite de cerca de 25 massas terrestres. E TOI-849b é ainda mais massivo.”
As teorias actuais sobre a formação de planetas descrevem mundos que crescem a partir de pequenas sementes de rocha e gelo plantadas nos discos de gás e poeira que rodeiam as estrelas recém-nascidas. Alguns planetas, como a Terra, acumulam algum material e permanecem pequenos, enquanto que outros reúnem gases e transformam-se em mundos enormes com atmosferas gigantescas, como Júpiter e Saturno.
Armstrong diz que, quando um planeta atinge cerca de 10 massas terrestres, inicia um processo chamado acréscimo de fuga gasosa, e a gravidade do planeta é rapidamente afetada pelo hidrogénio e hélio. Uma semente com 40 massas terrestres deveria acumular uma quantidade absolutamente surpreendente de gás – mas não é esse o aspecto que TOI-849b tem actualmente.
“Podemos afirmar que os planetas como TOI-849b são raros, mas mesmo assim existem, e agora precisamos de descobrir como e porquê”, diz Helled.
Uma das possibilidades é a de que TOI-849b pode ter esgotado o gás que existia em torno da sua estrela, ficando assim sem material para recolher e estagnou. Outra possibilidade é a de que TOI-849b pode ser a casca de um planeta que outrora seria enorme, mas que, de alguma forma, perdeu a sua atmosfera, talvez devido à proximidade que tem da sua estrela – mas neste caso, os cientistas planetários não sabem como é que o planeta conseguiu expelir várias centenas de massas terrestres de gás ao longo de alguns milhares de milhões de anos.
Um terceiro cenário envolve cataclismos durante os primeiros anos do planeta – como colisões com outras sementes planetárias de tamanho semelhante – que aumentaram o núcleo rochoso do planeta e reduziram a atmosfera.
“Creio que a pista principal reside no facto de TOI-849b estar na região do Deserto Neptuniano, que tem indícios de uma história rara”, diz Armstrong. “Para mim, isto sugere algo mais incomum.”